Qual a cultura dos quilombolas e suas influências na nossa sociedade?

A utilização do trabalho escravo no Brasil foi uma prática marcada por diversas manifestações de resistência contra esse tipo de relação de trabalho opressivo. Entre tantas alternativas, a constituição dos quilombos foi uma das mais ousadas e bem articuladas ações que buscavam quebrar as imposições da administração colonial. Apesar de sua relevância, poucos são os registros que demonstram a presença e o funcionamento desse tipo instituição no período colonial.

Formado a partir da reunião de vários escravos fugitivos, um quilombo passava a constituir um tipo de comunidade bastante diferente das que foram criadas pela ação dos colonizadores portugueses. Os habitantes dos quilombos, chamados de “quilombolas”, participavam de todo o trabalho que envolvia a obtenção de alimentos e construíam pequenas oficinas onde fabricavam suas roupas, utensílios domésticos, ferramentas de trabalho e móveis.

Mais do que uma simples comunidade, o quilombo era formado em locais de difícil acesso. Tal medida visava impedir a recaptura dos escravos fugidos. Geralmente, o quilombo também era organizado na proximidade de estradas para que os quilombolas pudessem assaltar os viajantes que por ali transitavam. Não se limitando ao abrigo de escravos africanos, os quilombos também serviam de morada para índios e criminosos que escapavam da justiça.

Nessas comunidades, conforme aponta alguns relatos, houve o desenvolvimento de um código moral e de justiça bastante peculiares. O adultério, o roubo, o homicídio e a deserção eram severamente punidos com a pena de morte. Ao mesmo tempo, os quilombos foram importantes para que traços diversos da cultura africana se mantivessem vivos em nossa própria cultura atual. Ritos, danças, pratos e expressões comuns ao território brasileiro são nitidamente influenciados pela cultura africana.

Um dos mais importantes quilombos do período colonial foi criado na serra da Barriga Verde, no estado de Alagoas. O Quilombo dos Palmares, formado no início do século XVII, abrigava uma série de quilombos menores e constituía uma grande comunidade integrada por milhares de pessoas. O período de expansão desse quilombo aconteceu durante as invasões holandesas, momento em que vários escravos aproveitaram do distúrbio para fugirem dos engenhos.

Durante muito tempo, a destruição deste quilombo preocupou as autoridades coloniais daquela região. Após a deflagração de várias batalhas, o capitão-mor Fernão Carrilho quase deu fim à Palmares em 1678, após aprisionar vários de seus principais líderes. Quando a contenda parecia estar finalmente resolvida, apareceu a figura do líder Zumbi rearticulando novas forças que resistiram até os últimos anos do século XVII.

Atualmente, existem várias comunidades que são remanescentes de quilombos formados durante a época colonial. Reconhecendo a presença e a soberania dos descendentes de quilombolas nessas regiões, o governo concedeu títulos de propriedade aos habitantes dessas regiões. Estimativas publicadas no ano de 2008 apontam que existem 185 comunidades quilombolas espalhadas em cerca de 980 mil hectares.

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  • Especial Quilombolas 5 - Patrimônio cultural: ritmos e danças - ( 08' 23" )

HOJE É DIA DE CULTURA QUILOMBOLA NA RÁDIO CÂMARA. MAÇAMBIQUE, CANDOMBE, TAMBOR DE CRIOULA E JONGO, OS DOIS ÚLTIMOS JÁ RECONHECIDOS COMO PATRIMÔNIO CULTURAL, VÃO ENCERRAR A SÉRIE DE REPORTAGEM SOBRE OS REMANESCENTES DE QUILOMBOS NO BRASIL COM O JORNALISTA JOSÉ CARLOS OLIVEIRA.

MÚSICA: "Canto dos Escravos I"

"Com licença do curiandamba
Com licença do curiacuca
Com licença do sinhô moço
Com licença do dono de terra."

A música, a dança e a religiosidade que os negros trouxeram da África serviram de alento para que enfrentassem o trabalho duro nos canaviais e suportassem a dor no tronco e no açoite. Para conter o espírito de revolta do negro, o colonizador branco também permitia danças e cantorias nas senzalas e nos terreiros, sobretudo em dias de festas de santos católicos. Nasce aí o sincretismo religioso que une os cultos afros aos rituais do catolicismo até hoje no Brasil. Com o tempo, alguns ritmos africanos, como o lundu, por exemplo, ganharam outras influências em nossa terra e se transformaram em ritmos genuinamente brasileiros, como são os casos do samba, do chorinho, do coco, do maracatu e de outros sons urbanos modernos.

Porém, são outros batuques que vamos mostrar aqui, neste mosaico da cultura quilombola. Os remanescentes de quilombos ainda preservam vários daqueles ritmos que movimentavam o corpo e a alma do negro escravizado. É uma tradição de matriz africana mais pura, que recebeu menor influência das outras culturas. Assim como no tempo da escravidão, as atuais festas continuam sendo realizadas em dias santos e funcionam como forte elemento de auto-estima para os quilombolas.

"Isso tudo é do tempo do povo africano, né. É tudo da África."

Entre os kalungas, em Goiás, as festas são o momento ideal para a tradicional dança da sussa, que tem o ritmo marcado pelo som de viola, pandeiro, sanfona e tambor, numa mistura entre o sagrado e o profano. Também fazem parte da cultura kalunga as folias de reis e as ladainhas, usadas em rituais de cura de doenças e nas súplicas de proteção divina para um bom dia de trabalho.

MÚSICA: "Canto XI" (Cantos dos Escravos)
"Aiô! T´Angananzambê, aiô!
Ê calunga qui tom’ ossemá, calunga qui tom’ Anazambi, aiô!
Otê! Padre Nosso cum Ave Maria
Securo câmera qui t’Angananzambê, aiô."

Nessa mesma linha, os quilombolas de Aguapés, no município gaúcho de Osório, mantém a tradição do maçambique, um folguedo que dura quatro dias e revive a história da rainha Nginga, de Angola, e do rei do Congo. O maçambique é marcado por cânticos religiosos afro-católicos e pelo ritmo duro de tambores e chocalhos, que festejam o fim da escravidão, em 13 de maio, e louvam Nossa Senhora do Rosário, em outubro.

MÚSICA: "Que senzala foi aquela" (Comunidade de Aguapés-RS)
"Que senzala foi aquela que o maçambique nasceu? (bis)
Foi numa grande senzala que a senhora escolheu..."

O candombe é outro ritual de canto e dança genuinamente africano, de origem banto, ainda cultivado na comunidade quilombola de Mato do Tição, perto da Serra do Cipó, em Minas Gerais. A festa é marcada por rezas, fogueiras e muito batuque de tambores e atabaques.

MÚSICA: "Ia cacundê iauê" (Candombe/Mato do Tição)
"Oi, ia cacundê iauê.
Ia qué carcaná na boa lua ...
Carnaúva de berajé
Ia cacundê iauê."

Já no Quilombo Damásio, na cidade de Guimarães, no Maranhão, o som e a dança do cacuriá e do tambor de crioula sempre ecoam após as novenas e, principalmente, nas festas comunitárias. Aliás, todas as comunidades quilombolas maranhenses estão em festa com o registro do tambor de crioula como patrimônio imaterial da cultura brasileira. A decisão do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional reconhece a importância dessa manifestação cultural que chegou ao Maranhão com os negros jejes vindos do Daomé, atual Benin. No tambor de crioula, três tambores ditam um ritmo frenético, enquanto o coro repete cânticos de temas africanos ou de devoção a São Benedito.

MÚSICA: Tambor de crioula

Os quilombolas da região sudeste foram os primeiros a contar com ritmo e dança reconhecidos como patrimônio histórico e cultural. O jongo veio para o Brasil com os negros de Angola e do Congo escravizados nas fazendas de café dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. É uma dança de roda com umbigadas e muitas palmas. Dois tambores marcam o ritmo: o caxambu, de som grave, e o candongueiro, agudo. Ouça um jongo autêntico do Quilombo São José, do município fluminense de Valença, gravado pela ONG Associação Brasil Mestiço.

MÚSICA: "Nasci n’Angola" (Jongo do Quilombo São José)
"Ô gente, nasci n´Angola
Angola que me criou
Eu sou neto de Moçambique, ô gente...
Eu sou negro sim sinhô."

Jongo, tambor de crioula, maçambique, candombe e tantos outros ritmos genuinamente africanos ajudam a manter os laços dos quilombolas com seus antepassados e a embalar a luta de um povo pela preservação de sua história e pela conquista plena de cidadania. É uma cultura que resistiu ao tempo, aos preconceitos e às perseguições, que podem ser sintetizadas nessa "Lenda do Barão Unuoê", contada aqui pelo velho Jair de Siqueira, do Quilombo do Mato do Tição.

"O barão Unuoê era um homem, um fazendeirão que não gostava dos negros, não. Quando houve a liberdade, ele mandou fazer uma fogueira e pôs os instrumentos dos negros tudo no fogo e entrou pra dentro de casa, porque ele não queria ver nem a fumaça dos instrumentos dos negros. Aí a fumaça emborcou pra casa adentro e foi certo pro quarto dele. Ele no quarto fechado e a fumaça queimando a vista dele. Ele não tinha sossego. Aí ele mandou chamar o padre pra compensar ele. Ele contou para o padre o que ele tinha feito e o padre disse: 'Você que tem que mandar fazer outros instrumentos para dar a esses negros. Enquanto você não fizer...' E ele disse: 'Se for isso, eu mando fazer'. Aí ele mandou fazer oito ternos de instrumentos para os negros, matou boi, matou porco, pôs cachaça lá no terreiro para os negros se divertirem. E assim que os negros foram se divertir, aí o negro velho cantou esse candongo: 'Ê barão Unuoê, barão Unuoê, ê barão é na palma de pontê...' Aí a fumaça sumiu (risos). Isso é do tempo dos negros mesmo, dos africanos."

MÚSICA: "Mãe África"
"Oiê, pros meus irmãos de Angola (África)
Oiê, pra Moçambique-Congo (África)
Oiê, pra toda a nação bantu (África)
Oiê, do tempo do quilombo (África)
Pelo bastão de Xangô e o caxangá de Oxalá
Todo o Brasil pede a bênção de mãe África"

De Brasília, José Carlos Oliveira

PARTE DAS GRAVAÇÕES OUVIDAS NESTA ÚLTIMA MATÉRIA TAMBÉM FOI TIRADA DOS ÁLBUNS "O CANTO DOS ESCRAVOS", DA SÉRIE MEMÓRIA ELDORADO, E "MOSAICO MUSICAL DOS QUILOMBOS", PRODUZIDO PELA ASSOCIAÇÃO CULTURAL CACHUERA E FUNDAÇÃO PALMARES.

A REPORTAGEM ESPECIAL DESSA SEMANA TEVE COORDENAÇÃO DE APRÍGIO NOGUEIRA, PRODUÇÃO DE LUCÉLIA CRISTINA E MÔNICA LION, COM TRABALHOS TÉCNICOS DE RIBAMAR DE CARVALHO E TONY RIBEIRO.

Qual a importância dos quilombos para nossa cultura atual?

As comunidades quilombolas além de contar a história, mantêm tradições seculares como, por exemplo, o congado e rosário. Além das religiões de matriz africana. “Os quilombos fazem parte da manutenção da nossa história e da cultura brasileira.

Como a cultura quilombola influenciou na formação da nação brasileira?

Das formas de resistência ao sistema escravista brasileiro, a formação de quilombos foi a mais radical, semeando a ruína da sociedade escravocrata do Brasil- Colônia e, ao mesmo tempo, a esperança de um mundo melhor para africanas e africanos e seus descendentes resistentes àquele sistema.

Qual a influência das comunidades quilombolas e indígenas para a sociedade brasileira?

Essas porções de terra do território nacional habitadas por um ou mais povos indígenas, ou ainda, por comunidades quilombolas, abrangem suas atividades produtivas, para sustento próprio, como plantio de alimentos, além de garantir seu bem-estar, necessário à reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e ...

O que é um quilombo e qual a sua importância para a história?

Locais de resistência contra a escravidão Os quilombos, na era colonial e imperial, foram espaços construídos pelos escravos negros africanos e afrodescendentes fugidos da escravização em busca de viver em liberdade.