Qual era o papel social da mulher na sociedade grega?

Qual era o papel social da mulher na sociedade grega?
por MARISTELA REMPEL EBERT*

A presente análise pretende abordar as condições das mulheres nas sociedades antigas: a Grécia Clássica e a República Romana em sua época de glória, apontando a situação miserável e precária às quais estava sujeito todo o ser humano que nascesse mulher. Com isso não se pretende afirmar que estas condições eram limitadas ás mulheres, uma vez que a maior parte da população vivia de forma semelhante, mas que esta realidade era ainda mais dura com elas, infringindo ao ser feminino, rico ou pobre, papéis semelhantes. Esta exposição visa ser um alento às conquistas históricas das mulheres, como também, apontar a importância da participação delas no mundo político (não apenas no trabalho).

Esta temática encontra dificuldades tanto por se tratar de uma época remota da qual a humanidade legou poucos registros e ainda mais, por se tratar de questões que envolvem a vida privada (relações familiares, prostituições, etc.), em especial das condições de mulheres que sequer podiam participar da vida pública (da política). Os historiadores antigos raramente mencionavam estes temas, e quando o faziam procediam muitas vezes de forma preconceituosa, fragmentada e até mesmo distorcida. Em geral, estas referências são encontradas naquelas obras que nem mesmo eram consideradas clássicas, tais como o gênero da comédia (sátira) de Petrônio ou do grego Aristófanes, entre outros. Dessa forma, esta análise vai se apossar em grande parte a partir da visão destes intelectuais antigos pouco famosos na época, provavelmente por tratarem da arte na forma cômica e pouco culta, mas que de alguma forma apontam elementos cotidianos destas sociedades para além do ideal do homem político, racional e virtuoso da Atenas Clássica e Roma.

A Grécia Clássica era formada por inúmeras cidades-estados, cada uma possuindo uma organização própria em termos de política e economia. Atenas dentre várias outras, sobressaiu-se e tornou-se símbolo de desenvolvimento cultural, intelectual e de sociedade democrática e livre, servindo de parâmetro para a política até hoje. Nela, todos os cidadãos participavam das decisões da pólis por meio de assembléias em praça pública (ágora). Embora seja uma experiência original e digna de admiração, é preciso lembrar que poucos possuíam o título de cidadão (condição essencial para participar da pólis), pois implicava uma série de requisitos, entre eles, não ser estrangeiro e ter escravos para que o cidadão estivesse liberado das tarefas braçais para se dedicar aos assuntos políticos. Ou seja, estrangeiros, mulheres, escravos e crianças ficavam a margem desse processo. Anderson (1992) menciona que havia neste período (século V-IV a. C) cerca de 250.000 habitantes em Atenas e destes, somente 45.000 eram considerados cidadãos.

Qual era o papel social da mulher na sociedade grega?
Nesse contexto, Salles (1987) afirma que as mulheres eram divididas em três tipos: as esposas, que ficavam restringidas ao espaço familiar (gineceu) não tendo praticamente contato com outros homens que não fossem da família e tinham a tarefa de gerar filhos legítimos; as concubinas[1][, que ajudavam seus senhores nas tarefas diárias (escravas ou livres); e as prostitutas[2] (ou cortesãs) visando a satisfação dos prazeres, preservar a castidade das mulheres livres (esposas e filhas de cidadãos), sendo que haviam casas licenciadas (lupanar) para tal finalidade. Entre essas últimas haviam diferenças: as mais belas eram conhecidas como hetairas[3], muitas vezes serviam de inspiração para artistas e filósofos, desfrutavam de amores e paixões, participavam dos banquetes e algumas inclusive acompanhavam cidadãos em atividades públicas da pólis[4], e até mesmo haviam estátuas[5] construídas em sua homenagem. Diferente das esposas que não recebiam nenhuma instrução, as prostitutas eram iniciadas nas artes, na música, na dança, e em alguns casos, participavam dos debates filosóficos. Aristófanes (2003), artista grego, apresentou uma peça do gênero cômico intitulado “Lisístrata: A Greve do Sexo”, onde narra a greve de sexo das mulheres para forçar os homens atenienses a desistirem da guerra contra outra cidade grega (fato que teria ocorrido 415 a.C), obviamente satirizando, uma vez que as mulheres sequer eram consideradas cidadãs e não tinham voz para interferir nos rumos políticos.

Também para filósofos como Platão e Aristóteles, o verdadeiro amor só era possível entre os homens (dotados de razão), pois as mulheres eram símbolo das virtudes sensíveis e dos prazeres físicos, condições estas que as impediam de alcançar a plenitude da razão. Para Plutarco, era impossível o amor verdadeiro entre homem e mulher porque entre eles era natural o desejo carnal e tal união só podia ser física e não espiritual. Sendo natural então que mesmo as esposas (mulheres livres) não pudessem participar da polis, uma vez que não tinham capacidade do uso pleno da razão. Dessa forma, todas as mulheres eram excluídas da participação política, papel esse essencial para os gregos. As “esposas” dos cidadãos possuíam a garantia do respeito e proteção do Estado; as prostitutas não possuíam nenhuma garantia, vivendo a ameaça constante da miséria, contudo, em um certo sentido as mais famosas eram mais livres e tinham mais acesso ao mundo público que as esposas. Entretanto, ambas tinham em comum sua exclusão do espaço público e o risco de passarem fome, pois mesmo as esposas só eram reconhecidas enquanto tal, uma vez que ao ficarem viúvas perdiam sua condição natural de proteção[6] e mesmo aquelas que tentassem continuar os negócios do marido encontravam dificuldades devido ao preconceito, vendo-se muitas vezes obrigadas a se entregarem a prostituição[7].

Assim como cada cidade-estado tinha suas particularidades em termos de organização política, também haviam diferenças culturais, religiosas e na forma como eram vistas as mulheres e a prostituição. Salles (1987) afirma que na cidade de Corinto, sob influência de divindades estrangeiras (dos Egípcios e Persas), existiam templos que prestavam culto em homenagem a Afrodite (deusa da fecundidade). Nestes locais a prostituição era sagrada[8], e toda mulher virgem devia ser possuída, ao menos uma vez, por algum estrangeiro para obter a proteção da cidade pela deusa e só então podiam voltar para casa e se casar. Dessa forma, os estrangeiros deixavam verdadeiras fortunas nesses templos. No Egito e na Armênia, as jovens virgens deviam se prostituir para adquirir seu dote antes de casarem.

Qual era o papel social da mulher na sociedade grega?
A partida de Coriolano, óleo sobre tela, R. Postiglione, século XIX

Diferente das cidades-estados da Grécia, a sociedade romana possuía uma organização de Estado mais flexível. Segundo Anderson (1992), a República era constituída pelo senado (membros pertencentes à classe aristocrata dos patrícios), que cuidava das finanças, administração e política externa; pelos cônsules (dois), escolhidos para executarem as decisões (sendo eleitos anualmente); as assembléias; e incorporando, também, mais tarde, os tribunos por regiões, estes últimos em conseqüência dos conflitos internos (entre patrícios e os plebeus, recente classe emergente). O titulo de cidadania era concedido a todo indivíduo romano livre e mesmo às cidades (classe dirigente) aliadas da Itália, e neste sentido era mais amplo que a abrangência grega, contudo a participação dos romanos nas decisões políticas era muita mais formal que prática, já que incorporaram o modelo de participação representativa (não direta) dos cidadãos. Isto significa que as decisões eram hierarquizadas, realizadas de uma instância para outra, diferente das assembléias gregas que todos podiam participar e opinar, sendo decidido em praça pública os rumos da cidade. Ou seja, os romanos jamais democratizaram de fato sua estrutura política; em sua raiz mantiveram-se aristocratas, incorporando os plebeus (classe mais pobre) apenas formalmente para diminuir os conflitos internos. Diferente dos gregos, também seu sistema republicano centralizador buscou a expansão Imperial a todos os cantos do mundo, conquistando e subjugando os povos do mediterrâneo e do norte, tendo sua economia centrada no trabalho escravo em larga escala. Segundo Anderson (1992) e Salles (1987)[9], a diferença entre pobres e ricos em Roma é infinitamente maior se comparada às cidades-estado gregas.

Os romanos ostentavam muito mais riquezas e excessos que os gregos (que primavam pela virtude do equilíbrio), embora tentavam assimilar o modelo cultural da civilização helênica, já que em sua origem eram um povo muito rudimentar. Petrônio (1985), historiador romano, em sua obra “Satyricon”, ressalvado os exageros próprios da sátira, descreve em detalhes os excessos e as desmedidas romanas, seja com relação às orgias dos banquetes ou o exagero de comidas e bebidas. Segundo Salles (1987), apesar das diferenças de organização de uma e outra sociedade e mesmo por se tratar de épocas diferentes (Roma do século II e I a.C), em ambas a miséria e a ameaça de fome eram constantes. Também, grande parte das pessoas encontravam-se excluídas do processo de participação política e com as mulheres esta realidade não era diferente. É importante frisar que as mulheres romanas gozavam de maior liberdade, pois mesmo as esposas podiam circular nas ruas e participar dos banquetes[10]. Contudo, a prostituição era ainda mais acentuada e visível nas ruas e nos banquetes romanos. Aliás, para Salles (1987)[11], a prostituição nestas sociedades era um componente estrutural da ordem social, pois tratava-se de higiene pública das mulheres e das crianças de nascimentos livres.

Para os pobres em ambas as sociedades, diz Salles (1987), o nascimento de uma menina significava apenas mais uma boca para comer, sendo comum o abandono e a prostituição precoce. Aliás, as meninas, ricas ou pobres, eram expostas, no primeiro caso para arranjarem um bom casamento e no segundo, para tornarem-se prostitutas. Em Roma, também havia hierarquia entre as prostitutas: as mais famosas detinham privilégios, e não apenas financeiros, pois há relatos de influenciarem politicamente seus amantes. Mas também elas, a exemplo das gregas, sofriam com a ameaça constante de que a beleza sumiria e com ela a advinda da miséria.

Portanto ser mulher nessas sociedades, pobre ou rica, bonita ou feia, determinava seu destino imediato mas não a longo prazo pois todas coexistiam com a ameaça constante da miséria absoluta. Para ambas, prostitutas ou esposas, era vedado o título de cidadãs, contudo o papel exercido de uma ou outra determinava o acesso maior ou menor à liberdade[12], e em alguns casos na participação da vida pública, embora sem direito de voz.

Qual era o papel social da mulher na sociedade grega?
Ao retomar essas duas realidades, quer-se salientar o quanto se avançou hoje se comparado ao passado, seja em termos sociais (garantia de políticas públicas) como econômicos (acesso ao mundo do trabalho) e mesmo políticos. Mas também, afirmar que ainda se está longe de baixar as bandeiras de luta não apenas considerando a realidade precária de milhares de mulheres que vivem no mundo oriental, mas também os limites cotidianos encontrados no ocidente. Tanto no que diz respeito às relações afetivas mais equilibradas entre homens e mulheres (questão de gênero), como condições mais adequadas de acesso e permanência no mercado de trabalho, e com especial destaque para participação limitada das mulheres no mundo público da política. Como diz Arendt (2002), é preciso resgatar o conceito grego de política da participação nas decisões dos rumos da sociedade, questões essas que ultrapassam as melhorias econômicas imediatas de subsistência (embora essas sejam muitas vezes entraves iniciais para o engajamento das mulheres na vida política). É preciso resgatar o conceito grego de cidadania, da pessoa como um ser político que decide seu próprio destino e o da sociedade, mas para de fato ampliá-lo para o conjunto dos seres humanos. É preciso ultrapassar o discurso no campo da política e torná-lo um instrumento prático de participação e decisão efetiva, rompendo com o modelo formal e representativo do mundo público da política predominante em nossa sociedade.

Referências

ANDERSON, Perry. Passagem da Antigüidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1992.

ARENDT, Hannah. O que é Política. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

ARISTÓFANES. Lisístrata.A greve do sexo. Porto Alegre: L&PM, 2003.

PETRÔNIO. Satyricon. São Paulo: Brasiliense, 1985.

SALLES, Catherine. Nos Submundos da Antigüidade. São Paulo: Brasiliense, 1987.


[1] Segundo Salles (1987), as concubinas eram consideradas aquelas mulheres com mais sorte por serem retiradas da casa de prostituição por algum cidadão, e em alguns casos, sendo colocadas para coabitar com a própria esposa. Era uma união com a qual muitas delas sonhavam, mas o seu protetor não possuía qualquer obrigação legal, podendo empregá-las em qualquer trabalho e até mesmo abandoná-las.

[2] Segundo Salles (1987), o legislador romano Sólon teria organizado as casas de prostituição conhecidas como “Lupanar”, inclusive com cobrança de impostos, para proteger as mulheres livres dos desejos excessivos dos rapazes e daqueles que não se continham, visando manter a pureza de raça dos cidadãos. Embora houvessem casas clandestinas e mesmo prostitutas nas ruas, esta realidade é incomparável com o que será visto no Império Romano. Sólon também teria introduzido a idéia de divisão hierárquica entre as mulheres, divididas pelo critério (não econômico: pela fortuna no caso dos homens) dos papéis desempenhados: esposas livres e prostitutas (livres ou escravas). Assim como alguns escravos podiam ser livres, comprando sua liberdade (denominada de alforria), também algumas prostitutas famosas acumulavam grandes fortunas e compravam sua liberdade, mas mesmo assim não se tornavam mulheres livres (capazes de se unirem como esposas a algum cidadão), e ambos eram impedidos de serem cidadãos.

[3] Tais como Laís, Frinéia, Taís, Neera, etc.

[4] Alcebíades, um famoso político de Atenas, costumava levar sua companheira (hetaira) a atividades públicas da pólis.

[5] Salles (1987) cita o exemplo de Frinéia, umas das hetairas mais famosas que acumulou grandes riquezas e após a destruição dos muros de Tebas (em 335 a C.), reconstruiu-os e exigiu a seguinte inscrição: “Alexandre as destruiu. A prostituta Frinéia as fez reerguer”.

[6] Para Salles tal situação em alguns casos era amenizada quando algum membro da família (tipo irmão, pai, filho) assumia a responsabilidade pela viúva, mas eram situações pouco comuns.

[7] Salles (1987) menciona uma narração na qual uma mãe denominada de Crobila (esposa de um artesão) ficou viúva e após vender todos os instrumentos do marido para manter a casa, começa a orientar sua filha Corina em como tornar-se prostituta de fama, adquirindo assim o sustento de ambas. A filha não tinha mais de 10 anos.

[8] Embora há poucos registros sobre a prostituição sagrada e laica.

[9] Para ambos os teóricos, o uso de escravos em larga escala é desconhecido para as sociedades anteriores (mesmo em Atenas).

[10] Segundo Salles (1987), somente as prostitutas podiam se maquiar e deviam usar roupas escuras para serem diferenciadas das mulheres honestas. Nos festins, somente as primeiras podiam deitar-se no leito de madeira, enquanto que as esposas deviam permanecer sentadas.

[11] Agostinho disse:”se banires as prostitutas da sociedade, levarás essa ao caos por causa da luxúria insatisfeita” (SALLES, 1987, p.173).

[12] As filhas dos cidadãos, candidatas a futuras esposas eram naturalmente livres, enquanto as prostitutas tinham que comprar sua liberdade. Mas a possibilidade de liberdade de um ou outro caso é discutível, afinal as primeiras tinham o título de esposas e as vantagens inerentes ao título, e no entanto, sequer podiam sair do espaço privado, diferentes das segundas que não eram naturalmente livres e nem podiam ter o título de esposas (no máximo concubinas), e no entanto, podiam circular e participar de atividades públicas ainda que acompanhando um homem (cidadão) em Atenas. Em Roma, mesmo as esposas gozando de maiores liberdades (pois podiam circular nas ruas), eram as prostitutas mais famosas que gozavam de maior amor e às quais muitos cidadãos devotam sacrifícios e loucuras.

Qual era o papel da mulher na sociedade grega?

“As mulheres não eram consideradas cidadãs gregas, elas apenas serviam ao seu papel natural: ser mãe e dar filhos legítimos ao marido - filhos homens” (SILVA, 2008, p. 25).

Como era a vida social das mulheres na Grécia?

As mulheres não podiam participar dos debates públicos e políticos, muito embora fossem autorizadas a frequentar festas religiosas e assistir a peças teatrais, bem como ir a santuários e oráculos. Já os sacrifícios aos deuses lhes eram proibidos, pois se tratavam de rituais exclusivamente masculinos.

Qual é o papel da mulher na sociedade grega e romana?

É importante frisar que as mulheres romanas gozavam de maior liberdade, pois mesmo as esposas podiam circular nas ruas e participar dos banquetes[10]. Contudo, a prostituição era ainda mais acentuada e visível nas ruas e nos banquetes romanos.

O que as mulheres faziam na Grécia Antiga?

As mulheres da Grécia Antiga não podiam participar dos debates públicos e políticos, muito embora fossem autorizadas a frequentar festas religiosas e assistir a peças teatrais, bem como ir a santuários e oráculos. Já os sacrifícios aos deuses lhes eram proibidos, pois se tratavam de rituais exclusivamente masculinos.