O que diz a legislação brasileira com relação ao trabalho escravo?

De acordo com o art. 149 do Código Penal Brasileiro, o trabalho análogo a de escravo é caracterizado pela submissão de alguém a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.

Assim, reduzir alguém à condição análoga a de escravo é previsto no art. 149, do Código Penal.

Também é punido com as mesmas penas aquele que, com o fim de reter o trabalhador:

a)       Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador;

b)      Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho; ou

c)       Retém documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

A Portaria MTb 1.293/2017, de forma didática trouxe a definição dos termos citados no Código Penal, são eles:

Trabalho forçado é aquele exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente.

Jornada exaustiva é toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão ou por sua intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados a segurança, saúde, descanso e convívio familiar e social.

Condição degradante de trabalho é qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.

Restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida é a limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho, em razão de débito imputado pelo empregador ou preposto ou da indução ao endividamento com terceiros.

Cerceamento do uso de qualquer meio de transporte é toda forma de limitação ao uso de meio de transporte existente, particular ou público, possível de ser utilizado pelo trabalhador para deixar local de trabalho ou de alojamento.

Vigilância ostensiva no local de trabalho é qualquer forma de controle ou fiscalização, direta ou indireta, por parte do empregador ou preposto, sobre a pessoa do trabalhador que o impeça de deixar local de trabalho ou alojamento.

Apoderamento de documentos ou objetos pessoais é qualquer forma de posse ilícita do empregador ou preposto sobre documentos ou objetos pessoais do trabalhador.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que 40 milhões de pessoas do mundo estão submetidas à escravidão, mesmo nos tempos modernos, sendo que 70% (setenta por cento) refere-se apenas às mulheres, incluindo crianças do sexo feminino.

Apesar de passados 130 anos da promulgação da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, de acordo com informações da organização não governamental Walk Free Foundation, ainda há cerca de 155 mil pessoas em situação de trabalho escravo em nosso país.

O trabalho escravo, também conhecido como trabalho forçado ou compulsório, significa “qualquer trabalho ou serviço requerido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual esse indivíduo não seja voluntário”, conforme estabelece o art. 2º da Convenção sobre o Trabalho Forçado, nº 29 da OIT.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), no seu art. 6º, proíbe a prática da escravidão em todas as suas formas, determinando que ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.

A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, XLVII, veda, de forma absoluta, a pena de “trabalhos forçados”, o que não se confunde com a pena de “prestação social alternativa”; enquanto aquela é involuntária, degradante e desumana, sendo um ato ilícito, esta modalidade de pena é voluntária e possui caráter ressocializador, sendo um ato lícito (desde que observadas as formalidades legais). Ademais, de acordo com o art. 243 da Carta Magna de 1988, com a redação dada pela EC 81/2014, há previsão de expropriação de caráter sancionatório, em caso de constatação de trabalho escravo:

“Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.”

No Brasil, a prática da “redução a condição análoga à de escravo” é tipificada como crime, nos termos do art. 149 do Código Penal, in verbis:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”           

 É oportuno ressaltar que o Ministério do Trabalho editou a Portaria nº 1.129/2017, a qual veio, em seu art. 1º, a definir conceitos sobre o trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante e condições análogas à de escravos, nos termos seguintes:

I - trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade;

II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria;

III - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade;

IV - condição análoga à de escravo:

a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária;

b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico;

c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;

d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho.”

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 489 (rel. min. Rosa Weber, julgado em 23/10/2017), suspendeu os efeitos da referida Portaria, considerando que:

 “O art. 1º da Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129/2017, ao restringir indevidamente o conceito de ‘redução à condição análoga a escravo’, vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos”. (STF. ADPF 489. Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 23/10/2017)

Para o STF, a escravidão não decorre apenas de constrangimentos físicos, pois, além de violar a liberdade individual da pessoa, também ofende a dignidade da pessoa humana, bem como, por óbvio, os direitos trabalhistas e previdenciários. A propósito, tanto é assim que, para configurar, por exemplo, o crime de “redução a condição análoga à de escravo”, previsto no art. 149 do CP, não é necessária a violência física, bastando que haja “a coisificação do trabalhador, com a reiterada ofensa a direitos fundamentais, vulnerando a sua dignidade como ser humano”. Nesse sentido, senão vejamos:

“PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. (STF. Inq 3412. Rel Min. Marco Aurélio, julgado em 29/03/2002)

Como se percebe, a ordem jurídica, nacional e internacional, estabelece várias normas proibitivas da prática do trabalho escravo. A escravidão não se limita à violência física (quando viola a liberdade individual), eis que também pode ser caracterizada por outras e diversas formas, quando ofende a dignidade da pessoa humana. Apesar da tutela constitucional, legal e convencional, a escravidão ainda remanesce no Brasil e em vários cantos do mundo (mesmo nos tempos modernos), causando grande preocupação.

Acredita-se que é imprescindível que exista uma maior conscientização não somente das autoridades governamentais, mas, sobretudo, de toda a população mundial, de maneira que todas as pessoas deverão empreender esforços no sentido de prevenir e coibir o trabalho escravo, devendo haver uma constante e rigorosa fiscalização, sem prejuízo da aplicação das penalidades cabíveis. 


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 09 nov. 1992. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 28 jun. 1957. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d41721.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Portaria nº 1.129, de 30 de outubro de 2017. Diário Oficial da União, Ministério do Trabalho, Brasília, DF, 16 out. 2017. Disponível em: < http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P1129_14.html>. Acesso em: 10 jul. 2018.

STF. ADPF 489, Relatora Ministra Rosa Weber, julgado em 23/10/2017.

____. INQ 3412, Relator Ministro Marco Aurélio, data de julgamento: 29/02/2002.

O que diz a Constituição Brasileira sobre escravidão?

1. Ninguém pode ser sujeito a escravidão nem a servidão. 2. Ninguém pode ser constrangido a realizar trabalho forçado ou obrigatório.

Qual a lei que se refere ao trabalho análogo ao escravo?

À luz do artigo 149, do Código Penal, verifica-se que, de forma simplificada, o trabalho em condição análoga à de escravo é tipificado penalmente diante de quatro condutas específicas: a) sujeição da vítima a trabalhos forçados; b) sujeição da vítima a jornada exaustiva; c) sujeição da vítima a condições degradantes de ...

Como é chamada a lei que proíbe a escravidão?

A abolição do trabalho escravo ocorreu por meio da Lei Áurea, aprovada no dia 13 de maio de 1888 com a assinatura da regente do Brasil, a princesa Isabel. A abolição da escravatura foi a conclusão de uma campanha popular que pressionou o Império para que a instituição da escravidão fosse abolida de nosso país.

Como a Constituição se posiciona em relação à escravidão?

179 da Constituição imperial assegurava direitos fundamentais e liberdades públicas tão-somente aos “Cidadãos Brazileiros”, ora, se o escravo perdeu seus status libertatis (ocorrendo a capitis diminutio maxima), não poderia ser um Cidadão, portanto, inaplicável tal proteção a estes indivíduos.