Pode entrar duas vezes com a mesma ação?

Decis�o Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justi�a:


I – RELAT�RIO

AA instaurou, em 28 de abril de 2015, nos Ju�zos Centrais C�veis de …, Comarca de …, contra BB (Europe), Lda., a��o declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que a R� fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 125 000,00, acrescida dos juros desde a notifica��o judicial avulsa de 24 de maio de 2012.

Para tanto, alegou, em s�ntese, que, no �mbito da a��o de regula��o do exerc�cio da responsabilidade parental que, sob o n.� 325/08.7TBSTR, correu termos no ent�o 3.� Ju�zo C�vel da Comarca de …, onde a A. era Ju�za de Direito, CC, advogado, deduziu, em representa��o da Requerida, em 4 de junho de 2009, incidente de suspei��o visando-a, afirmando no requerimento, designadamente, a exist�ncia de “inimizade grave da Ju�za em Rela��o � Requerida” e “uma grande intimidade” com o Requerente, factos falsos e ofensivos da sua honra pessoal e profissional, os quais lhe causaram danos n�o patrimoniais que justificam ser indemnizados e pelos quais responde a R., nos termos do contrato de seguro, celebrado entre aquela e a Ordem dos Advogados Portugueses.

Contestou a R., suscitando, designadamente, a exce��o de litispend�ncia, na medida em que afirma haver identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, nomeadamente com a a��o n.� 953/09.3TASTR, ainda pendente.

Respondeu a A., no sentido da improced�ncia da litispend�ncia.

Seguiu-se, em 15 de mar�o de 2016, a prola��o do despacho saneador, no qual, sendo julgada procedente a exce��o de litispend�ncia, foi a R. absolvida da inst�ncia.

Inconformada, a A. recorreu, para o Tribunal da Rela��o de �vora, que, por ac�rd�o de 17 de novembro de 2016, confirmou o despacho saneador.

Inconformada tamb�m com esse ac�rd�o, a Autora, em revista excecional, recorreu para o Supremo Tribunal de Justi�a e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclus�es:

a) O ac�rd�o recorrido violou o art. 581.�, n.� 2, do CPC, por omiss�o, na medida em que n�o ponderou a natureza do demandado no processo n.� 953/09.3TASTR e da R. nos presentes autos, condi��o necess�ria para poder apreciar as respetivas posi��es “sob o ponto de vista da sua qualidade jur�dica”.

b) Tal omiss�o gera a nulidade do ac�rd�o (art. 615.�, n.� 1, al�nea d), do CPC).

c) A R. � uma respons�vel direta relativamente � obriga��o.

d) No caso presente, a responsabilidade solid�ria da R. decorre da lei sobre o seguro obrigat�rio e o contrato de seguro.

e) Na presente a��o n�o houve lugar � substitui��o entre o Demandado no processo n.� 953/09.3TASTR e da R. neste processo.

f) A Demandada Seguradora interv�m por direito pr�prio.

g) N�o existe uma identidade da parte.

h) O ac�rd�o recorrido violou, al�m do art. 581.�, n.� 2, do CPC, os arts. 32.� e 35.� do CPC.

i) O ac�rd�o recorrido violou a for�a de caso julgado do ac�rd�o do Tribunal da Rela��o de �vora de 21 de maio de 2013, proferido no processo n.� 953/09.3TASTR, no sentido de que o Demandado civil e a BB (Europe), Lda., n�o eram um �nico sujeito, com viola��o do disposto no art. 620.� do CPC.

j) O ac�rd�o recorrido violou o disposto no art. 30.� do CPC, em conjuga��o com os n.�s 1 e 3 do art. 99.� do EOA e os arts. 146.�, n.� 1, e 147.�, n.� 1, do regime do contrato de seguro, aprovado pelo DL n.� 72/2008, bem como nos arts. 522.� e 523.� do C�digo Civil.

k) O ac�rd�o recorrido viola ainda os arts. 623.� e 624.� do CPC.

Com o recurso, a Autora pretende a revoga��o do ac�rd�o recorrido, com o prosseguimento da a��o.

A a R� n�o contra-alegou.

Por ac�rd�o de 25 de maio de 2017, a Forma��o a que alude o art. 672.�, n.� 3, do C�digo de Processo Civil, admitiu a revista para “a melhor aplica��o do direito”, nos termos da al�nea a) do n.� 1 daquele art. 672.�.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Nesta revista, para al�m da nulidade do ac�rd�o recorrido, por omiss�o de pron�ncia, est� em discuss�o, essencialmente, a n�o verifica��o da exce��o de litispend�ncia.

II – FUNDAMENTA��O

2.1. No ac�rd�o recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

1. Por senten�a de 18 de setembro de 2015, n�o transitada em julgado, CC, advogado, foi condenado a pagar � A. a quantia de € 15 000,00, “a t�tulo de indemniza��o por danos n�o patrimoniais”, com base nos factos descritos a fls. 183 a 203.

2. A R. e a Ordem dos Advogados de Portugal celebraram um contrato de “seguro de responsabilidade civil profissional (por erros e omiss�es)”, titulado pelas ap�lices n.� s DP/01018/11/C e DP/02416, juntas a fls. 114 a 160.

3. Na presente a��o, a A. peticiona a condena��o da R. no pagamento da quantia de € 125 000,00, a t�tulo de danos morais, com base em factos que consubstanciam a viola��o da sua personalidade moral, designadamente o seu bom nome, a dignidade profissional e a honra diretamente relacionados com o exerc�cio da profiss�o de magistrada judicial.

4. No processo referido em 1., que corre termos no Ju�zo Criminal da Comarca de Santar�m (n.� 953/09.3TASTR), a Assistente, ora A., deduziu pedido de indemniza��o c�vel, por danos n�o patrimoniais, contra o Arguido, CC, no valor de € 125 000,00.


2.2. Descrita a din�mica processual relevante, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclus�es, nomeadamente a quest�o da litispend�ncia.

Preliminarmente, interessa apreciar a arguida nulidade do ac�rd�o recorrido, nomeadamente por omiss�o de pron�ncia, deduzida ao abrigo do disposto no art. 615.�, n.� 1, al�nea c), do C�digo de Processo Civil (CPC), por falta de pondera��o da natureza do Demandado na outra a��o e da R. nesta, condi��o necess�ria para a aprecia��o das respetivas posi��es “sob o ponto de vista da sua qualidade jur�dica”

Na verdade, o tribunal deve resolver todas as quest�es que as partes tenham submetido � sua aprecia��o, sem preju�zo daquelas que sejam de conhecimento oficioso, sendo certo que, no caso do recurso, a amplitude das quest�es � definida pelas respetivas conclus�es, conjugadas naturalmente com o pedido, a causa de pedir ou a mat�ria de exce��o da a��o.

Na apela��o interposta, estava essencialmente em discuss�o a situa��o da n�o verifica��o dos requisitos da exce��o dilat�ria de litispend�ncia, e que a 1.� inst�ncia julgara procedente, absolvendo a Recorrida da inst�ncia.

A Rela��o, por sua vez, pronunciou-se sobre essa quest�o, decidindo no sentido da confirma��o do despacho da 1.� inst�ncia, nomeadamente, da verifica��o da litispend�ncia, desenvolvendo em conson�ncia a argumenta��o correspondente.

Resolvida a quest�o essencial da litispend�ncia, cumpriu a Rela��o o seu dever de cogni��o, sendo certo que, para o efeito, n�o se pode confundir a quest�o, com o sentido t�cnico-jur�dico reconhecido, com o argumento usado na alega��o.

Naturalmente, a decis�o judicial deve apreciar toda a alega��o, o que lhe pode conferir mais qualidade, ou m�rito, mas o tribunal n�o est� obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, para al�m de que o tribunal tamb�m � livre, na indaga��o, interpreta��o e aplica��o das regras de direito (art. 5.�, n.� 3, do CPC), e, muitas vezes, alguns dos argumentos invocados chegam ainda a ficar prejudicados por outros, designadamente por efeito de inutilidade ou menor valia.

A decis�o judicial, para al�m da aprecia��o de todas as quest�es que importa conhecer, deve revelar-se convincente na sua fundamenta��o, de modo a ser perfeitamente compreendida, ainda que, porventura, as partes possam discordar do seu sentido.

Neste contexto, o ac�rd�o recorrido, no qual se conheceu da �nica quest�o jur�dica que importava, n�o padece de nulidade, por omiss�o de pron�ncia.

Assim, improcede a argui��o da nulidade do ac�rd�o recorrido.

2.3. A Recorrente, insistindo na discord�ncia com o julgado, reitera a sua alega��o, nomeadamente de que n�o se verifica a exce��o de litispend�ncia, porquanto nas duas a��es, designadamente os sujeitos (passivos), n�o s�o id�nticos, requisito que constitui verdadeiramente o pomo da disc�rdia.

A litispend�ncia constitui uma exce��o dilat�ria cuja verifica��o obsta a que o tribunal conhe�a do m�rito da causa e d� lugar � absolvi��o da inst�ncia – arts. 576.�, n.� 2, e 577.�, al�nea i), do C�digo de Processo Civil (CPC).

A exce��o de litispend�ncia pressup�e a repeti��o de uma causa, quando a anterior ainda est� em curso, tendo por fim, assim como na exce��o dilat�ria do caso julgado, evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decis�o anterior – art. 580.�, n.�s 1 e 2, do CPC.

Com a consagra��o do efeito da litispend�ncia obsta-se � inutilidade da repeti��o da decis�o judicial, em processos diferentes, para a mesma a��o, e salvaguarda-se, tamb�m, o prest�gio da administra��o da justi�a contra o risco de grave dano que podia resultar do tribunal contradizer ou reproduzir outra decis�o judicial (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.� edi��o, 1985, p�g. 301).

De harmonia com o disposto no art. 581.�, n.� 1, do CPC, repete-se a causa quando se prop�e uma a��o id�ntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e � causa de pedir; h� identidade de sujeitos quando as partes s�o as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jur�dica (n.� 2); h� identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jur�dico (n.� 3); h� identidade de causa de pedir quando a pretens�o deduzida nas duas a��es procede do mesmo efeito jur�dico (n.� 4).

A litispend�ncia, pressupondo a repeti��o da mesma a��o em dois processos, depende, pois, da verifica��o cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decis�o anterior.

A litispend�ncia pode andar pr�xima da situa��o prejudicial, na qual, n�o ocorrendo aquela, pode existir, tamb�m, o risco de contradi��o ou reprodu��o de uma decis�o judicial anterior. Neste caso, estando pendente causa prejudicial, a solu��o passa pela suspens�o da inst�ncia por determina��o do juiz, nomeadamente nos termos previstos no art. 272.� do CPC.

No caso sub judice, est� especialmente em causa o requisito da identidade de sujeitos, que a Recorrente entende n�o se verificar, ao contr�rio das inst�ncias.

Contudo, quanto � identidade da causa de pedir, n�o existe coincid�ncia total, visto que a Recorrida, na a��o, � demandada com fundamento no facto il�cito e no contrato de seguro, enquanto na outra a��o o fundamento baseia-se, exclusivamente, no facto il�cito. A alegada obriga��o assumida no contrato de seguro constitui fundamento substantivo da a��o, integrando, para al�m do mais, a causa de pedir.

Mas independentemente disso, tamb�m n�o se pode afirmar que as partes sejam as mesmas nos dois processos.

Desde logo, quanto aos sujeitos passivos, as pessoas s�o distintas, intervindo aqui a Recorrida, enquanto parte do contrato de seguro, enquanto no outro processo interv�m o segurado, como autor do facto il�cito.

Embora, em concreto, se trate de pessoas diferentes, pode acontecer terem a mesma qualidade jur�dica e, assim, existir uma identidade de sujeitos na a��o, relevante para efeitos de preenchimento da litispend�ncia.

Mas isso, por�m, n�o sucede, pois a sua qualidade jur�dica, ainda que devedores do mesmo credor, n�o � coincidente. Efetivamente, a Recorrida � parte passiva, nesta a��o, por efeito do contrato de seguro, onde assumiu a obriga��o de reparar certos danos causados no exerc�cio da advocacia, sendo a responsabilidade civil solid�ria com a do advogado, o que significa que ambos podem responder perante a credora.

A Recorrida, devedora solid�ria, responde por obriga��o pr�pria, resultante de contrato, diferente da obriga��o do demandado na outra a��o, essa com origem na responsabilidade civil por facto il�cito. Por isso, sendo distintas as obriga��es, a Recorrida n�o pode suceder ao demandado da outra a��o na mesma obriga��o.

No entanto, pode existir o perigo de repeti��o ou contradi��o da decis�o com a da outra a��o, dado o sujeito ativo e o efeito jur�dico, para al�m de parte da causa de pedir, serem id�nticos nas duas a��es, e que naturalmente importa acautelar.

Todavia, esta situa��o pode ficar devidamente salvaguardada mediante a suspens�o da inst�ncia, nos termos do disposto no art. 272.�, n.� 1, do CPC.

Nas circunst�ncias descritas, � manifesto que n�o se verifica a identidade de sujeitos passivos nesta a��o, quando confrontada com a a��o penal na qual foi deduzido o pedido de indemniza��o c�vel, o que obsta ao reconhecimento da exce��o de litispend�ncia e ao efeito jur�dico emergente.

Assim, sem a proced�ncia da litispend�ncia, n�o podia a Recorrida ter sido absolvida da inst�ncia, devendo os autos prosseguir os seus termos normais, o que motiva a concess�o da revista.

2.4. Em conclus�o, pode extrair-se de mais relevante:

I. A litispend�ncia, pressupondo a repeti��o da mesma a��o em dois processos, depende, pois, da verifica��o cumulativa da identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, de modo a evitar contradizer ou reproduzir decis�o anterior.

II. A litispend�ncia pode andar pr�xima da situa��o prejudicial, na qual pode existir, tamb�m, o risco de contradi��o ou reprodu��o de uma decis�o judicial anterior.

III. Estando pendente causa prejudicial, a solu��o passa pela suspens�o da inst�ncia, nomeadamente nos termos previstos no art. 272.� do C�digo de Processo Civil.

IV. Os sujeitos da a��o n�o s�o id�nticos, quando a r�, devedora solid�ria, responde por obriga��o pr�pria, resultante de contrato de seguro, diferente da obriga��o do demandado na outra a��o, essa com origem na responsabilidade civil por facto il�cito.

2.5. A Recorrida, ao ficar vencida por decaimento, � respons�vel pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade, consagrada no art. 527.�, n.� s 1 e 2, do CPC.

III – DECIS�O

Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder a revista, revogando o ac�rd�o recorrido e determinando o seu prosseguimento normal.

2) Condenar a Recorrida (R�) no pagamento das custas.

Lisboa, 6 de julho de 2017


Olindo Geraldes (Relator)
Nunes Ribeiro
Maria dos Prazeres Beleza

Pode ajuizar a mesma ação duas vezes?

Quando dois processos apresentam as mesmas partes, causas de pedir e pedidos, configura-se a chamada “litispendência”, que leva à extinção do segundo processo sem mesmo chegar ao julgamento dos pleitos. A situação está prevista no artigo 337, parágrafos primeiro, segundo e terceiro, do Código de Processo Civil.

Quantas vezes o autor pode entrar com a mesma ação?

O autor da ação processual precisa abandonar o caso contínuas vezes (três) para que seja considerado perempção, e em relação à mesma causa. Na quarta vez, o juiz deve impedir que continue, alegando perempção e extinguindo o caso sem resolução de mérito.

Quando se repete uma ação?

A coisa julgada somente se opera quando se reproduz ação anteriormente ajuizada, ou seja, quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Desta forma haverá coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença, de que não caiba recurso.

Pode desistir da ação e entrar novamente?

A desistência da ação não importa renúncia ao direito. Por isso, a sentença homologatória de desistência da ação não impede o ajuizamento de nova demanda contra o réu, visando ao mesmo objetivo.