Quem é casado no papel pode ter união estável com outra pessoa?

Neste artigo respondo as dúvidas mais importantes sobre união estável, não só pelo lado conceitual, mas principalmente pelo aspecto prático. Como advogado de família, explico Direitos em linguagem simples e dou um panorama geral de sua mecânica, principalmente no caso de separação do casal ou falecimento de um dos companheiros na união estável. O objetivo é trazer informações ao leigo que necessita de apoio, ao estudante de Direito e até mesmo aos colegas advogados que não estão à vontade na área de Direito de Família. Com isso serão abordados, entre outras coisas, os seguintes tópicos:

2. Quanto tempo morando junto tem direito aos bens ou a pensão na União estável?

3. União Estável homoafetiva – LGBT

4. O que é Contrato de união estável (contrato de convivência) e como fazê-lo.

5. Regime de bens na União Estável

6. O Regime Padrão: Comunhão Parcial de bens

7. Separação: direitos da companheira / companheiro

8. Partilha de bens união estável e direitos na separação

9. Herança: direitos em caso de falecimento

10. Companheiro é herdeiro necessário?

Se prefirir, assista também o vídeo em que explico estas mesmas questões sobre União Estável, mas de uma maneira mais direta e menos formal, voltado especialmente para a pessoa comum que precisa de informações práticas:

1. O que é União Estável

Em termos práticos, o que caracteriza a União Estável é ter um relacionamento estável e viver como se casados fossem, mas sem "ser casado no papel". Não é um namoro, não é uma relação entre amantes e não é algo puramente sexual. É ter uma relação que se diferencia daquela de quem está casado apenas pelo fato de que não passaram pelo rito do compromisso público que é o casamento. Isso é tudo o que precisa para a União Estável.

Em termos técnicos jurídicos, entra aqui a consideração dos requisitos para sua configuração, que a rigor são três:

a) é uma união pública – ou seja, que não é clandestina, feita às escondidas. As pessoas do convívio do casal os reconhecem como tal de forma inequívoca. Não é necessário que se publique no jornal ou que se grite aos quatro ventos para afirmar a existência da relação, já que a situação tem relevância apenas ao círculo social que frequentam, por menor que seja.

b) é uma união duradoura – ou seja, não é uma aventura com prazo de validade. As pessoas estão juntas porque consideram que esse convívio é o objetivo maior do relacionamento. A união é, de fato, estável.

c) é uma união que tem o intuito de constituição de família - ou seja, as pessoas estão juntas como uma célula estruturada. Isso não quer dizer que necessitam ter filhos ou convivam sob o mesmo teto. A ideia é que estão juntos em colaboração na célula familiar, com apoiomútuo e interesse comum.

d) não ter qualquer impedimento para o casamento. Assim, não se configura união estável o relacionamento de uma pessoa casada com sua amante, o que tecnicamente seria considerado concubinato.

2. Quanto tempo morando junto tem direito aos bens ou a pensão na União estável?

Como se vê acima, não há qualquer menção à exigência de coabitação como requisito essencial. Tanto a Lei, quanto as decisões reiteradas dos Tribunais e os estudiosos do Direito entendem que o fato do casal morar junto ou separado não é um ponto crucial para a caracterização da união estável. Há situações em que morar sob o mesmo teto, por exemplo, claramente não representa união estável (como no caso de pessoas que simplesmente dividem um apartamento) e outras em que a ausência de coabitação não tem força para descaracterizá-la (como companheiro e companheira que residem em cidades diferentes por razões profissionais). Para entender a situação, basta pensar em um casamento: se é certo que o marido pode viver em São Paulo e a mulher em Brasília, e se reencontrarem no fim de semana, porque os companheiros não podem fazer o mesmo?

Portanto, para fins de configuração de união estável, o tempo em que o casal está morando junto não é tão importante quanto a verificação dos requisitos do item anterior. É claro que se o período de convivência for maior, maior será a facilidade em se demonstrar a existência desses requisitos. Mas o tempo, por si só, não diz tudo. O que importa no caso concreto é demonstrar que são um casal em uma união pública, duradoura e com o intuito de constituição de família.  

3.Relacionamento homoafetivo (LGBT) também é União Estável?

Sim! União Estável não é privilégio de casais heterossexuais. Os casais LGBT conquistaram esse direito em 2011 em decisão histórica junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o que é algo justíssimo e de extrema relevância para nossa sociedade.

Nesse sentido, é preciso dizer que, em minha opinião pessoal, os requisitos da União Estável devem ser entendidos de uma forma menos restritiva. É que exigir o requisito da publicidade não seria uma solução justa para os relacionamentos LGBT, especialmente porque muitos setores de nossa sociedade são ainda refratários à realidade deste grupo. Ao assumir às claras um rótulo diferente, o indivíduo se expõe automaticamente aos azares do preconceito, verdadeiro moedor de vidas privadas e carreiras. Exigir uma relação pública, portanto, equivaleria a publicizar também orientação sexual do indivíduo, com toda a carga que isso significa. O correto ao meu ver seria exigir NOTORIEDADE – algo que reflete o reconhecimento social do casal sem ferir-lhes o direito à intimidade. E nisto não estou sozinho, já que é a solução majoritariamente apontada por nossos doutrinadores.

Quem é casado no papel pode ter união estável com outra pessoa?

4. O que é contrato de união estável? Entendendo o Contrato de convivência

O documento de união estável, ou contrato de convivência (também chamada de declaração, escritura ou contrato de união estável) é um documento que materializa a situação de fato, ou seja, que explica a existência do relacionamento, quando foi iniciado, quais são os bens adquiridos, o regime de casamento e outros detalhes importantes. Ela fornece uma estrutura formal escrita (escritura ou documento particular) para uma situação da vida que é por natureza informal (o relacionamento em união estável).

Como você pode perceber, o contrato de convivência é um documento importante, pois em caso de necessidade (geralmente rompimento de relação ou falecimento) você não precisará se preocupar em ter que mostrar que focinho de porco não é tomada. Esse documento fará prova da existência da União Estável e de tudo o mais que lá se encontra registrado.

Quanto à sua forma, não há requisitos específicos ou rígidos. Pode ser um contrato de união estável por documento particular (ou seja, um contrato escrito pelas próprias partes), registrado ou não, uma escritura pública, uma averbação ou registro, ou mesmo em disposições esparsas feitas em negócios jurídicos diferentes. O importante é que esse documento reflita uma declaração de vontade em relação à união estável, com fatos expressos e atestados por ambos os companheiros.

Apesar dessa liberdade formal, minha recomendação é que o contrato de convivência seja feito por escritura pública, pois é a forma menos sujeita a complicações de validade, já que conta com o peso da fé pública de um tabelião. A declaração de união estável particular tem validade, como visto, mas não tem o mesmo peso ou segurança de um documento público.

Caso esse documento de união estável não seja feito e a situação vier a complicar (seja por divórcio ou falecimento), você terá que procurar um advogado especialista em Direito de Família para entrar com uma ação judicial em que o Magistrado, com base nas evidências apresentadas, profira decisão sobre a existência ou não dessa união estável. Em outras palavras, sem essa escritura ou documento particular, sua sorte estará nas mãos de um Juiz e a União Estável estará em risco.

Portanto, o melhor é que o documento de união estável exista, e que de preferência seja uma escritura pública realizada por um Cartório de Notas.

5. Regime de bens na União Estável

A determinação do Regime de bens é um aspecto muito importante da relação patrimonial do casal, tanto na hipótese de Casamento quanto de União Estável.

Como vimos, quem vive em União Estável está em uma destas duas situações: ou tem um documento que formaliza a relação, ou não tem.

Se a escritura de União Estável existe, as partes podem declarar livremente qual é o regime de bens que elegem para nortear a relação. Não há qualquer problema, por exemplo, em escolher a separação de bens na união estável, mas nesse caso deverão realizar também o pacto antenupcial – algo que necessariamente fariam se a situação fosse de casamento, por imposição legal e sob pena de nulidade.

Mas como fica a questão do Regime de Bens para os que NÃO TEM um documento de união estável?

6.Regime Padrão na União Estável: Comunhão Parcial

Quem resolve esse problema é o artigo 1.725 do Código Civil:

Art. 1.725 – Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Sabemos agora que o regime de bens padrão na União Estável é o da Comunhão Parcial de bens. Mas o que isso significa?

7.Separação: quais os direitos da companheira / companheiro

Como disse anteriormente, a ausência da escritura de união estável se faz sentir quanto uma pedra surge no caminho. Uma dessas situações é a separação do casal. Mas mesmo não sendo "casado no papel" ou mesmo "juntado no papel", é possível resolver a situação.

Como já visto, não havendo documentação específica como a escritura de União Estável, a partilha em caso de “divórcio” (tecnicamente chamada dissolução) obedecerá o regime de comunhão parcial de bens. Mas para dizer a verdade, mesmo nos casos em que existe a escritura, este é o regime que, de longe, é o mais escolhido. Mais de 90% dos casais optam por esse sistema, talvez porque ele reflita uma situação que é vista como a mais justa para a maioria das pessoas.

Vamos manter o foco no regime de Comunhão parcial. Neste sistema, tudo aquilo que é adquirido DEPOIS do casamento (ou, no nosso caso, da data do início da União Estável) é dividido entre os companheiros por igual. Não interessa quem realmente colocou dinheiro para a aquisição do bem, pois se entende que a contribuição foi por igual de ambos, mesmo que um só tenha renda e outro cuide dos afazeres domésticos (filhos e casa). Trata-se de uma presunção legal que, no casamento, é ainda absoluta (ou seja, não aceita prova em contrário). Dentro da União Estável isso está começando a mudar em nossos Tribunais, com a ideia de que seria possível aceitar comprovação de que um dos companheiros NÃO TERIA PARTICIPADO com esforço para o acúmulo do patrimônio, nem mesmo com a contribuição no trabalho do lar. Mas este entendimento é uma corrente recente que poderá – ou não – se desenvolver nos próximos anos. Para todos os efeitos, aceitamos que o regime de comunhão parcial presume a colaboração mútua e a divisão pela metade dos bens adquiridos durante o tempo da relação.

Quem é casado no papel pode ter união estável com outra pessoa?
"Must be a good book," Dec 2012 © Aude (Photographer amsterdamcyclechic via Flickr)

8. Partilha de bens união estável - quais meus direitos na separação?

Como se vê, não são todos os bens que entram na divisão, mas apenas os que são adquiridos por esforço comum DURANTE a união estável. A lei deixa bem claro quais são os que devem ser excluídos da comunhão (ou seja, do patrimônio comum) no artigo1.659 do Código Civil:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Acredito que esteja claro para o leitor que os bens que forem doados a um dos companheiros ou mesmo que forem herdados por um deles NÃO ENTRAM no patrimônio comum (inciso I). Portanto, não são divididos, permanecendo integralmente com quem o recebeu.

Vê-se que a companheira NÃO tem direito à herança recebida pelo companheiro em caso de separação do casal, mas dependendo do caso poderá herdar esses mesmos bens na hipótese de seu falecimento – como se verá mais adiante.

As rendas de salário ou pensão também são bens individuais, mas o que vier a ser poupado é do casal. Isso quer dizer que o dinheiro que cada um receber como fruto do trabalho pertence a quem trabalhou (um não pode querer controlar o dinheiro do outro como se fosse dono da metade!), mas se houver sobras guardadas em poupança ou aplicações, esse montante pertencerá aos dois.

Convém traduzir aqui o que é a sub-rogação de bens mencionada pelos incisos I e II do artigo 1659, e para isso é conveniente apontar situações práticas. A palavra sub-rogação significa, em linguagem simples, substituição. Vamos ao exemplo. Se o companheiro tem uma casa que vale 100 antes do casamento, é bem claro que no regime de comunhão parcial esse imóvel é só dele. Mas se ele vender esse imóvel de 100 e comprar outro também de 100, mas DEPOIS do casamento (ou do início da união estável), esse imóvel novo CONTINUA sendo só dele e em sua totalidade. A casa antiga foi substituída (sub-rogada) pela nova, e pelo mesmo valor. Nada muda.

Vamos mais longe. Imagine a mesma pessoa com esse imóvel de 100 antes da União Estável. Ela se une a um companheiro, e depois de um tempo resolve vender o imóvel que possuía, de 100, para comprar outro de 200, usando para isso as economias que fez durante esta relação. Aqui há também sub-rogação, mas parcial: ela continua com a parte de 100 nesse bem novo, mas os outros 100 que colocou – fruto da poupança de seu trabalho – pertencem ao casal. Com isso, ela terá 75% (ou seja 150) desse novo imóvel (100 do imóvel antigo, mais 50 – a metade – dos 100 que pouparam), enquanto sua companheira(o) terá 25% (os 50 da metade da poupança que fizeram).

9. união estável e herança: quais meus direitos em caso de falecimento do companheiro?

Essa é a segunda pedra no caminho. Como já visto, se um companheiro falece sem o documento de União Estável, o outro necessitará provar, em primeiro lugar, a existência desta união, e por ação autônoma (ou seja, não no próprio processo de inventário, mas em outra ação independente). Somente após a decisão positiva, poderá habilitar-se ao recebimento da herança nos autos de inventário. É um caminho tortuoso, mas viável.

Em termos de direitos sucessórios, podemos dizer que a situação da União Estável é idêntica ao do casamento.

Aos desavisados, esta frase poderá causar alguma confusão, já que o próprio Código Civil faz questão de diferenciar a sucessão do Cônjuge (Casamento) daquela do Companheiro (União Estável) em muitos de seus artigos. O principal deles é o 1790 do CC, e é aí que se encontra a resposta para o dilema: o Supremo Tribunal Federal o entendeu INCONSTITUCIONAL, pois diferenciar um e outro é algo que, de acordo com a leitura desta mais alta Corte – com a qual concordo plenamente - vai contra o comando Constitucional que atribui à União Estável o mesmo status do Casamento (artigo 226, CF).

10.Companheiro é herdeiro necessário?

Portanto, a solução é a aplicação do artigo que trata da sucessão do cônjuge (1829, I, II e III, do Código Civil), que tira o companheiro do ostracismo a que estava sujeito pelo comando do artigo 1790 CC, agora inconstitucional, para colocá-lo como herdeiro necessário.

No caso da União Estável sem escritura ou qualquer outro documento, já sabemos que o regime de casamento é o da Comunhão Parcial. Como esta situação é o foco deste artigo, vejamos como fica a distribuição da herança com a aplicação do artigo 1829 CC:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

Como você já deve ter percebido, o Código Civil é extremamente confuso na parte de Direito das Sucessões. A interpretação jurisprudencial atual desta sopa de letrinhas do inciso I do artigo 1829 é mais simples: se o falecido deixar descendentes, o Cônjuge (e o Companheiro, como vimos) só tem participação na herança em relação aos bens em que ele NÃO é meeiro. Ou seja, se o bem já é comum, o companheiro não herda; se o bem é particular do falecido, ele herda. A limitação se traduz em uma ideia cujo objetivo é equilíbrio: se o Cônjuge/Companheiro já tem a metade do bem (meação), não teria porque receber mais. Mas se não tem, merece receber.

Espero que com isso tenha ajudado na sua compreensão das questões envolvendo a União Estável. Em caso de dúvidas, estarei à disposição nos comentários ou em mensagens.

Quem é casado no papel pode ter união estável?

A resposta é que é possível sim, mesmo na vigência do casamento, o reconhecimento da união estável com pessoa casada, desde que seja comprovada a separação de fato dos casados. Isso significa não estar mantendo a relação conjugal (vide § 1º do artigo 1.723 do Código Civil).

Quem vive em união estável pode se casar com outra pessoa?

Contrato de união estável impede casamento? Não impede casamento, mas poderá trazer complicações patrimoniais, por isso, sugiro que faça o distrato extrajudicial ou judicial (se houver oposição), para que haja proteção do futuro patrimônio a ser constituído no casamento.

Quem não é divorciado pode ter união estável?

Sim! É plenamente possível constituir união estável em cartório de notas, mesmo sem estar divorciado. Mesmo na vigência do casamento o reconhecimento da união estável com pessoa casada pode ser formalizado, desde que comprovada a separação de fato dos casados.

Sou casada no civil com outra pessoa?

É sabido que pessoas casadas podem formar união com outras, conforme o artigo 1.723, §1º, do Código Civil. Entretanto, se for preciso recorrer ao Judiciário para que seja declarado tal fato, o cônjuge daquele(a) companheiro(a) - que ainda mantém o estado civil de casado - deve ser citado para integrar a demanda.