O direito penal internacional representa segundo alguns a face punitiva

   

O CASO PINOCHET: PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA PERSECU��O CRIMINAL INTERNACIONAL 

Andr� de Carvalho Ramos 

"Contudo, uma coisa � clara. Se a humanidade quer ter um futuro reconhec�vel, n�o pode ser pelo prolongamento do passado ou presente.Se tentarmos construir o terceiro mil�nio nessa base, vamos fracassar. E o pre�o do fracasso, ou seja, a alternativa para uma mudan�a de sociedade, � a escurid�o. Eric Hobsbawn, A era dos extremos, S�o Paulo, Companhia das Letras, p. 562. "

O chamado caso Pinochet. envolven�do a deten��o em Londres do antigo homem forte do governo chileno, Augusto Pinochet, suscita polemicas ju�r�dicas, al�m de s�rios questionamentos �ticos e morais, merecendo reflex�o.

Em rela��o �s pol�micas jur�dicas, discute-se uma s�rie de quest�es envolvendo desde a legitimidade da Espanha em julgar o general, passando pela oleo�sa a imunidade do antigo Chefe de Estado e desembocando na perspectiva de uma �ca�a �s bruxas�� internacional com base em lacunosas disposi��es protetivas de direitos humanos.

Urge, ent�o, esclarecimentos sobre o verdadeiro cipoal de institutos jur�dicos de Direito Internacional ventilados nos debates, que tem confundido tanto o jurista quanto o leigo. Neste artigo, bus�ca-se auxiliar o leitor a diferenciar mo�mentos distintos da repress�o penal internacional, denominados por mim como sendo o passado, o presente e o futuro desta tem�tica do Direito Internacional.

Em primeiro lugar, debate-se a legiti�midade do Poder Judici�rio espanhol em julgar os crimes cometidos contra cidad�os espanh�is em territ�rio chileno. Ora, esta possibilidade n�o representa nenhu�ma inova��o no campo do Direito Penal, E o �passado� desta tem�tica no Direita Internacional, denominado assim apenas para firmar o seu lado tradicional, exis�tente ate bole. Cite-se o nosso C�digo Penal brasileiro, que estipula em seu art. 70 os casos de extraterritorialidade da lei penal brasileira.

De fato, de acordo com nossa lei penal vigente, crimes cometidos contra brasileiros no exterior podem perfeita. mente ser punidos pelo Brasil, preenchi. das algumas condi��es m�nimas estipu�ladas pela pr�pria lei brasileira. Ou seja, � o pr�prio Brasil que estabelece que punir� crimes cometidos contra brasilei�ros no exterior e ainda estabelece ele mesmo as condi��es para o exerc�cio desta persecu��o criminal.

Estas condi��es podem ser mais os menos rigorosas, a depender exclusivamente do legislador p�trio, como, ali�s, fica demonstrado pelas diferen�as destas condi��es nos crimes cometidos no es�trangeiro mencionadas no inc. I, por um lado, e no inc. II, por outro lado, do art. 70 do C�digo Penal. O Brasil, enquanto autoridade de Direito Internacional, poda assim o lazer c encontra-se perfeitamente escudado no costume internacional de prote��o de nacionais no exterior.

Assim, fica fundamentada a extrateritorialidade da lei penal, gerando-se conceitos doutrin�rios como o da perso�nalidade passiva, o da defesa e outros para justificar o alcance da jurisdi��o renal para al�m do territ�rio nacional. A Corte Permanente de Justi�a Internacional, no seu famoso caso Lotus, de 1927, j� decidira favoravelmente � Turquia, que processou e julgou um nacional franc�s por delito ocorrido fora do territ�rio turco.

A Espanha, de acordo com as leis espanholas, ou mesmo o Brasil, obedeci�das as limita��es do art. 7.� de nosso C�digo Penal, n�o est�o violando o Direito Internacional ou a soberania de outros pa�ses quando processam, julgam  e condenam pessoas que cometeram atos criminosos contra bens jur�dicos nacionais no exterior.

Em rela��o ao caso Pinochet, observo ~ o primeiro pedido de deten��o, de 10.1998, exarado pelo magistrado espanhol Garz�n e aceito pelo mag�strado ingl�s Evans, foi fundado na acusa��o homic�dios de cidad�os espanh�is ocorridos no Chile entre 11.09.1973 e 31.12.1983.

Este pedido de deten��o � justificado no �passado� da persecu��o criminal internacional, j� que a Justi�a espanhola ensaiava a defesa de v�timas espanholas General chileno, utilizando-se, assim, do princ�pio da personalidade passiva.

Entretanto, de acordo com Extradition Act de 1989, que internalizou no Reino ido a Conven��o Europ�ia de Extra�di��o de 1957, o fato de os homic�dios alegados terem sido cometidos no Chile, e n�o na Espanha, transforma tais crimes em crimes n�o-extradit�veis para o �lti�mo pa�s. A extradi��o, da forma como � regulada pela lei brit�nica e pela Con�ven��o Europ�ia, n�o poderia ser feita.

Logo, a deten��o provis�ria seria ile�gal. A constata��o desta ilegalidade foi imediata: a Justi�a espanhola emite um segundo pedido de deten��o, do dia 22.10. 1998, novamente aceito pela Justi��a inglesa, fundado em cinco tipos de acusa��es contra o General Pinochet, retratando crimes contra a humanidade, em especial a tortura, o sequestro e a forma��o de associa��o criminosa para cometimento de homic�dios, utilizando�-se do aparato estatal e com motiva��o meramente pol�tica.

Assim, o caso Pinochet mostra a insufici�ncia do �passado� da persecu��o criminal internacional para superar a impunidade, e a sua r�pida transforma���o para o �presente�, que vem a ser a possibilidade de qualquer Estado deter, processar e julgar acusados de cometer crimes contra a humanidade, sem que haja necessariamente uma rela��o entre os latos e as pessoas a serem julgadas e o Estado julgador.

Estamos diante do �presente�, fruto da evolu��o do Direito Internacional dos Direitos Humanos e do combate � impu�nidade daqueles que cometeram atos b�rbaros e odiosos.

Assim, esta nova vertente do debate relaciona-se com a legitimidade de um pais de julgar determinados criminosos, cujos atos seriam t�o odiosos que justificariam a persecu��o criminal por qual�quer Estado, n�o importando a naciona�lidade do criminoso e do bem jur�dico atingido. Esta chamada responsabilidade internacional penal do indiv�duo originou-se no costume internacional de combate a pirataria mar�tima. Novos crimes foram sendo aceitos paulatinamente tanto pelo costume internacional quanto por normas convencionais espec�ficas, tais como o crime de tr�fico de escravos, tr�fico de mulheres e outros.

Ocorre, todavia, que estes crimes tinham um ponto em comum: eram tamb�m considerados crimes do ponto-de-�vista do Direito local. Assim, o Estado, ao punir um pirata nacional de outro Estado, estaria somente substituindo, por motivo de conveni�ncia, o outro Estado.

Entretanto, a partir da Segunda Guer�ra Mundial, adicionou-se um novo elemento a esta responsabilidade interna�cional penal do indiv�duo: a persecu��o criminal de indiv�duos agindo em nome de Estados (agentes p�blicos) e em conformidade com as leis locais. At� aquele momento com a exce��o da fracassada tentativa dos vencedores da II Guerra Mundial de julgar o Kaiser Guilherme II por crimes cometidos enquanto Chefe de Estado, as condutas dos agentes p�blicos geravam apenas a responsabilidade do Estado.

Assim, os agentes p�blicos agiam como �rg�os do Estado. Atuavam a t�tulo p�blico e  n�o a t�tulo privado. Logo, era o Estado que agia, sendo o indiv�duo mero representante do mesmo, devendo o Estado ser punido e obrigado a reparar os danos causados.

Com isso. o Acordo de Londres de 1945. que institui o Estatuto do Tribunal Militar de Nuremberg, inovou profundamente o tema, ao possibilitar o julgamento de agentes p�blicos agindo em nome do Estado e utilizando a tor�a material do mesmo. Um conceito revolucion�rio da responsabilidade individual foi introduzido: os sujeitos ativos da infra��o podem ser pessoas representan�do o Estado e agindo em seu nome.Esta novidade foi essencial para a puni��o de atos considerados b�rbaros e odiosos, entre outros motivos, justamente por contar com o aparelho organizado do Estado para a realiza��o dos mesmos.

Estes atos odiosos, consagrados Como tais pelo Estatuto do Tribunal Militar de Nuremberg, s�o os chamados crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes contra a paz. O Direito interna�cional, a partir daquele momento, nunca mais seria o mesmo em lace da respon�sabilidade internacional penal dos indiv�duos. De acordo com as Resolu��es 3 e 95 da Assembl�ia Geral da ONU, reco�nheceu-se como princ�pios de Direito Internacional os princ�pios ali firmados durante o processo de Nuremberg. Os Estados, ent�o, reconheceram expressamente a possibilidade de afastar a tradi�cional imunidade dos agentes p�blicos (o que inclui, � �bvio, presidentes) para puni-los com severidade pelos crimes b�rbaros e odiosos cometidos.

Deixando de lado os crimes contra a paz e os crimes de guerra, observo que a defini��o de �crimes contra a humanidade� foi consagrada no art. 6� do Esta�tuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg.

Estabeleceu-se, neste art. 6.�, que s�o crimes contra a humanidade o homic�dio, o exterm�nio, a escravid�o, a deporta��o e outros atos desumanos efetuados con�tra a popula��o civil, al�m de persegui���es por raz�es pol�ticas, raciais ou reli�giosas, quando tais atos ou persegui��es sejam realizados na execu��o ou em conex�o com qualquer crime contra a paz ou crime de guerra, previstos no mesmo Estatuto.

Note-se uma restri��o � caracteriza���o dou crimes contra a humanidade, j� que se exigia uma conex�o qualquer com os crimes de guerra ou contra a paz. Esta restri��o foi sendo abandonada com o desenvolvimento do Direito Internacio�nal dos Direitos Humanos. quando se tornou clara a necessidade de proteger-se o ser humano mesmo contra o Estado de sua pr�pria nacionalidade.

Esta prote��o internacional foi aceita pelos Estados atrav�s da ades�o � pr�pria ONU (cuja Carta fundamental prev� como objetivo da Organiza��o a defesa dos direitos humanos) e a diversos textos internacionais de prote��o de direitos humanos, voltados para o tratamento dado pelo Estado a seus pr�prios nacionais. Logo, em consequ�ncia disso, � natural a separa��o conceitual dos crimes contra a humanidade, ficando sem sentido atual a men��o � conex�o com crimes de guerra ou crimes contra a paz, j� que os agentes p�blicos, em situa��o de paz Internacional, podem perseguir e come�ter atos b�rbaros contra os pr�prios cidad�os de seu Estado.

Diversos textos e decis�es internacionais recentes demonstram a nova configura��o conceitual dos crimes contra a humanidade, desvinculada dos crimes de guerra e crimes contra a paz. O projete de C�digo de Crimes contra a paz e seguran�a da humanidade, aprovado em leitura na Comiss�o de Direito Interna�cional da Organiza��o das Na��es Unidas em 1996, definiu, em seu art. 18, que crimes contra a humanidade consistem em atos tais como o homic�dio, a tortura, a escravid�o, a persegui��o baseada em motivos raciais, �tnicos, religiosos ou pol�ticos, o desaparecimento for�ado de indiv�duos, a deten��o arbitr�ria, o exterm�nio, o estupro e outras formas de abuso sexual, e finalmente todos os outros atos desumanos e cru�is que aten�tem contra a integridade f�sica e ps�quica das pessoas, sendo estes atos listados acima cometidos de maneira sistem�tica ou cm larga escala, instigados ou dirigidos diretamente pelo Governo ou orga�niza��o ou grupo.

No mesmo sentido, o art. 7.� do projeto de Estatuto do Tribunal Penal Inter�nacional Permanente aprovado por con�senso em confer�ncia internacional pro�movida pela Organiza��o das Na��es Unidas em Roma, em 1998, estabelece que s�o crimes contra a humanidade os atos listados acima cometidos como par�te de um ataque sistem�tico ou em larga escala dirigido contra a popula��o civil.

Por seu turno, o art. 5.� do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, para os crimes cometidos na ex-Iugosl�via, esti�pula ser considerado crime contra a humanidade os atos desumanos de extrema gravidade, tais como o homic�dio, a tor�tura, o estupro e outros, cometidos no seio de um ataque generalizado ou sistem�tico contra uma popula��o civil qualquer, por motivos pol�ticos, de naciona�lidade, �tnicos, religiosos ou raciais.

Com isso, os crimes contra a humani�dade s�o considerados crimes comuns, mas cometidos em tais circunst�ncias e com determinada motiva��o, demons�trando tamanha barb�rie, que exigem resposta punitiva por parte do Direito Internacional.

Esta resposta punitiva internacional foi aceita pelos Estados (inclusive o Brasil) desde o fim da 2� Guerra Mundial. como provam as dezenas de textos Internacionais regulando o conceito) de �crime contra a humanidade� e seu especial e mais gravoso regime jur�dico.

Assim, existe hoje, no Direito Internacional. um corpo de normas que visa � puni��o dos autores de crimes contra a humanidade. Resta saber quem deve punir tais crimes.

A resposta, contida neste corpo de normas, e simples: todos os Estados da comunidade internacional t�m um direi�to-dever de punir aqueles que cometeram crimes contra a humanidade. De fato, a Resolu��o 3074 (XXVIII), de 03.12.1973, da Assembl�ia Geral da ONU, estabelecer os princ�pios internacionais de coopera��o na deten��o, extradi��o e puni��o dos acusados de crimes de guerra e crimes contra a humanidade e previu a persecu��o criminal no pa�s da deten��o do acusado ou a extradi��o) para pa�ses cujas leis permitam a puni��o.

A coopera��o internacional prev� a proibi��o da concess�o de asilo a acusa�dos de cometimentos de crimes contra a humanidade, bem como a impossibilida�de de caracteriza��o destes crimes como cri me pol�tico para fins de concess�o da extradi��o.E tamb�m prevista na Con�ven��o sobre a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade (1973) a n�o-aplica��o das chamadas �regras t�cnicas de extin��o de punibilidade�. as chamadas �statutory limitations�, o que leva � imprescritibilidade destes crimes.

Finalmente, � bem estabelecido no Direito Internacional a n�o-aceita��o da tradicional imunidade de Chefes de Es�tado e Chefes de Governo, prevista em normas internacionais, acusados do co�metimento destes crimes, o que decorre naturalmente da pr�pria defini��o de crimes contra a humanidade, via de regra cometidos por agente p�blicos, que uti�lizam a m�quina estatal (em geral o aparelho policial militar) para os seus uns odiosos.

Os Estados, ent�o, comprometeram�-se, costumeiramente ou por meio de con�ven��es internacionais, a cooperar entre si para punir aqueles que cometeram crimes contra a humanidade. Logo, a conduta da Espanha, retratada no segun�do pedido de deten��o provis�ria e com o consequente pedido de extradi��o, � perfeitamente compat�vel com o est�gio presente do Direito Internacional, n�o merecendo reprova��o jur�dica alguma.

A coopera��o penal entre os Estados �, ent�o, a principal arma contra a impu�nidade destes criminosos. Com isso, deve o pa�s que deteve o acusado julg�-lo ou extradit�-lo para um pa�s que possa puni-lo. Este princ�pio retratado pela expres�s�o latina aut dedere aut judicare tem como objetivo assegurar puni��o aos infratores destas normas internacionais de conduta, onde quer cine eles se encon�trem. N�o estariam seguros, na expres�s�o inglesa, anywhere in the world.

Assim, � proibida, pelo Direito Inter�nacional atual, com base no Direito cos�tumeiro que as resolu��es da ONU me�ramente espelham, a possibilidade de retorno destes criminosos a pa�ses cujas leis impe�am, ab initio, a puni��o dos criminosos, j� que isso frustaria o direito de punir especialmente consagrado no Direito Internacional em lace dos crimes contra a humanidade.

Cite-se o princ�pio II da Resolu��o 95 da Assembl�ia Geral da Organiza��o das Na��es Unidas relativa aos crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade, que expressamente determina que �o fato de a lei interna n�o estipular pena para um ato consistente em crime de Direito Internacional n�o exime o criminoso de sua responsabilida�de perante o Direito Internacional�.

Assim, n�o foi surpresa a decis�o da House of Lords, que em 25 de novembro proferiu decis�o n�o reconhecendo a imunidade do ex-Chefe de Estado para os atos praticados enquanto agente p�bli�co chileno, considerando que tais atos odiosos pelos quais e acusado n�o s�o suscet�veis de qualquer imunidade.

A imunidade diplom�tica, por n�o ter sido comprovada, nem foi apreciada, mas n�o h� d�vida de que o regime de Direito Internacional dos crimes contra a huma�nidade implica na perda de qualquer imunidade internacional convencional ou costumeira. Assim, Lord Slynn of Hadlev. Lord Lloyd of Berwick, Lord Nichol�s of Birkenhead, Lord Steyn e Lord Hoffmann reformaram, por vota��o da maioria, a decis�o de 28 de outubro da High Court of Justice � Queen�s Bench Division - Divisional Court, que reconhecera a imu�nidade de ex-Chefe de Estado do Gene�ral Pinochet.

� importante salientar que a High Court of Justice, nos votos dos ju�zes designados para o caso, considerou n�o estar ainda perfeito e acabado o regime internacional de crimes contra a humani�dade, raz�o pela qual a imunidade de ex-Chefe de Estado prevaleceria, pois � fundada, entre outros, na Conven��o de Viena de 1961, na lei brit�nica do State Immunity Act de 1978, al�m de forte base costumeira de Direito Internacional.

O Tribunal, ent�o, em sua decis�o de 28 de outubro, utilizou os institutos do �passado� tradicional, ainda existente, da persecu��o criminal internacional, aceitando a imunidade do ex-Chefe de Estado, tanto quanto poderia ter aceito outras statutory limitations, porventura previstas na legisla��o brit�nica (prescri��o etc).

Por seu turno, a House of Lords, em 25 de novembro, reconheceu, pelo con�trario, o regime especial e mais gravoso ao acusado de cometimento de crimes contra a humanidade. Reconheceu o �pre�sente� do Direito Internacional. Para este acusado n�o cabe o reconhecimento de imunidade, sendo que os atos b�rbaros praticados obviamente n�o s�o afeitos ao desempenho normal da fun��o de qual�quer agente p�blico.

Lord Nicholis. em seu voto, afirmou que o Direito Internacional atual n�o aceita a legalidade de todo e qualquer ato somente por ter sido cometido de acordo com as leis internas de um pa�s ou por determinadas pessoas, que seriam imunes a qualquer persecu��o judicial. Pelo contrario, a gravidade dos crimes contra a humanidade exigem um regime especi�al e mais gravoso, tal qual o j� existente no Direito Internacional.

Este � o �presente� da responsabilidade internacional penal do indiv�duo em face dos crimes contra a humanidade. Entretanto, � necess�ria reflex�o sobre as cr�ticas a este atual estagio da evolu��o do Direito Internacional e sobre as pers�pectivas futuras.

A grande obje��o a esta universaliza��o da persecu��o dos crimes contra a humanidade � a amea�a da imposi��o da lei do mais forte no campo internacional.

Na medida cm que se autoriza Estados terceiros a deter, processar e julgar pessoas por crimes cometidos em outros Estados, sem qualquer conex�o tradicio�nal com o Estado processante, ventila-se a possibilidade do abuso por parte dos Estados mais poderosos, que julgariam determinados indiv�duos, enquanto ou�tros ficariam impunes, dependendo dos interesses dos Estados fortes.

Assim, aponta-se a exist�ncia de seletividade e de double standards, o que possibilita questionamentos sobre os objetivos pol�ticos paralelos de determi�nados Estados, quando assumem o papel de defensores de direitos humanos em terceiros pa�ses, atrav�s da persecu��o criminal universal daqueles que comete�ram crimes contra a humanidade.

A neutralidade e a imparcialidade, pr�prias do Minist�rio P�blico e da Magistratura, n�o s�o elementos deste est�gio �presente� do Direito Internacio�nal, no qual cabe a cada Estado, em seu ju�zo pr�prio de valor, considerar este ou aquele agente p�blico um criminoso e, ent�o, alvo do severo regime punitivo dos crimes contra a humanidade.

Al�m disso, o que lazer quando h� diverg�ncia entre o Estado da nacionali�dade do acusado e o Estado da deten��o sobre a correta caracteriza��o dos crimes contra a humanidade? O que fazer com as tradicionais leis de anistia e demais normas de extin��o de punibilidade, con�sideradas como necess�rias para a corre�ta implementa��o do Estado de Direito e muitas vezes aprovadas por plebiscito popular? A Corte Internacional de Justi��a, poss�vel recept�culo destas deman�das, n�o tem sua jurisdi��o reconhecida por v�rios pa�ses e mesmo se o lit�gio for a ela submetido, n�o ser� preenchida a necessidade de exist�ncia de um Minis�t�rio P�blico e de uma Magistratura desvinculada deste ou daquele Estado.

O regime jur�dico atual dos chamados crimes contra a humanidade � manco. Ao mesmo tempo em que corretamente estipula-se um regime de Direito mate�rial internacional mais gravoso aos acu�sados, evitando-se a impunidade, permi�te-se que. atrav�s da persecu��o unilate�ral e n�o-institucional, haja abusos e seletividade, j� que inexiste um regime instrumental internacional apto a aplicar este Direito material. Este regime instru�mental seria composto por �rg�os de acusa��o e julgamento internacionais independentes e Imparciais, capazes de aferir a exist�ncia ou n�o dos crimes contra a humanidade. sem que haja e possibilidade de interfer�ncia direta dos �rg�os internos de um Estado.

Os defensores da prote��o internacional dos direitos humanos devem ficar atentos a esta situa��o, j� que uma onda de a��es penais nacionais em fase de l�deres de outros Estados pode fazer que o discurso de direitos humanos seja denegrido como sendo um discurso intervencionista e seletivo, incapaz de atingir os violadores de direitos humanos cm pa�ses desenvolvidos.

Por outro lado, n�o � poss�vel tamb�m alegar �seletividade� ou �intervencionismo� como escusas para conseguir impu�nidade de indiv�duos acusados de come�ter crimes b�rbaros e odiosos, O fato de que nem todos cometeram crimes contra a humanidade sejam punidos n�o pode acarretar em uma il�gica e imoral impunidade de todos os que tenham sido acusados no atual est�gio do Direito Internacional.

Pelo contrario, o Direito Internacio�nal deve evoluir para uma sistem�tica imparcial e institucional de acusa��o, julgamento e puni��o, de modo a evitar que alguns criminosos, em face de inte�resses pol�ticos de Estados mais podero�sos, fiquem impunes. Assim, chegamos ao �futuro� da persecu��o criminal inter�nacional em face dos crimes contra a humanidade.

Este futuro dever� ser o estabelecimento de Cortes internacionais e de �rg�os internacionais de acusa��o, capazes de substituir a acusa��o e o julgamento unilateral existente nos dias de hoje. Os Tribunais penais atualmente existentes (o relativo a fatos ocorridos no territ�rio de Ruanda) e o projeto de conven��o internacional instituindo o primeiro Tribunal Penal Internacional permanente s�o amostras de um futuro poss�vel.

Como exemplo acabado deste futuro, cite-se o projeto do Estatuto do Tribunal Penal Internacional de Roma (1998), que expressamente estabelece a compet�ncia de um ju�zo internacional, do Seu �rg�o de acusa��o e ainda de que maneira seriam analisadas eventuais decis�es lo�cais em conflito com a vontade de punir do Minist�rio P�blico do Tribunal (referido simplesmente como Prosecutor).

O grande avan�o do Estatuto � a previs�o da exist�ncia de um �rg�o imparcial de acusa��o capaz de, motu proprio (art. 15 do Estatuto), iniciar um procedimento penal contra agentes p�blicos, superando as tradicionais alega���es de seletividade e direcionamento pol�tico das acusa��es de crimes contra a humanidade. Ainda de acordo com o art. 17 do Estatuto e com seu Pre�mbulo, a jurisdi��o local prevalece, sendo a jurisdi��o internacional subsidiaria e aci�onada quando  imposs�vel, por motivos de direito material ou processual local, o justo processamento e puni��o dos acu�sados de crimes contra a humanidade.

Assim, � poss�vel a n�o-admiss�o de um caso perante o Tribunal Penal Internacional quando � existir decis�o local sobre o mesmo. Por outro lado, caso a decis�o local tenha sido obtida por coa��o ou com base em leis de favorecimento � impunidade (como, por exemplo, leis de anistia...), estipula o art. 20 a possibilidade de nova persecu��o criminal, agora perante o Direito Internacional.

O Tribunal Penal Internacional seria a sede ideal para a solu��o de controv�rsi�as existentes porventura entre dois ou mais Estados, como a atual ventilada pelo Chile em face de seu ex-Chefe de Estado, no qual � alegada a imunidade do atual Senador chileno e a impossibilidade de seu julgamento por crimes contra a humanidade.

Com isso, observo que O Tribunal Internacional Penal serve como substituto da atual situa��o de jurisdi��o penal universal, na qual os Estados arvoram-se em titulares de uma actio popularis penal, aptos a processar e julgar um acusado de crime contra a humanidade, mes�mo sem qualquer elemento de Conex�o tradicionalmente aceito pelo Direito Internacional (nacionalidade da v�tima, nacional idade do autor e tipo de bem jur�dico lesado) ou mesmo contra a Von�tade do Estado no qual foram cometidos os citados crimes.

Cumpre assinalar que o ethos de promo��o e defesa de direitos humanos � preservado com a exist�ncia de imparci�alidade e independ�ncia tanto dos �r�g�os acusadores quanto dos �rg�os julgadores. O Tribunal Penal Internacio�nal permanente, al�m de imunizar a persecu��o criminal de Direito Interna�cional das cr�ticas j� mencionadas, pos�sibilita tanto o fim da impunidade quanto estimula a preven��o destes crimes em todo o globo.

Assim, urge o estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional capaz de processar todo e qualquer agente acusado de cometer crimes contra a humanidade, permitindo ainda clarifi�car este conceito atrav�s da jurispru�d�ncia do Tribunal e evitar que o cita�do conceito seja utilizado apenas quando conv�m.

O caso do General Pinochet serve, qualquer que seja a decis�o final do Reino Unido, para uma maior reflex�o sobre a necessidade e utilidade de uma Corto e um Minist�rio P�blico permanente como j� proposto pelo Estatuto do Roma do Tribunal Penal Internacional aprovado em 1998. S6 assim supera�mos as cr�ticas ao atual est�gio de com�bate unilateral e n�o-institucional aos crimes contra a humanidade sem retroce�der e aceitar, sem rea��o, a impunidade, obtida muitas vezes pela amea�a ou pela for�a das armas, por estes criminosos no �mbito de seus pa�ses.

Quanto ao Tribunal Penal Internacional Podemos afirmar?

O Tribunal Penal Internacional pode atuar para punir indivíduos e crimes cometidos – entretanto, não possui competência de julgar Estados nacionais. Além disso, não pode atuar em qualquer país e a qualquer hora. Existem restrições estabelecidas legalmente. Assim, sua jurisdição não é universal.

Quais os crimes julgados pelo Tribunal Penal Internacional?

Os crimes julgados atualmente pelo TPI são crimes contra a humanidade, crimes de genocídio, crimes de guerra e crimes de agressão. Mesmo os crimes ambientais passíveis de julgamento por aquela Corte, segundo previsão do seu estatuto de regência, são crimes relacionados a ataques bélicos.

Qual a jurisdição do Tribunal Penal Internacional?

Sob a perspectiva material, o Tribunal Penal Internacional tem jurisdição sobre quatro crimes: crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crime de agressão.

E o tribunal internacional responsável pelo julgamento de indivíduos que praticam crimes tipificados no Estatuto de Roma?

O Tribunal Penal Internacional e os crimes tipificados no Estatuto de Roma. Com a assinatura do Tratado de Roma, em 17/07/1998, criou-se o Tribunal Penal Internacional (TPI), o qual entrou em vigor em 01/07/2002, com a 60ª ratificação, e veio para complementar as jurisdições penais nacionais.