Quem entra nesse caro é comida

Analisando essa cadeia hereditária
Quero me livrar dessa situação precária
Onde o rico cada vez fica mais rico
E o pobre cada vez fica mais pobre
E o motivo todo mundo já conhece
É que o de cima sobe e o de baixo desce

As Meninas. Xibom Bombom, 1999

Para mim, ir ao supermercado é quase como ir à guerra. Alimentada para não fazer compras com fome, com o celular aberto na calculadora em uma mão fazendo todas as continhas para ver o que fica mais barato e a roupa mais confortável possível do meu guarda roupa para evitar estresses. Como minha rotina é super corrida, eu faço compras enormes de três em três meses em atacado para tentar economizar tempo e dinheiro.

Produto de limpeza, por exemplo, compro praticamente uma vez por ano e estoco dentro de casa. Já aconteceu, de verdade, do segurança do supermercado me perguntar se estava indo para a guerra. Por isso, acabo não acompanhando os preços dos produtos de mês a mês — a não ser por meio de notícias — então já deve imaginar os sustos que levei durante este ano com os preços no supermercado a cada vez que eu ia.

A pessoa responsável por ir ao supermercado e fazer as compras para a família vai entender e simpatizar com esse meu desespero. É uma sensação similar à dos que precisam encher o tanque com gasolina, pagar o aluguel, comprar um gás, pagar conta de energia, enfim: comprar e pagar o básico para a sobrevivência. Não está fácil a vida do brasileiro. Vem cá descobrir comigo como chegamos neste ponto e se ainda há esperança.

Inflação: o que é?

Esse aumento dos preços em vários produtos diferentes é o que chamamos de inflação. Por incrível que pareça, ela é desejada em um certo nível, quando controlada, mas quando descontrolada ela vira um problemão. Mas como assim ela é desejada? Calma que eu te explico!

Imagina só se você quisesse muito comprar um fogão novo para sua casa e a gente vivesse em um país que, ao invés de aumentar, os preços caíssem? Isso é o que chamamos de deflação. Você compraria o fogão hoje ou esperaria ele cair de preço mais um pouco? Bem… Eu não sei você, mas eu enrolaria ao máximo para comprar o mais barato possível.

Para o consumidor final, como eu e você, esse cenário pode parecer bem vantajoso, mas, com o passar do tempo, vira um problema geral na economia. As pessoas comprariam menos e, por isso, as empresas diminuiriam as vendas e a produção para atender seus clientes sem sobrar produtos. Sendo assim, seria necessário menos funcionários, o que levaria ao aumento do desemprego. O funcionário demitido pode ser eu, você ou alguém da nossa família. No sistema econômico que vivemos hoje, que é o capitalismo, gastar é fundamental para a economia funcionar e a inflação controlada impulsiona esse processo.

Já os problemas da inflação descontrolada, sentimos na pele diretamente. É como se a gente visse nosso dinheiro escorrendo pelos nossos dedos e sentisse como se não tivesse nada a fazer, só ver ele descendo ralo abaixo. Uma compra mensal de supermercado que antes custava R$300 passa a custar R$600, mas o salário continua o mesmo, fazendo com que a gente possa comprar muito menos com o salário que recebemos. Isso aumenta consideravelmente a desigualdade social e é aqui que a letra da música no começo do texto entra fazendo todo sentido. Como a inflação tem afetado principalmente os produtos essenciais (aqueles que citei no início que são super importantes para a sobrevivência), quem ganha menos é muito mais atingido e, assim, “o de cima sobe e o de baixo desce”.

MAS COMO CHEGAMOS NESSE PONTO?

No caso dos produtos alimentícios, temos alguns motivos que explicam esse aumento dos preços. O primeiro e principal é que o Brasil é um país agroexportador, ou seja: produzimos e exportamos muitos produtos agropecuários como a carne, o arroz, a soja, o café, o milho etc. Por isso, os produtores do setor podem vender seus produtos tanto para o mercado interno (os brasileiros), quanto para o mercado externo (o resto do mundo).

Como o dólar está alto, é mais vantajoso para os agropecuaristas vender seus produtos para o mercado externo, pois mesmo vendendo pelo mesmo preço de antes em dólar, recebem bem mais em real.

Por exemplo: se você sabe que consegue vender um sapato por 10 dólares e sabe que um dólar é igual a R$5,60, então sabe que dá para ganhar 56 reais (10 x 5,60) pelo sapato vendido por 10 dólares. Se estivesse nessa posição, você aceitaria vender por 35 reais o mesmo sapato aqui no Brasil? Imagino que não! Agora, imagine só se um dólar fosse igual a 3 reais. Isso significaria que vendendo o sapato por 10 dólares você ganharia apenas 30 reais (10 x 3). Agora parece bem mais atrativa a ideia de vender o sapato por 35 reais aqui no Brasil, não é mesmo?

É essa continha que eles fazem. Um pouco mais complexa, claro, considerando os custos, impostos etc. Mas no geral, os agropecuaristas comparam o lucro que receberiam se vendessem em dólar, para definir o valor em real, aumentando os preços desses produtos para os brasileiros.

O câmbio (essa relação entre o valor do real e outras moedas) também influencia no valor dos produtos importados, como máquinas, equipamentos, peças de carro, medicamentos etc. Uma taxa de câmbio alta faz com que esses produtos fiquem mais caros para os brasileiros, subindo o preço dos celulares, computadores, eletrodomésticos, medicamentos importados, vacinas entre outros. Não é só dessa forma que gente como a gente é atingida: os próprios empresários que poderiam investir em novas indústrias, que gerariam emprego e renda, não o fazem, porque importar os produtos necessários levaria ao prejuízo.

Outro motivo que explicaria o aumento geral dos preços é a gasolina e o diesel. O Brasil é um país rodoviário. Isso significa que a maior parte do transporte dos produtos é feito por caminhões. Sendo assim, um aumento no preço do combustível influencia no preço de todos os produtos, porque o custo de transporte das mercadorias aumenta.

E por que a gasolina está tão cara? Diferente do que muitos acreditam, o imposto é o último dos problemas sobre o preço da gasolina. A média da cobrança do imposto é a mesma desde 2014, quando a gasolina estava em pouco mais de 3 reais. Se essa média continua a mesma e, portanto, não é o imposto que é o problema, o que fez o preço aumentar tanto nos últimos anos?

Em 2016 foi adotada a política de preços de paridade de importação (PPI) pelo governo do Michel Temer. A PPI é nada mais nada menos do que uma política de preços que iguala os preços da gasolina no Brasil aos preços internacionais, nos colocando reféns do mercado externo. Na prática, o que acontece é que pagamos pelo combustível o mesmo valor que pagaríamos se ele fosse importado, sendo que cerca de 80% do combustível que consumimos no Brasil é produzido aqui mesmo. Pode uma coisa dessa, Brasil?

ALGO PODE SER E/OU FOI FEITO PARA RESOLVER?

Em junho deste ano, em almoço com empresários, o atual presidente pediu para que os donos dos supermercados reduzissem seus lucros por patriotismo, diminuindo assim os preços dos produtos da cesta básica para os brasileiros: não funcionou. Se você chegou até aqui, já deve ter percebido que o buraco é bem mais embaixo e que o aumento dos preços se deu bem antes dos produtos chegarem nas prateleiras dos supermercados.

Outra tentativa do governo para controlar os preços dos produtos alimentícios foi pela taxa de câmbio através da venda de dólares pelo Banco Central. Isso é o que chamamos de swap. Essa, porém, é uma política de emergência que tem como objetivo conter o aumento do preço do dólar, mas sem resultados muito duradouros.

Por último, outra forma que também tem sido implementada pelo Banco Central para controlar a taxa de câmbio é pelo aumento da taxa Selic. Ela é definida pelo governo e é a taxa de juros base que serve como referência para toda a economia. Uma vez que ela aumenta, espera-se que entre dinheiro de investidores estrangeiros no país que estejam em busca de investimentos com maiores rendimentos, pois essa taxa define quanto se vai ganhar ao ano a mais por emprestar dinheiro para os bancos e para o governo, por exemplo. Ao entrar dinheiro estrangeiro no Brasil, a moeda se valoriza.

O aumento de tarifa sobre exportação e a definição de cota de produção destinado ao mercado interno são algumas medidas que poderiam frear as consequências da alta no câmbio para os produtos agropecuários brasileiros.

A dependência do Brasil do sistema rodoviário é um dos pontos fracos para o desenvolvimento econômico brasileiro. A influência pode ser baixa em relação ao preço dos alimentos comparado à influência do valor do dólar, mas ainda assim é um ponto a se considerar. Além de ser um sistema de transporte extremamente caro, com um custo de manutenção muito alto, o sistema rodoviário é pouco ágil. O investimento em ferrovias (linhas de trem para o transporte de mercadorias) e hidrovias (transporte de mercadoria por rios, por exemplo) ajudaria na diversificação dos meios de transporte de mercadorias e, consequentemente, no impacto do preço do combustível sobre o preço dos produtos.

Para que o preço do combustível diminuísse, o presidente reduziu por 2 meses o imposto federal sobre o diesel, que é o combustível usado pelos caminhões, e culpou os governadores pelo valor do ICMS, que é o imposto estadual cobrado em cima da gasolina, pressionando para que reduzissem. Mas como vimos, a taxa média desses impostos não se modificou nos últimos anos e políticas do tipo diminuem a arrecadação do governo, reduzindo sua capacidade de fazer investimentos em infraestruturas, saúde, educação e pagar por programas de assistência social. Então no final, é a gente que paga a conta do mesmo jeito.

Para que o preço do combustível permaneça razoável, só temos uma saída: que a política de preços da Petrobrás seja revista e isso só é possível enquanto ela estiver sob gestão do governo. Ao ser privatizada, o governo perderia uma empresa chave para o combate à inflação e desenvolvimento econômico.

O Brasil é um país rico, diverso e ainda tem muito a crescer. Mas, para isso, precisa, dentre outras coisas, de estabilidade política, bons representantes que se relacionam bem internacionalmente e que estão dispostos a nos “livrar dessa situação precária”.

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