O reconhecimento de filho pode se dar após o falecimento se deixar descendentes

A presun��o da paternidade na uni�o est�vel e o seu reconhecimento post mortem em sede de averigua��o oficiosa

Autora:   Terezinha de Jesus Souza Signorini, Procuradora de Justi�a no MPPR.

Ao enfrentar embara�o no encaminhamento de caso concreto compartilhado por colega com o anseio de obter orienta��o e subs�dios te�ricos, o Centro de Apoio C�vel debru�ou-se sobre os temas da presun��o de paternidade na uni�o est�vel e da possibilidade do seu reconhecimento post mortem no bojo de procedimento de averigua��o oficiosa.

A situa��o envolvia negativa de oficial registrador em proceder � anota��o da paternidade em assento de nascimento de crian�a fruto de uni�o est�vel, e cujo pai faleceu antes do parto. Pontua-se que o casal n�o havia formalizado a exist�ncia da entidade familiar por meio de escritura p�blica.

As conclus�es alcan�adas e sugeridas ao consulente constitu�ram desdobramentos da posi��o do Superior Tribunal de Justi�a pela possibilidade de se aplicar o instituto da presun��o de paternidade no casamento � uni�o est�vel, expressa no julgamento do Recurso Especial n� 1.194.059/SP, de Relatoria do Ministro Massami Uyeda, da Terceira Turma, em 06/11/2012.

Situado o leitor no contexto em que se deu a elei��o do assunto objeto deste estudo, inicia-se a an�lise do referido julgado e das repercuss�es identificadas a partir dele. A decis�o foi ementada nos seguintes termos:

RECURSO ESPECIAL - NOMEM IURIS - DEMANDA - PRINC�PIO ROMANO DA MIHI FACTUM DADO TIBI JUS - APLICA��O - UNI�O EST�VEL - ENTIDADE FAMILIAR - RECONHECIMENTO DO ORDENAMENTO JUR�DICO - REQUISITOS - CONVIV�NCIA P�BLICA, CONT�NUA E DURADOURA - OBJETIVO DE CONSTITUIR FAM�LIA - DEVERES - ASSIST�NCIA, GUARDA, SUSTENTO, EDUCA��O DOS FILHOS, LEALDADE E RESPEITO - ARTIGO 1.597, DO C�DIGO CIVIL - PRESUN��O DE CONCEP��O DOS FILHOS NA CONST�NCIA DO CASAMENTO - APLICA��O AO INSTITUTO DA UNI�O EST�VEL - NECESSIDADE - ESFERA DE PROTE��O - PAI COMPANHEIRO - FALECIMENTO - 239 (DUZENTOS E TRINTA E NOVE DIAS) AP�S O NASCIMENTO DE SUA FILHA - PATERNIDADE - DECLARA��O - NECESSIDADE - RECURSO ESPECIAL PROVIDO. I - Desimporta o nomem iuris dado � demanda pois, na realidade, aplica-se � o ad�gio romano da mihi factum dado tibi jus. II - O ordenamento jur�dico p�trio reconhece, como entidade familiar, a uni�o est�vel entre pessoas (ut ADPF N. 132/RJ, Rel. Min. Ayres Brito, DJe de 14/10/2011), configurada na conviv�ncia p�blica, cont�nua e duradoura estabelecida com o objetivo de constitui��o de fam�lia (artigo 1723, do C�digo Civil), com aten��o aos deveres de lealdade, respeito, assist�ncia, de guarda, sustento e educa��o de filhos (artigo 1724, do C�digo Civil), de modo a permitir aplica��o, �s rela��es patrimoniais, no que couber, das regras pertinentes ao regime de comunh�o parcial de bens (artigo 1725, do C�digo Civil). III - A lei n�o exige tempo m�nimo nem conviv�ncia sob o mesmo teto, mas n�o dispensa outros requisitos para identifica��o da uni�o est�vel como entidade ou n�cleo familiar, quais sejam: conviv�ncia duradoura e p�blica, ou seja, com notoriedade e continuidade, apoio m�tuo, ou assist�ncia m�tua, intuito de constituir fam�lia, com os deveres de guarda, sustento e de educa��o dos filhos comuns, se houver, bem como os deveres de lealdade e respeito. IV - Assim, se nosso ordenamento jur�dico, notadamente o pr�prio texto constitucional (art. 226, �3�), admite a uni�o est�vel e reconhece nela a exist�ncia de entidade familiar, nada mais razo�vel de se conferir interpreta��o sistem�tica ao art. 1.597, II, do C�digo Civil, para que passe a contemplar, tamb�m, a presun��o de concep��o dos filhos na const�ncia de uni�o est�vel. V - Na esp�cie, o companheiro da m�e da menor faleceu 239 (duzentos e trinta e nove) dias antes ao seu nascimento. Portanto, dentro da esfera de prote��o conferida pelo inciso II do art. 1.597, do C�digo Civil, que presume concebidos na const�ncia do casamento os filhos nascidos nos trezentos dias subsequentes, entre outras hip�teses, em raz�o de sua morte. VI - Dessa forma, em homenagem ao texto constitucional (art. 226, �3�) e ao C�digo Civil (art. 1.723), que conferiram ao instituto da uni�o est�vel a natureza de entidade familiar, aplica-se as disposi��es contidas no artigo 1.597, do C�digo Civil, ao regime de uni�o est�vel. VII - Recurso especial provido. (REsp n� 1194059/SP, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 06/11/2012, DJe 14/11/2012).

A demanda apreciada pelo Tribunal da Cidadania teve in�cio com pedido de homologa��o de acordo extrajudicial, por meio do qual a genitora, seu filho primog�nito e a av� paterna buscaram o reconhecimento da paternidade atribu�da ao companheiro da primeira requerente em favor de sua filha ca�ula. Segundo os autores, a m�e da crian�a manteve uni�o est�vel com o suposto pai, conforme escritura p�blica anexada ao pedido, mas ele faleceu 239 (duzentos e trinta e nove) dias antes do nascimento da menor, fato que obstou a anota��o volunt�ria da paternidade.

O pedido foi negado pelo ju�zo singular e pelo tribunal de justi�a estadual, em sede de recurso de apela��o.

O Min. Relator come�ou sua an�lise merit�ria ressalvando que o STJ considera que o reconhecimento volunt�rio da prole � ato personal�ssimo e, desse modo, intransmiss�vel aos herdeiros, de maneira que a hip�tese de genitor falecido que n�o manifestou expressamente em vida a exist�ncia de filho extra matrimonium exigiria a propositura de a��o de investiga��o de paternidade (v. REsp n� 832.330/PR, Rel. Min. Castro Filho, Terceira Turma, julgado em 20/03/2007, DJe 02/04/2007).

Entretanto, ponderou que a situa��o sob seus cuidados envolvia quest�o diversa [nota 1], qual seja, a avalia��o da possibilidade de se conceder � uni�o est�vel os mesmos efeitos jur�dicos que se operam no matrim�nio por for�a do art. 1.597, inc. II, do C�digo Civil. Esse dispositivo trata da presun��o da concep��o dos filhos na const�ncia do casamento quando "nascidos nos 300 (trezentos) dias subsequentes � dissolu��o da sociedade conjugal, por morte (�)".

Nesse sentido, ressaltou que o ordenamento jur�dico brasileiro reconhece a uni�o est�vel entre pessoas como esp�cie de fam�lia (cf.: art. 226, �3�, da Constitui��o Federal de 1988; e A��o de Descumprimento de Preceito Fundamental n� 132, Relator Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe n� 198 [nota 2]) e que os requisitos para a sua caracteriza��o s�o aqueles previstos no art. 1.723 do CC (v. REsp n� 1263015/RN, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/06/2012, DJe 26/06/2012), com observ�ncia dos deveres preconizados pelo art. 1.724 do mesmo diploma, sendo inexig�vel, de acordo com a lei, tempo m�nimo de rela��o ou coabita��o (v. REsp n� 1096324/RS, Rel. Ministro Honildo Amaral de Mello Castro, Des. convocado do TJ/AP, Quarta Turma, julgado em 02/03/2010, DJe 10/05/2010).

Sopesou que a uni�o est�vel muito se assemelha ao casamento e que est� equiparada a este como entidade familiar, argumento que j� serviu de alicerce para a aplica��o do regime da separa��o obrigat�ria de bens em caso de companheiro sexagen�rio (v. REsp n� 646259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salom�o, Quarta Turma, julgado em 22/06/2010, DJe 24/08/2010).

Considerou que in casu estava demonstrada de forma inequ�voca a configura��o da uni�o est�vel, em raz�o da presen�a de documento espec�fico para esse fim, e que a interpreta��o sistem�tica do Direito e de maior razoabilidade conduzia ao entendimento de que o art. 1.597 deve contemplar tamb�m a presun��o de concep��o dos filhos na const�ncia da uni�o est�vel. Como consequ�ncia, o REsp n� 1194059 foi provido com efeito de ser declarada a paternidade da crian�a, com todas as consequ�ncias dela decorrentes, consoante era o desejo da fam�lia.

Embora o CC de 2002 tenha absorvido a maior parte das quest�es envoltas � regulamenta��o infraconstitucional do art. 226, �3� da CF - as quais, anteriormente, estavam previstas em leis esparsas (v. Lei n� 8.971/1994, que regulava "o direito dos companheiros a alimentos e � sucess�o", e Lei n� 9.278/1996, que apresentava o conceito de uni�o est�vel e dispunha sobre outros direitos e deveres dos conviventes) -, ele, de fato, n�o estendeu ao companheiro a presun��o da paternidade dos filhos concebidos durante o casamento, prevista no art. 1.597.

Rolf Malaleno [nota 3] explica que a aus�ncia de regra equivalente para a uni�o est�vel ocorre porque nesta esp�cie de fam�lia n�o � obrigat�ria a coabita��o, diferente do casamento, no qual a vida em comum no domic�lio conjugal � um dever dos consortes (cf. art. 1.566, inc. II, do CC). Por esse motivo, estaria obstada a certeza da paternidade na uni�o est�vel. Contudo, o doutrinador esclarece que h� um afrouxamento do dever de coabita��o at� mesmo no casamento, pois h� novos estilos de vida e arranjos conjugais nos quais os c�njuges optam por lares separados, em virtude de necessidades profissionais e/ou do interesse de preservar a individualidade de suas habita��es constru�das no seio de fam�lias pregressas, por exemplo. Nessa ordem de ideias, o autor afirma que a coabita��o se trata de um dever relativo, o qual admite in�meras exce��es casu�sticas que n�o descaracterizam a plena comunh�o de vida. [nota 4]

Essa flexibilidade atribu�da ao dever de coabita��o � decorrente do direito de cada pessoa conduzir a comunh�o familiar da forma como melhor lhe aprouver; de acordo com Madaleno, "s� a ela pertence o direito de ordenar concretamente o conte�do, o significado e o rumo de sua dignidade pessoal". [nota 5]

Igual racioc�nio - somado � inexist�ncia de regra legal - � aplicado � uni�o est�vel para se afastar a coabita��o como elemento necess�rio � sua moldura, sendo absolutamente poss�vel o reconhecimento desse modelo familiar em situa��o na qual os companheiros tenham lares separados. Milton Paulo de Carvalho Filho [nota 6] ensina que a moradia comum � dado relevante para a identifica��o da exist�ncia de uni�o est�vel, mas n�o � indispens�vel; ele ressalta que nos casos em que essa caracter�stica n�o est� presente se deve exigir "prova mais robusta e segura" da rela��o. [nota 7]

Tendo em vista que tamb�m no casamento, e a despeito da exig�ncia legal que incide nesta modalidade de fam�lia, admite-se que o casal more em lares separados, sem que isso desqualifique a rela��o matrimonial e, por consequ�ncia, suprima as presun��es que dela decorrem, n�o � razo�vel empregar o mesmo argumento para obstar que os companheiros usufruam de igual benesse.

Sob outro giro, como bem destacou o Min. Relator do REsp n� 1194059, o enaltecimento da uni�o est�vel como entidade familiar pela CF/88 autoriza que sejam aplicadas a ela disposi��es legais que, em sua literalidade, tratam apenas do casamento.

Al�m da situa��o do companheiro sexagen�rio, cita-se o exemplo da discuss�o sobre os direitos sucess�rios na uni�o est�vel, tema ao qual foi atribu�da repercuss�o geral pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordin�rio n� 878694 RG/MG. O julgamento do citado RE encontra-se suspenso em raz�o de pedido de vista formulado pelo Min. Dias Toffoli, por�m se sabe que a maioria dos Ministros da Corte Suprema j� votou favoravelmente � equipara��o do companheiro ao c�njuge para fins sucess�rios, afastando-se o tratamento diferenciado conferido pelo legislador.

Para Rafael de Souza Miranda [nota 8], o art. 1.597 do CC volta-se � prote��o dos interesses da crian�a, que, antes mesmo de nascer, se tornou �rf� de pai, e n�o da institui��o do casamento, em si. Desse modo, o autor defende, � luz do princ�pio da igualdade jur�dica de todos os filhos (cf. arts. 227, � 6�, da CF e 1.596 do CC) - o qual veda qualquer distin��o entre filhos de origens diversas -, que negar a presun��o de paternidade na uni�o est�vel significa o cometimento de "odiosa injusti�a".

Por �ltimo, cabe mencionar que h� muito o pr�prio STJ j� reconhecia o alcance da presun��o de paternidade � uni�o est�vel, "sendo cab�vel a a��o para afast�-la, por analogia com o que acontece quando existe o casamento" (v. REsp n� 440.394/RS, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 25/11/2002, DJ 10/02/2003, p. 03 do voto do Min. Rel.). [nota 9]

Esclarecida a possibilidade de interpreta��o extensiva da lei, para o fim de se considerar aplic�vel � uni�o est�vel a presun��o de paternidade do casamento, passa-se � explana��o sobre a viabilidade do reconhecimento da filia��o paterna post mortem pela via administrativa, quando os pais s�o casados ou conviventes e incidir sobre o caso concreto alguma das situa��es previstas no art. 1.597 do CC.

Segundo Madaleno, "nascendo um filho na const�ncia do casamento essa prole � presumida por lei como fruto do matrim�nio, e o registro civil da crian�a pode ser feito por iniciativa da m�e, querendo, bastando provar seu casamento" [nota 10]. O art. 1.597 do CC, a sua vez, estabelece os pressupostos para essa presun��o.

Para os filhos havidos fora do casamento a lei civil dedicou os arts. 1.607 e 1.609, que cuidam do reconhecimento volunt�rio de paternidade [nota 11]. O ato volunt�rio de reconhecimento da paternidade n�o se confunde com o lan�amento do v�nculo paterno no assento de nascimento por for�a da presun��o pater is est; ao contr�rio deste �ltimo, aquele �, sem d�vida, personal�ssimo e depende de manifesta��o livre de vontade. [nota 12]

A sistem�tica do legislador infraconstitucional � clara no sentido de que a paternidade por presun��o somente pode ser levada a registro no caso de filho proveniente do casamento. [nota 13]

Nessa linha de racionalidade restritiva, tratando-se de filho oriundo de uni�o est�vel e cujo pai faleceu antes do seu nascimento - fator impeditivo do reconhecimento volunt�rio da paternidade -, restaria a propositura da a��o de prova de filia��o (cf. art. 1.606 do CC).

No entanto, numa perspectiva constitucional n�o-reducionista em que a uni�o est�vel foi al�ada a mesma categoria de entidade familiar na qual se posiciona o casamento, bem assim em louvor aos princ�pios do melhor interesse da crian�a e da economia processual e � concep��o de processo como instrumento de realiza��o da Justi�a, que repudia o excesso de formalismo [nota 14], � defens�vel que se avance na interpreta��o das normas/ regras jur�dicas e dos precedentes jurisprudenciais.

A partir desse exerc�cio hermen�utico, pode-se atribuir efic�cia m�xima � presun��o de paternidade na uni�o est�vel, para viabilizar o seu reconhecimento, quando poss�vel, sem a necessidade da propositura de a��o judicial espec�fica.

Para tanto, visualiza-se no procedimento de averigua��o oficiosa de paternidade (regulamentado pela Lei n� 8.560/1992 e pelo C�digo de Normas da Corregedoria-Geral da Justi�a do Tribunal de Justi�a do Estado do Paran�, arts. 226 a 229) uma alternativa salutar, eis que o feito � processado perante o ju�zo da Vara de Registros P�blicos e tem o acompanhamento pelo Minist�rio P�blico.

Apesar de sua fei��o administrativa, o procedimento em tela permite a realiza��o de dilig�ncias probat�rias e recebe atento olhar da Justi�a e do Parquet, os quais podem avaliar a exist�ncia ou n�o de provas cabais da uni�o est�vel e da configura��o de alguma das hip�teses de presun��o da paternidade [nota 15], conferindo seguran�a jur�dica ao reconhecimento da filia��o, quando couber.

H� decis�es do Tribunal de Justi�a do Estado do Paran� que apontam para a possibilidade de reconhecimento da paternidade post mortem - quando o pai j� � falecido ao tempo do nascimento da crian�a -, por interm�dio de procedimento de averigua��o oficiosa de paternidade. [nota 16]

No julgamento da Apela��o C�vel n� 159101-5 (v. nota de rodap� n� 17), destacou-se que "o bem-estar da crian�a deve ser colocado acima dos demais interesses" e que os av�s paternos n�o somente concordaram com o pedido mas tamb�m declararam ter conhecimento do v�nculo de paternidade entre o registrando e o genitor indicado pela m�e, de modo que todos os interesses envolvidos convergiam na mesma dire��o.

O Tribunal de Justi�a do Estado de Santa Catarina tamb�m j� acolheu pedido de reconhecimento de paternidade post mortem em sede de procedimento administrativo, baseado em presun��o da concep��o do filho na uni�o est�vel. [nota 17]

No caso apreciado pela Corte Catarinense, considerou-se, em s�ntese, a exist�ncia de declara��es da companheira, dos av�s maternos e paternos e dos irm�os da pessoa interessada no registro da paternidade post mortem, no sentido de que o casal manteve uni�o est�vel por longo per�odo de tempo e que o reconhecimento da filia��o paterna da filha mais nova n�o foi poss�vel unicamente em raz�o da morte s�bita do genitor.

Salientou-se que n�o havia quaisquer indicativos de inten��o fraudulenta ou dissimulada e que a presun��o de boa-f� � princ�pio geral do Direito.

Com base nisso, autorizou-se a inser��o da filia��o paterna no registro de nascimento da requerente.

Vale repisar que n�o se defende a utiliza��o das declara��es de vontade dos familiares como fonte de reconhecimento volunt�rio da paternidade - o que n�o seria poss�vel por se tratar de ato personal�ssimo, como j� mencionado alhures. Milita-se pela incid�ncia dos efeitos da presun��o de paternidade no casamento � uni�o est�vel, mediante a reuni�o de provas suficientes da exist�ncia deste modelo familiar e de adequada articula��o jur�dica.

Reconhece-se que o caminho apresentado neste trabalho n�o encontra apoio em reiterada jurisprud�ncia ou doutrina, mas � certo que todas as constru��es jur�dicas dependem de iniciativas pioneiras. Al�m do que, acredita-se que a via do procedimento de averigua��o oficiosa de paternidade para a resolu��o de casos que demandam o reconhecimento da filia��o paterna post mortem no contexto da uni�o est�vel traz destacada celeridade, sem preju�zo da necess�ria e cautelosa aprecia��o de cada caso concreto, em busca da verdade real.

Afora que por meio desse instrumento � poss�vel diminuir o n�mero de a��es judiciais a serem propostas pelo Minist�rio P�blico, racionalizando-se o trabalho dos Promotores de Justi�a em prol de quest�es de relev�ncia p�blica e social que efetivamente exijam o manejo de processos contenciosos.

Por tudo que se exp�s, apresenta-se convite � reflex�o quanto � possibilidade de se estender a presun��o pater is est do casamento � uni�o est�vel e ser empregado o procedimento de averigua��o oficiosa de paternidade com o objeto de se reconhecer a filia��o paterna post mortem e dispensar o ajuizamento de a��o de prova de filia��o, quando poss�vel (ou seja, quando o caso demonstrar a inexist�ncia de litigiosidade entre os familiares e estiver provada a configura��o da uni�o est�vel).

Terezinha de Jesus Souza Signorini, Procuradora de Justi�a no MPPR

[Fonte: Revista Jur�dica do MPPR - n� 5 / 2016 - p�gs 433 � 443]

Notas do texto:

Acrescenta-se � pondera��o do Min. Relator que no julgamento do REsp n� 832.330/PR o STJ n�o fez apontamento algum quando ao instituto da presun��o de paternidade. A leitura do inteiro teor do ac�rd�o permite a interpreta��o de que o caso concreto sob an�lise versava sobre filho concebido em circunst�ncia externa � do casamento e da uni�o est�vel, em outras palavras, n�o h� not�cia de que os pais houvessem constitu�do alguma esp�cie de fam�lia sobre qual fosse poss�vel suscitar a presun��o de paternidade. Portanto, n�o se enxerga no precedente em comento obst�culo � fluides e linearidade das ideias que se exp�em neste estudo.

Excerto extra�do da ementa do julgado: (�) 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUI��O DA FAM�LIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUI��O FEDERAL N�O EMPRESTA AO SUBSTANTIVO "FAM�LIA" NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PR�PRIA T�CNICA JUR�DICA. A FAM�LIA COMO CATEGORIA S�CIO-CULTURAL E PRINC�PIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAM�LIA. INTERPRETA��O N�O-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere � fam�lia, base da sociedade, especial prote��o do Estado. �nfase constitucional � institui��o da fam�lia. Fam�lia em seu coloquial ou proverbial significado de n�cleo dom�stico, pouco importando se formal ou informalmente constitu�da, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constitui��o de 1988, ao utilizar-se da express�o "fam�lia", n�o limita sua forma��o a casais heteroafetivos nem a formalidade cartor�ria, celebra��o civil ou liturgia religiosa. Fam�lia como institui��o privada que, voluntariamente constitu�da entre pessoas adultas, mant�m com o Estado e a sociedade civil uma necess�ria rela��o tricot�mica. N�cleo familiar que � o principal l�cus institucional de concre��o dos direitos fundamentais que a pr�pria Constitui��o designa por "intimidade e vida privada" (inciso X do art. 5�). (�). Fam�lia como figura central ou continente, de que tudo o mais � conte�do. Imperiosidade da interpreta��o n�o-reducionista do conceito de fam�lia como institui��o que tamb�m se forma por vias distintas do casamento civil. Avan�o da Constitui��o Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na dire��o do pluralismo como categoria s�cio-pol�tico-cultural. Compet�ncia do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coer�ncia, (�).

MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Fam�lia. 6�. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 558.

Ibidem, p. 96.

Ibidem, p. 174.

CARVALHO FILHO, Milton Paulo in PELUSO, Ministro Cezar (Coord.). C�digo Civil Comentado Doutrina e Jurisprud�ncia. 5�. ed., Barueri/SP: Manole, 2011, p. 2032.

Idem.

MIRANDA, Rafael de Souza. Presun��o de paternidade pede prova de uni�o est�vel. Dispon�vel em: . Acesso em 10 de out. de 2016.

Em recente decis�o, o Tribunal de Justi�a do Estado do Rio Grande do Sul endossou o entendimento do STJ expresso no reportado julgamento: "� isso o que se retira da leitura do art. 1.601, do CCB, que estipula que cabe ao marido contestar a paternidade dos filhos concebidos na const�ncia do casamento (ou uni�o est�vel). Vale esclarecer que, apesar da lei falar em "marido" a jurisprud�ncia admite, desde h� muito tempo, sem qualquer diverg�ncia interpreta��o extensiva para acolher a a��o tamb�m em caso de uni�o est�vel." (TJ-RS, AC n� 70067444380, Des. Rel. Rui Portanova, Data de Julgamento: 03/03/2016, Oitava C�mara C�vel, Data de Publica��o: Di�rio da Justi�a do dia 11/03/2016).

MADALENO, op. cit., p. 558.

CARVALHO FILHO, op. cit., p. 1813.

"O reconhecimento volunt�rio � ato livre, pessoal legitimus, irrevog�vel. Devem pratic�-lo, pela forma prescrita, os pr�prios perfilhantes, mas nada impede que o efetuem por meio de procurador com poderes especiais." (GOMES, Orlando. Direito de Fam�lia. 14� Edi��o. Editora Forense: Rio, 2002, p. 342).

v. arts. 54, �2� e 59 da Lei n� 6.015/1973 (Lei de Registros P�blicos): Art. 54. O assento do nascimento dever� conter: (�) � 2� O nome do pai constante da Declara��o de Nascido Vivo n�o constitui prova ou presun��o da paternidade, somente podendo ser lan�ado no registro de nascimento quando verificado nos termos da legisla��o civil vigente. (Inclu�do pela Lei n� 12.662, de 2012). Art. 59. Quando se tratar de filho ileg�timo, n�o ser� declarado o nome do pai sem que este expressamente o autorize e compare�a, por si ou por procurador especial, para, reconhecendo-o, assinar, ou n�o sabendo ou n�o podendo, mandar assinar a seu rogo o respectivo assento com duas testemunhas. (Renumerado do art. 60, pela Lei n� 6.216, de 1975).

NEGR�O, Theotonio. C�digo de Processo Civil e Legisla��o Processual em Vigor. 35� ed. Saraiva: S�o Paulo, p. 313.

Juliana Saad, Defensora P�blica no Estado de S�o Paulo, sustenta que: "Havendo reconhecimento formal da uni�o est�vel mantida entre os genitores, o registro de nascimento do filho nascido durante ela concebido ou dela nascido dever� conter o nome de sua m�e e de seu pai. N�o havendo reconhecimento formal desta rela��o, opta-se entre a propositura da declarat�ria da uni�o est�vel ou cautelar de justifica��o de sua exist�ncia para a fins de proceder-se a inclus�o do nome do pai no registro de nascimento da crian�a ou adolescente. Por fim, optando-se pela a��o de investiga��o de paternidade a ser proposta pela crian�a ou adolescente, a exist�ncia de ind�cios que demonstrem uni�o est�vel subjacente a seu nascimento � prova pr�-constitu�da da paternidade, suficiente para a antecipa��o parcial dos efeitos da tutela, com a concess�o de alimentos provis�rios ao autor." (SAAD, Juliana. S�mula: Ao filho nascido de uni�o est�vel aplica-se a presun��o de paternidade prevista nos incisos I e II do artigo 1.597 do C�digo Civil, sob pena de negar-se vig�ncia ao par�grafo 6� do artigo 227 da Constitui��o Federal. Dispon�vel em: . Acesso em 11 de out. de 2016). A autora argumenta que apenas quando n�o houver o reconhecimento formal da uni�o est�vel � necess�rio o ajuizamento de a��o judicial pr�pria para a inser��o do nome do pai no registro de nascimento do filho. Em que pese o respeito conferido ao entendimento da Defensora, que, em linhas gerais, se coaduna com o pensamento que se defende neste trabalho, � preciso que se milite pela viabilidade de aplica��o da presun��o de concep��o dos filhos na uni�o est�vel sempre que houver prova sufici�ncia da forma��o desta esp�cie de fam�lia e da caracteriza��o de alguma das hip�teses dispostas no art. 1.597, haja vista que a manifesta��o dos conviventes em escritura p�blica n�o � requisito necess�rio para a identifica��o da exist�ncia da uni�o est�vel. Ademais, o art. 1.605, incs. I e II, do CC admite a prova da filia��o por qualquer modo admiss�vel em direito quando houver come�o de prova por escrito, proveniente dos pais, conjunta ou separadamente e quando existirem veementes presun��es resultantes de fatos j� certos.

I. APELA��O C�VEL. AVERIGUA��O OFICIOSA DE PATERNIDADE. PAI J� FALECIDO. RECONHECIMENTO ESPONT�NEO DOS AV�S. DESNECESSIDADE DE PROPOSITURA DE A��O PR�PRIA. INEXIST�NCIA DE CONFLITO DE INTERESSES. SENTEN�A REFORMADA. RECURSO PROVIDO. (TJ-PR, AC n� 159101-5, Relator Substituto Des. Tito Campos de Paula, Oitava C�mara C�vel, Data do julgamento: 13/04/2005). II. Apela��o C�vel. Averigua��o oficiosa de paternidade "post mortem". Possibilidade do Ju�zo de registros p�blicos em homologar por instrumento particular. Reconhecimento espont�neo dos av�s. Aus�ncia de conflito de interesses. Princ�pio da economia processual. Desnecessidade da propositura da a��o de investiga��o de paternidade. Provimento ao recurso. (TJ-PR, AC n� 151694-3, Ac�rd�o n� 3391, Des. Relator Celso Rotoli de Macedo, Data do julgamento: 12/05/2004).

REGISTRO TARDIO DE NASCIMENTO. EXTRAVIO DOS DOCUMENTOS DE IDENTIFICA��O CIVIL DA GENITORA E DA DECLARA��O DE NASCIDO VIVO FORNECIDA PELA MATERNIDADE. MORTE DO GENITOR ANTES QUE SE PROCEDESSE AO REGISTRO CIVIL DO NASCITURO. DESNECESSIDADE DE PROPOSITURA DE A��O DE INVESTIGA��O DE PATERNIDADE E DE REALIZA��O DE PER�CIA GEN�TICA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DA FILIA��O PATERNA, NESTA SEDE, E POR INTERM�DIO DE TODAS AS PROVAS ADMITIDAS EM DIREITO. DESSACRALIZA��O DO EXAME DE DNA. ARCABOU�O PROBAT�RIO SUFICIENTE � DEMONSTRA��O DA RELA��O PATERNO-FILIAL. DECLARA��ES DE FAMILIARES DO FALECIDO QUE DEMONSTRAM, ESTREME DE D�VIDA, A UNI�O EST�VEL COM A M�E DA INFANTE POR MAIS DE DEZ ANOS, DA QUAL NASCERAM OUTROS TR�S FILHOS. DIREITO AO NOME E � IDENTIFICA��O. PRINC�PIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ARTS. 16 E 1.605 DO CC/02, ART. 332 DO CPC, ARTS. 46 E 50 DA LEI N. 6.015/1973 E ART. 1�, INC. III, DA CR). RECURSO DESPROVIDO. 1. Em sede de a��o de registro tardio de nascimento, nada obsta a declara��o incidental da paternidade, especialmente na hip�tese de inexistir litigiosidade quanto � filia��o e desde que do arcabou�o probat�rio exsurja, com dose quase absoluta de certeza, o la�o biol�gico entre a nascitura e o finado genitor dela, o qual, comprovadamente, manteve com a m�e da infante uni�o est�vel por mais de 10 (dez) anos e da qual advieram outros 3 (tr�s) filhos, estes devidamente registrados. 2. O princ�pio da dignidade da pessoa humana alberga o direito � identifica��o, nele compreendido o nome e sobrenome, pelo que o registro do nascimento, mesmo que tardio, ante as provas coerentes e seguras coligidas ao processo deve ser garantido ao indiv�duo que teve obstado seu assento em virtude do extravio dos documentos de identifica��o civil da m�e e da concomitante e s�bita morte do pai. (TJ-SC, AC n� 84684 SC 2008.008468-4, Relator: El�dio Torret Rocha, Data de Julgamento: 25/10/2010, Quarta C�mara de Direito Civil).

Sobre a autora:

Terezinha de Jesus Souza Signorini � Procuradora de Justi�a no Minist�rio P�blico do Estado do Paran�; Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias C�veis, Falimentares, de Liquida��es Extrajudiciais, das Funda��es e do Terceiro Setor; Membra do Conselho do Fundo Especial do MP-PR; Membra titular do Comit� do MP-PR de Enfrentamento �s Drogas; Vice-presidente da Associa��o Nacional de Procuradores e Promotores de Justi�a de Funda��es e Entidades de Interesse Social (PROFIS); Especialista em Direito Tribut�rio e Processo Tribut�rio pela PUC-PR; Especialista em Direito P�blico com �nfase em Direito Administrativo pela UFPR; e Mestre em Direito Socioambiental pela PUC-PR.

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Download:   (arquivos PDF)
�   A presun��o da paternidade na uni�o est�vel   (Revista Jur�dica MPPR n� 5/2016 - p�gs. 433 � 443)
�   Revista Jur�dica do Minist�rio P�blico do Estado do Paran� - ano 3 - n� 5, dezembro/ 2016

Refer�ncias:   (links externos)
�   Direito de Fam�lia   (Portal MPPR)
�   Revista Jur�dica do MPPR   (CEAF/MPPR)

Quando feito em testamento o reconhecimento de filho poderá ser revogado?

O reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes. Art. 1.610. O reconhecimento não pode ser revogado, nem mesmo quando feito em testamento.

Como fazer o reconhecimento de paternidade tardio?

Para isso, basta que tenha em mãos sua certidão de nascimento. O cartório encaminhará o formulário preenchido para o juiz da cidade onde o nascimento foi registrado, que consultará o suposto pai sobre a paternidade que lhe é atribuída. Esse procedimento geralmente dura cerca de 45 dias.

Quais são os requisitos para o reconhecimento de paternidade?

Como é feita? A mãe ou o filho maior de 18 anos que não tiver o nome do pai em sua certidão deve ir a qualquer cartório de registro civil do país e apontar o suposto pai. Para isso, precisa ter em mãos a certidão de nascimento do filho a ser reconhecido e preencher um formulário padronizado.

Não é possível o reconhecimento dos filhos por escrito particular?

O reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento poderá ser feito por escritura pública ou escrito particular, a ser arquivado em cartório; mas, este reconhecimento não pode preceder o nascimento do filho. O reconhecimento de filho não pode ser revogado, salvo quando feito em testamento.