Em que consiste a revisão contratual e a exceção rebus sic stantibus?

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A cláusula rebus sic stantibus (locução em língua latina que pode ser traduzida como "estando assim as coisas") especifica que as partes de um contrato, tratado internacional ou, de forma mais geral, acordo, pactuaram levando em consideração a situação de fato existente no momento de sua celebração, podendo assim invocá-la como forma de rompimento caso mudanças substanciais ocorram de forma extraordinária e imprevisíveis, que modificam o equilíbrio do acordo trazendo desvantagem a uma das partes.

Rebus sic stantibus é uma forma sintética da fórmula latina Contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stantibus intelliguntur, traduzida na obra de Otavio Luis Rodrigues Junior deste modo: "Os contratos que têm trato sucessivo ou a termo ficam subordinados, a todo tempo, ao mesmo estado de subsistência das coisas"[1] Sua origem remonta a fragmentos do Digesto, no entanto, a maioria dos autores entende que sua formulação deveu-se ao contributo dos canonistas da Idade Média.[1]

No Brasil, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a alteração da realidade econômica não é fato imprevisível.[2]

A Teoria da Imprevisão, ou Princípio da Revisão dos Contratos, trata da possibilidade de que um pacto seja alterado, a despeito da obrigatoriedade, sempre que as circunstâncias que envolveram a sua formação não forem as mesmas no momento da execução da obrigação contratual, de modo a prejudicar uma parte em benefício da outra. Há necessidade de um ajuste no contrato.

Rebus sic stantibus pode ser lido como "estando assim as coisas" ou "enquanto as coisas estão assim". Em termos contratuais significa dizer que o contrato será cumprido rebus sic stantibus (estando as coisas como estão).

Já a cláusula de mesmo nome é a instrumentalização deste ajuste. É a estipulação contratual ou a aplicação de um princípio de que, presente a situação imprevista, o contrato deve ser ajustado à nova realidade. Disto se tem a revisão do contrato.

Segundo o jurista Carlos Roberto Gonçalves:

"Entre nós, a teoria em tela foi adaptada e difundida por Arnoldo Medeiros da Fonseca, com o nome de teoria da imprevisão, em sua obra Caso fortuito e teoria da imprevisão. Em razão da forte resistência oposta à teoria revisionista, o referido autor incluiu o requisito da imprevisibilidade, para possibilitar a sua adoção. Assim, não era mais suficiente a ocorrência de um fato extraordinário, para justificar a alteração contratual. Passou a ser exigido que fosse também imprevisível. É por essa razão que os tribunais não aceitam a inflação e alterações na economia como causa para a revisão dos contratos. Tais fenômenos são considerados previsíveis entre nós. A teoria da imprevisão consiste, portanto, na possibilidade de desfazimento ou revisão forçada do contrato quando, por eventos imprevisíveis e extraordinários, a prestação de uma das partes tornar-se exageradamente onerosa — o que, na prática, é viabilizado pela aplicação da cláusula rebus sic stantibus, inicialmente referida."[3]

Pode ser observada não somente no direito Civil, mas especialmente no Direito do Consumidor. A diferença primordial entre seu uso nas duas linhagens do direito é que enquanto no Direito Civil existe uma limitação maior ao caso, em respeito à função social do contrato, no Direito do consumidor, que é um microssistema do Direito Civil, prevalece sobremaneira a proteção ao mais fraco (o consumidor).

Referências

  1. a b RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luis (2006). Revisão judicial dos contratos: Autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2 ed. São Paulo: Atlas. p. 35-36-37. ISBN 85-224-4283-5
  2. FERREIRA, Antonio Carlos. «Revisão judicial de contratos: Diálogo entre a doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça». Revista de Direito Civil Contemporâneo, v. 1, p. 27 - 39, out - dez. 2014. Consultado em 21 de julho de 2015
  3. Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 3, 9ª ed.. São Paulo : Saraiva, 2012, .p. 52-53, apud STJ, REsp 407.097/RS, rel. Min. Ari Pargendler, DJU, 29 de setembro de 2003, pg. 142

por Fábio Pinheiro Gazzi

Assim como o Direito, os negócios jurídicos, em especial os contratos, sofrem constantes modificações. Não se pode olvidar que o contrato tem, dentre outras, função econômica, por isso de ser necessário o equilíbrio entre as partes.

Para restabelecer o equilíbrio contratual, quando este for abalado, acentua-se a revisão dos contratos pelo juiz que, conforme as alterações das circunstâncias e fundamentando-se nos princípios gerais do Direito e do contrato, afasta-se a regra tradicional e imperativa[1].

Uma dos fundamentos para a revisão dos contratos é a cláusula rebus sic stantibus. Esta, nos dizeres de Renato José de Moraes, “é utilizada em dois sentidos principais”. O primeiro é mais amplo e considera que a noção rebus sic stantibus significa que os vários atos jurídicos, nos quais se incluem os contratos, têm sua eficácia subordinada a que as coisas permaneçam como estavam no momento em que foram formados.

Não é essencial, nessa concepção mais larga, a existência de uma onerosidade excessiva ou da imprevisibilidade de um fato que cause um desequilíbrio; basta o advento de uma mudança substancial no estado em que as coisas estavam para se justificar a mudança na execução do ato jurídico.

Já o segundo, em que se costuma tratar da teoria da imprevisão, é mais estrito. Nessa acepção, há um relativo consenso a respeito da definição da cláusula rebus sic stantibus: é a cláusula pelo qual os contratos de execução periódica, continuada ou simplesmente diferida, podem ser, ou revisados, com o reajustamento das prestações, ou simplesmente resolvidos, devido à ocorrência de um fato superveniente, imprevisível para as partes, que desequilibrou a relação contratual de maneira grave.

A concepção lato sensu e stricto sensu da cláusula rebus sic stantibus são ambas legítimas”[2]. Aduz ainda o autor mencionado que a concepção estrita é a mais utilizadas pela doutrina e jurisprudência pátria.

Corroborando com as lições supra trasladado, o mestre Aliomar Baleeiro, quando de suas funções no pretório excelso, manifestou-se da seguinte maneira acerca do assunto: “cláusula rebus sic stantibustem sido admitida como implícita somente nos contratos com pagamentos periódicos sucessivos de ambas as partes ao longo de prazo dilatado se ocorreu alteração profunda e inteiramente imprevisível das circunstâncias existentes ao tempo da celebração do negócio.”[3]

Portanto, são requisitos da cláusula rebus sic stantibus: “o contrato deve ser de execução diferida, continuada ou periódica, e nunca de execução imediata; o fato causador da onerosidade excessiva precisa ser imprevisível para as partes; é preciso haver um desequilíbrio acentuado entre as prestações, superior ao que pudesse ser devido à alínea normal do contrato; finalmente, a parte prejudicada não pode ser responsável pela ocorrência desse desequilíbrio.”[4]

Porém, embora a jurisprudência pátria adote os requisitos supramencionados, sua aplicação é um tanto quanto diferenciada a cada contrato. Nos contratos de compromisso de compra e venda, em virtude das alterações das circunstâncias negociais como: reajuste das prestações, vinculando esta à equivalência salarial[5]; abalo a situação social econômica por causa de planos econômicos do Governo Federal[6]; em contratos que já estão firmados o periódico inflacionário[7]; a jurisprudência não admite a aplicação da cláusula rebus sic stantibus, por entender que não há desequilíbrio.

Já nos contratos de empreitada os riscos do empreendimento são de sua natureza[8] não ensejando a revisão contratual com fundamento na cláusula tão mencionada. Também não enseja revisão contratual o reajuste dos juros quando já conhecido as condições para a execução do contrato[9] e o reajuste do preço por causa do aumento imprevisível inflacionário depois de celebrado o contrato e durante a execução da obra[10].

Porém, os Tribunais admitem a revisão do contrato de empreitada quando tratar-se de contrato administrativo e ocorrer o fato do príncipe, reajustando desta forma aquele para o fim de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato[11].

Quando se tratar de contrato de locação, em casos como: revisão do aluguel para alterar a periodicidade do reajuste[12] e revisar o aluguel porque este se tornou vil em virtude da inflação[13], os tribunais admitem a revisão do contrato, para assim, como no contrato de empreitada, evitar o enriquecimento sem causa e restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Em que pese o nobre conhecimento dos nossos magistrados, ao não admitirem, em nenhuma hipótese, a revisão dos contratos de compromisso de compra e venda e admitirem a revisão em alguns contratos de empreitada e de locação, revisão esta fundamentada na cláusula rebus sic stantibus, os Tribunais desequilibram a balança da justiça.

A imprevisibilidade do negócio, a exemplo da inflação, poderia ensejar a revisão contratual, não importando qual contrato seja, pois haveria um desequilíbrio para todas as partes. Deveria ser um entendimento uniforme e não “discriminatório”.

Salienta-se que a imprevisibilidade, desde que não inerente da natureza do negócio jurídico (álea), deveria ser o ponto principal de partida para ensejar a revisão contratual, pois a imprevisibilidade é um elemento surpresa, fato este vedado no Direito, em virtude da segurança jurídica.

Frisa-se que o que é imprevisível pode, na maioria das vezes, desequilibrar economicamente o contrato firmado.

Por isso, a título exemplificativo da conclusão cita-se o desemprego que é algo previsível e neste ponto acerta a jurisprudência, porém, a inflação, por mais previsível que seja, seus índices não o são e com isso pelo menos uma das partes terá de ter uma diminuição patrimonial suficiente para restabelecer o equilíbrio do contrato. Ocorre que, como demonstrado, a jurisprudência não possui este entendimento no que tange a contratos de compromisso de compra e venda.

Por isso, ao não utilizar a cláusula rebus sic stantibusmesma forma em todos os tipos contratuais, a jurisprudência pratica atos “discriminatórios”, vez que a imprevisibilidade acarreta em desequilíbrio, tanto para uma parte como para a outra, sendo sempre necessário em virtude dos princípios contratuais, revê-lo para o fim de se equilibrar a balança de nossa justiça.

Por fim, resta o brocardo: cada caso é um caso; devendo-se sempre ter em mente o grau de influência no contrato das alterações das circunstâncias negociais como a imprevisibilidade e o equilíbrio econômico, destacando-se, neste esteio, o equilíbrio, palavra fundamental para o Direito dos Contratos.

Bibliografia

GOMES, Orlando atualizado por THEODORO, Humberto Júnior. Contratos. Ed. Forense, 2000.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações – 2ª Parte, 5º Vol., Ed. Saraiva, 1987.

MORAES, Renato José de.Cláusula Rebus Sic Stantibus. Ed. Saraiva, 2001.

PEREIRA, Antonio Jorge Júnior e outros. Direito dos Contratos – CEU. Ed. Quartier Latim, 2006.

SILVEIRA, Carlos Alberto de Arruda. Contratos de Acordo com o Novo Código Civil. Ed. Mundo Jurídico, 2004.

VENOSA, Silvio de Salvo. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Ed. Jurídico Atlas S.A, 2002.

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[1] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações – 2ª Parte, 5º Vol., Ed. Saraiva, 1987, p.10.

[2] Cláusula Rebus Sic Stantibus. Ed. Saraiva, 2001, p. 29/30.

[3] RE 71443/RJ; j. 15-06-1973 – 1ª Turma STF

[4] MORAES, Renato José de. Op. Cit., p. 176/177.

[5] Ap. 216.702-2 – TJ/SP

[6] JTJ 157/38

[7] JTJ 118/98

[8] Ap. 394.927-4/5 – TJ/SP

[9] AIAgR 88763 – STF

[10] RE 85714/RJ – STF

[11] Ap. 115.703-5 – TJ/SP

[12] RT 759/286 e RT 701/108

[13] RT 620/204, REsp 362279/SP

Revista Consultor Jurídico

Em que consiste a revisão contratual e a exceção rebus sic stantibus?

A expressão rebus sic stantibus consiste, resumidamente, em presumir, nos contratos comutativos, uma cláusula implícita, segundo a qual os contratantes estão adstritos ao seu rigoroso cumprimento, no pressuposto de que as circunstâncias do momento da contratação se conservem inalteradas no momento da execução ...

O que é a cláusula rebus sic stantibus?

Rebus sic stantibus: é a presunção, nos contratos comutativos, de trato sucessivo e de execução diferida, da existência implícita de cláusula em que a obrigatoriedade do cumprimento do contrato pressupõe inalterabilidade da situação de fato.

Em que consiste a cláusula rebus sic stantibus e qual a sua relação com a teoria da imprevisão?

Rebus sic stantibus e a Teoria da Imprevisão Esta teoria existe para proteger os contratantes de situações inesperadas que podem causar mudanças durante a validade de um contrato. A Teoria da Imprevisão é especialmente importante para contratos longos, pois estes ficam mais sujeitos a sofrer alterações inesperadas.

O que é uma revisão contratual?

Resumidamente, a revisão de contratos é um meio pelo qual um sujeito ajuíza uma ação buscando reduzir a sua contraprestação em um contrato. O fundamento desta redução é a impossibilidade de cumprimento da obrigação por fatores alheios (onerosidade excessiva).