Por que os imigrantes precisavam fazer a desinfecção quando chegar?

Por que os imigrantes precisavam fazer a desinfecção quando chegar?

Conhecendo o acervo - 01/04/2020

Hospedaria em Quarentena: O Grande Inimigo

No início do ano de 1890 uma junta sanitária uruguaia propôs uma quarentena para navios estrangeiros que atracassem em seus portos. Para as embarcações que aceitassem a convenção sanitária, determinada pela junta, a quarentena seria de dois dias, já as que não aceitassem teriam de ficar estacionadas por dez dias.  

Por que os imigrantes precisavam fazer a desinfecção quando chegar?

Uma semana após a publicação dessa proposta o Uruguai anunciou que os navios procedentes de portos brasileiros só seriam liberados de cumprir a quarentena no final de junho de 1890[1] .  

Um ano antes, em 1889, a Itália, por meio de um decreto, havia proibido a imigração de seus cidadãos para o Brasil. Ainda que, em termos práticos, não tivesse impedido totalmente a imigração de italianos para o território brasileiro, o número de entradas de imigrantes diminuiu substancialmente entre os anos de 1889 e 1891, quando o decreto foi revogado (no gráfico abaixo é possível visualizar esse decréscimo).

Entradas de Imigrantes em São Paulo e Italianos na Hospedaria: 1887-1920

Por que os imigrantes precisavam fazer a desinfecção quando chegar?

Tanto as ações promovidas pelos uruguaios quanto as impostas pelos italianos têm relação com uma epidemia de febre amarela que grassava, principalmente, as cidades portuárias de Santos e do Rio de Janeiro, além de algumas localidades no interior, especialmente Campinas.  

Em 26 de junho de 1890, o jornal Correio Paulistano informou o estabelecimento de uma  quarentena, dessa vez exigida pelo Brasil. Segue transcrição da notícia conforme grafia da época:

“Tendo apparecido o cholera-morbus em Valença, foram declarados infeccionados os portos hespanhóes do Mediterrâneo, continentaes e insulares, e suspeitos os demais portos hespanhóes do continente, bem assim os africanos do dito mar. Embarcações procedentes de qualquer desses portos, directamente ou por escala, só serão recebidas nos da República depois de fazerem quarentena no lazareto da Ilha Grande (Rio de Janeiro), ao qual deverão dirigir-se. Estas resoluções applicam-se aos navios sahidos dos referidos portos depois do dia 7 do corrente”.[2]

Comunicações como essa são frequentes nos últimos anos da década de 1880 e em toda década de 1890. A quarentena fazia parte do cotidiano dos principais portos do Brasil, fosse pela varíola, febre amarela, cólera e outras doenças infectocontagiosas. Tal medida não foi diferente no segundo semestre de 1899. Vindo de Portugal, o “Grande Inimigo”, como narrou parte da imprensa na época, chegara no porto de Santos e fez com que o governo paulista tivesse que tomar uma série de procedimentos.  

Por que os imigrantes precisavam fazer a desinfecção quando chegar?
Chegada de imigrantes em Santos. A primeira visão da cidade.

Esse “Grande Inimigo” era a peste bubônica, também conhecida como a peste negra. Uma das epidemias mais famosas da história diz respeito à essa doença. Entre 1347 e 1351 a peste negra dizimou boa parte da Europa, não sem antes ter “visitado” várias partes do continente asiático. Conhecida pelos medievais como a “A Grande Mortandade” essa epidemia exterminou uma parcela significativa da população europeia, algumas cidades e aldeias tiveram que enterrar cerca de 40%, 50%, até mesmo 60% dos seus habitantes.[3]

As providências tomadas pelo governo, conforme Relatório da Secretaria da Agricultura de 1899, foram suspender a imigração proveniente de Portugal e Espanha (países onde estava ocorrendo com mais intensidade o surto) desde 21 de agosto de 1899 até o dia 18 de janeiro de 1900 (nesta data é restabelecida a emigração no que diz respeito às saídas de portos espanhóis). Além disso os desembarques dos imigrantes que chegaram ao Brasil entre 19 de outubro de 1899 e 19 de janeiro de 1900 ficaram restritos, a princípio, ao porto do Rio de Janeiro e as entradas de imigrantes limitadas a mil por mês, com o objetivo de evitar aglomerações nas hospedarias e facilitar o isolamento, em caso de moléstia entre os recém-chegados[4]. Notícia de novembro de 1899 menciona que os imigrantes acolhidos na Hospedaria de Imigrantes do Brás passaram a ser submetidos a banhos de desinfecção[5].

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Quadro 1899 - Imigrantes alojados na Hospedaria.

Como a peste bubônica é transmitida por ratos contaminados, mais precisamente pelas pulgas desses ratos, tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro se adotaram estratégias para combater os roedores. O Governo de São Paulo ordenou que fosse colocado veneno no esgoto de algumas cidades e estabeleceu um prêmio de 400 réis por cada rato caçado e entregue morto no Desinfetório Central. Os jornais, quase que diariamente, informavam quantos ratos haviam sido incinerados no Desinfetório (uma média de 300 por dia)[6]. No fim de novembro já eram mais de 14 mil os roedores mortos. Folhetos para a população eram distribuídos em português, italiano, alemão, inglês e francês com informações sobre a peste e instruções de como se matar os bichos:

“Para acabar com a peste é, pois, preciso mover uma guerra de morte aos ratos e às pulgas, que são seus agentes mais activos de propagação.  

Para o extermínio dos ratos deve-se, além do emprego das ratoeiras, deitar em diversos pontos da casa, das áreas, dos quintaes, sobretudo perto dos buracos, pedacinhos de pão ou de carne com massa envenenada (...).  

É mais fácil o extermínio das pulgas; basta para isso, trazer a casa bem varrida, porque esses insectos abundam onde há pó, regar ou lavar amiudadas vezes, a casa e suas immediações com água de creolina ou ácido phenico, de lysol (...), collocar nas camas entre o lençol e o colchão, nos guarda-roupas (...).  

Lance o povo mão desses meios tão simples, que poderosamente concorrerá para a patriótica tarefa da extinção da terrível epidemia que nos ameaça”[7].

No dia 11 de novembro o Serviço Sanitário foi informado de que uma criança de 3 anos, Nicolina, filha do sapateiro Angelo De Chiara, morador na avenida Rangel Pestana, nº 206 (próximo da Hospedaria de Imigrantes do Brás) havia apresentado sintomas da peste. O pai tentou fugir com a família, foram detidos e levados todos (pai, mãe e quatro filhos menores) para o Hospital de Isolamento. A casa deles foi desinfetada, desforrada e destelhada.

Por que os imigrantes precisavam fazer a desinfecção quando chegar?
Pavilhão de isolamento e banheiros da Hospedaria de Imigrantes do Brás / Crédito: Acervo Museu da Imigração/APESP

Essas ações, possivelmente, atenuaram a atividade da peste bubônica nesse surto. Foram reportados, durante 1899, somente 24 óbitos decorrentes da epidemia nas cidades de Santos e São Paulo. Isso, evidentemente não ocorreu por acaso. A criação, na capital paulista, do Hospital de Isolamento (1875/1880), do Serviço Sanitário e do Instituto Bacteriológico (1892), do Instituto Vacinogênico (1893) e, um pouco depois, do Instituto Butantã (1901) contribuíram, consideravelmente, no avanço dos estudos sobre as epidemias e as melhores formas de combatê-las.  

Teremos a oportunidade de tratar, com mais detalhes, sobre essas instituições nas próximas publicações da série Hospedaria em Quarentena.  

Referências bibliográficas

[1] Jornal Correio Paulistano, 1890. Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/correio-paulistano/090972.

[2] Jornal Correio Paulistano, 26.06.1890. Disponível em http://bndigital.bn.br/acervo-digital/correio-paulistano/090972.

[3] KELLY, John. A Grande Mortandade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011. 

[4] Relatório da Secretaria de Agricultura, 1899.

[5] Jornal Correio Paulistano, 14.11.1899. 

[6] SILVA, Matheus Alves Duarte da. “O Baile dos Ratos”: a construção sociotécnica da peste bubônica no Rio de Janeiro (1897-1906). Teses USP, São Paulo. Disponível em https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-17112015125157/publico/2015_MatheusAlvesDuarteDaSilva_VOrig.pdf.

[7] Jornal Correio Paulistano, 28.11.1899.

Por que os imigrantes precisava fazer a desinfecção quando chegavam?

93 CAPÍTULO 4 Orientações didáticas Saiba mais Explique que a desinfecção era feita a fim de evitar o aparecimen- to de epidemias, pois os imigrantes vinham de outros países e as con- dições de higiene nos navios nem sempre eram adequadas.

Como foi a chegada dos imigrantes no Porto de Santos?

Em 1908, o porto de Santos recebeu o navio Kasato-Maru, que trouxe os primeiros imigrantes japoneses ao Brasil. O navio Kasato Maru transportou o primeiro grupo de imigrantes japoneses, por meio de acordo entre Brasil e Japão. No final da guerra, um navio russo foi passado para os japoneses como indenização de guerra.