Durante 10 anos, examinei milhares de crianças com síndrome de Down, cada qual com seus pontos fortes e fracos, e certamente com sua própria personalidade. Acho que nunca conheci pais que não se preocupassem o bastante com seus filhos; seu amor e dedicação sempre foi óbvio. Contudo, algumas famílias não saiam da minha cabeça. Certas vezes, pais traziam seus filhos com síndrome de Down para a clínica – não pela primeira vez – e estavam bem preocupados com mudanças no comportamento ou no desenvolvimento da criança.
Por vezes, os pais descreviam a situação e suas preocupações, tais como: a criança parou de aprender novos sinais ou de usar a fala; ela fica mais feliz brincando sozinha, parece não precisar de mais ninguém para fazer suas brincadeiras estranhas ( ficar balançando um brinquedo sem parar ou enfileirando objetos); quando chamam por ela, ela simplesmente não olha (será que não está escutando direito?); ela come apenas 3 ou 4 tipos de comida; a sugestão de uma nova comida ou mesmo de uma favorita antiga, causa um transtorno fora do comum; ela fica encarando fixamente luzes e ventiladores de teto de forma até obsessiva e fazer ela parar com isso sempre resulta em uma cena incrível; a criança precisa de uma certa ordem para fazer as coisas; trocar uma cadeira de lugar no quarto a deixa extremamente irritada, então é preciso retorná-la para o local normal.
Algumas famílias fazem sua própria pesquisa e mencionam que seu filho possa ter Transtorno do Espectro Autista ( TEA) com síndrome de Down (SD). Outras não tem nem ideia do que possa estar acontecendo. Eles apenas sabem que as coisas não vão bem e querem respostas. Esse artigo foi escrito para famílias nessa situação ou outras similares. Se seu filho foi diagnosticado com TEA e SD ou se você acha que seu filho possa ter TEA, você vai aprender um pouco mais sobre isso aqui!
O que devo procurar?
Sinais e sintomas
As crianças que avaliamos no Instituto Kennedy Krieger que tem SD com TEA apresentaram sintomas diferentes, por isso separamos elas em dois grupos:
GRUPO 1:
Crianças nesse primeiro grupo apresentam comportamento atípico desde cedo. Durante a infância ou nas idades iniciais:
- Comportamento repetitivo ( dedos na boca, bater as mãos);
- Fascinação por luzes, ventiladores ou dedos;
- Extrema recusa por comida;
- Problemas de linguagem ( baixa compreensão ou uso de gestos) dando a aparência de não escutar bem;
- Fala repetitiva ou mesmo a falta dela;
- Além desses comportamentos, outras condições médicas podem aparecer incluindo ataques, deglutição disfuncional, nistagmo ( constante movimento dos olhos) ou hipotonia severa ( flacidez no tônus muscular) com atraso no desenvolvimento motor.
Se seu filho com síndrome de Down é criança, você pode verificar um ou mais dos comportamentos listados. Isso não significa que ele tenha TEA, mas que precisa ser mais monitorado e precisará de mais intervenções ( como integração sensorial) e estratégias de aprendizagem ( como estratégias de comunicação visual).
GRUPO 2:
O segundo grupo é composto por crianças mais velhas. Esse grupo de crianças apresenta uma perda drástica na aquisição do uso de linguagem e habilidades sociais. Essa regressão no desenvolvimento pode ser seguida pela irritabilidade excessiva, ansiedade e comportamentos repetitivos diversos.
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Variação de sinais e sintomas
Embora possa haver certa similaridade entre pessoas com SD e TEA, o autismo é considerado um transtorno de espectro. Isso significa que essas pessoas podem ser diferentes de uma forma ou outra. Algumas falam, outras não. Algumas precisam de ordem e rotina, outras são mais tranquilas. Contudo, existem algumas características gerais do autismo:
- Autismo é um transtorno de espectro: podendo ser severo ou leve;
- Muitos dos sintomas coincidem com outras condições como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou déficit de atenção;
- TEA é um diagnóstico comportamental. A expressão da síndrome varia de acordo com a idade da criança e o do seu nível de desenvolvimento;
- O autismo pode coexistir com outras condições como deficiência intelectual, distúrbio convulsivo ou síndrome de Down;
- Autismo é uma condição que dura toda a vida.
Algumas características observadas em crianças com SD e TEA são:
- Respostas incomuns a sensações ( especialmente sons, luzes, toque e dor);
- Recusa de alimentos;
- Brincadeiras incomuns com brinquedos ou outros objetos;
- Dificuldade em aceitar mudanças na rotina;
- Pouca ou nenhuma comunicação;
- Comportamentos prejudiciais ( agressão – a si mesmo ou aos outros, excesso de birra ou de não aceitação);
- Hiperatividade, falta de atenção e impulsividade;
- Comportamento de autoflagelação ( se bater, se cortar, se morder…);
- Problemas de sono;
- Histórico de regressão no desenvolvimento ( especialmente na linguagem e habilidades sociais).
Obstáculos para diagnosticar síndrome de Down com Autismo
” Se parece um pato e faz quá quá como um pato… adivinhe o que é?”
Pais muitas vezes enfrentam obstáculos desnecessários ao buscar ajuda para seu filho, que inclui falha em reconhecer o duplo diagnóstico SD- TEA. Com isso, o diagnóstico acaba sendo feito apenas em casos mais severos.
Isso porque ainda existe muita falta de aceitação dos profissionais sobre a existência de TEA em crianças com síndrome de Down. Eles acreditam que um rótulo adicional é desnecessário e dizem aos pais que ” as características fazem parte da síndrome de Down”. Contudo, sabemos que isso é incorreto. Crianças com SD-TEA são claramente diferentes de uma criança apenas com síndrome de Down ou mesmo daquelas que tenham síndrome de Down e comprometimento severo.
E isso é frustrante para todos aqueles pais que buscam soluções para seu filho. Se você encontra-se nessa situação e sente que sua preocupação não está sendo levada a sério, continue tentando! O melhor conselho é confiar na sua intuição em relação ao seu filho. Em algum momento você encontrará alguém realmente disposto a analisar todas as possibilidades com você!
Adaptado do texto “Down Syndrome and Autistic Spectrum Disorder: A Look at What We Know” de GEORGE T. CAPONE, M.D.