Quais são os indicativos de que uma língua se mantém viva é atuante

De acordo com Charles Bally (Apud COSERIU, 1979: 15), �a l�ngua muda sem cessar e n�o pode continuar funcionando sen�o n�o mudando�. Trata-se do paradoxo da linguagem que nos leva � compreens�o de que a l�ngua vive em equil�brio inst�vel.

A cada momento, termos s�o considerados obsoletos, como � o caso do arca�smo trei��o e, mais recentemente, em l�ngua moderna, o mata-borr�o. Paralelamente, com o avan�o da tecnologia, muitos termos s�o incorporados � l�ngua, como, por exemplo, x�rox, videocassete, hipermercado, deletar e outros.

A l�ngua �, como diz Coseriu, um fazimento (Id., p. 100) e as mudan�as ling��sticas pertencem � ordem final, o que significa dizer que a l�ngua � um sistema para cumprir uma fun��o: a comunica��o. A l�ngua faz-se continuamente porque o falar � atividade criadora.

Desde que a Ling��stica passou a ser encarada como ci�ncia, na segunda metade do s�culo XIX, a mudan�a passou a ser uma preocupa��o dos estudiosos de l�ngua. A princ�pio, acreditava-se que a l�ngua evolu�a paulatina e gradualmente para atingir uma fase final de plenitude, quando estacionaria, caracterizando, assim, uma civiliza��o superior.

A partir do s�culo XX, com o avan�o dos estudos ling��sticos, o conceito de evolu��o passou a ser objeto de questionamento. Necessitava-se de uma defini��o para o conceito de plenitude a ser atingida pela l�ngua. Para Grimm (Apud C�MARA JR., 1979: 66), da escola alem�, a plenitude s� foi atingida pelas l�nguas cl�ssicas indo-europ�ias, altamente flexionadas, como o latim, o grego e o s�nscrito; j� para Jespersen (Id., p. 67) e outros ling�istas, a plenitude � atingida nas l�nguas modernas do ocidente europeu, pouco flexionadas, como o ingl�s moderno.

O impasse s� foi solucionado com o conceito de deriva (drift), de Edward Sapir (Id. ibid. ), da escola americana. Deriva n�o significa evolu��o. As mudan�as ling��sticas n�o s�o casuais nem desconexas. Seguem uma diretriz; h� uma corrente nas mudan�as. O conceito � neutro: a l�ngua n�o melhora nem piora; apenas constata-se que ela muda.V�rias s�o as raz�es dessa mudan�a, mas a principal situa-se na rela��o que se estabelece entre l�ngua e cultura. A rapidez ou lentid�o no processo de deriva est� condicionada a condi��es hist�rico-sociais. Observando-se uma cantiga de amigo, um soneto de Cam�es e um de Vin�cius de Moraes, observar-se-� que as diferen�as de linguagem entre os dois primeiros, pertencentes, respectivamente, � fase galego-portuguesa e ao portugu�s moderno, s�o bem mais sens�veis que entre os dois �ltimos, embora entre Cam�es e Vin�cius tenhamos quatro s�culos. Talvez a explica��o para esse fato resida no grande prest�gio social trazido pela l�ngua dos colonizadores, ensinada nas escolas, principalmente no litoral, com aspecto bastante conservador. N�o sofrendo as mudan�as operadas na Metr�pole, a l�ngua portuguesa do Brasil conserva-se, at� hoje, pr�xima da l�ngua do s�culo XVI.

Por outro lado, no interior do Brasil, as grandes massas nativas tiveram de aprender rapidamente a l�ngua dos senhores e o fizeram de modo imperfeito, acelerando, assim, a deriva. A linguagem rural ou dialetal brasileira teve, por conseguinte, r�pida mudan�a em termos fon�ticos e morfol�gicos, como se pode ver em maiada (por malhada, com iotiza��o da l�quida) e na redu��o de flex�es: n�s vai, as mesa.

Assim ,conclui-se que a mesma for�a transformadora da l�ngua dos trovadores na dos cl�ssicos quinhentistas, embora tenha sido parcialmente travada pela gramaticaliza��o e pelo ensino nas escolas, continua viva e atuante. Suas manifesta��es s�o sentidas, n�o apenas nos falares interioranos, mas na l�ngua despoliciada do povo, em geral, e at� no coloquial distenso dos gramaticalizados.

H�, entre a deriva e a escola, uma rela��o de oposi��o, como se fossem os dois pratos de uma balan�a. Se a escolariza��o entra em decl�nio, a deriva acelera; se, ao contr�rio, a escola insiste na divulga��o de uma l�ngua formal, muitas vezes artificial, a deriva � contida. Mas at� certo ponto. Segundo Mattoso C�mara (C�MARA JR., 1979: 69), dentro da flutua��o, h� uma corrente de mudan�a, que vai marcando a hist�ria da l�ngua, da mesma forma que uma s�rie de corredeiras, determinadas por depress�es de terreno e pequenas angras, estabelecem flutua��es num curso de �gua, ou seja, na corrente principal, que leva o rio para sua foz. Da mesma maneira, a l�ngua popular continua seu fluxo, impulsionada pelo declive do terreno, embora, na superf�cie, tudo pare�a fixo pela imobilidade da norma culta.

Toda mudan�a significativa que se verifique na l�ngua �, inicialmente, uma varia��o individual, mas nem todas as variantes fazem parte da deriva, s� �as que se movem em certa dire��o� (SAPIR, 1971: 155). Cada tra�o caracter�stico da deriva existe, a princ�pio, como tend�ncia, muitas vezes encarada com desprezo. Seria o caso de uma pessoa dizer largato em vez de lagarto.

N�o obstante, a deriva continua, as mudan�as se processam e, se quisermos ter uma previs�o do movimento ling��stico futuro, � para a fala despoliciada do povo que teremos de nos voltar. Segundo Sapir (Id., p. 156), �as mudan�as dos s�culos pr�ximos est�o em certo sentido prefiguradas em algumas tend�ncias obscuras do presente�.

Observando, por exemplo, o coloquial carioca, conclui-se que, em rela��o � 2� pessoa do singular, h� uma tend�ncia � simplifica��o, igualando-a �s formas de 3� pessoa. Assim, �tu vai�, �tu disse�, �tu sabia�, �tu achou�...v�o, pouco a pouco, substituindo, no Rio de Janeiro, �tu vais�, �tu disseste�, �tu sabias�, �tu achaste�, formas essas que permanecem apenas em locais de grande influ�ncia lusitana. � interessante notar que a forma simplificada j� n�o se acha marginalizada entre pessoas pouco escolarizadas; ao contr�rio, vem sendo adotada em todas as camadas da popula��o, especialmente entre jovens, em situa��es informais. Por outro lado, o tratamento voc�, de Vossa Merc�, atrav�s de vosmic�, originariamente cerimonioso, passou, pouco a pouco, � linguagem familiar e, hoje, � comum, pelo menos entre jovens cariocas, ser usado em oposi��o ao tu, em situa��es que exigem maior respeito.

Mas, como disse Sapir, �n�o podemos antecipar a deriva e manter, ao mesmo tempo, nosso esp�rito de casta� (Id., p. 157). Fica-se, portanto, em rela��o � flex�o da segunda pessoa, com o conflito mental: a aceita��o consciente e inc�moda da forma flexionada e o desejo inconsciente de empregar a forma simplificada.

L�ngua falada e l�ngua escrita tamb�m se contrap�em. Diz-se �-Me empresta a caneta?�, mas, dependendo das circunst�ncias, ainda se escreve �Empresta-me a caneta?�, procurando, de forma artificial, seguir as diretrizes gramaticais que preconizam n�o iniciar per�odos com pronomes obl�quos �tonos. O assunto � apaixonante e j� foi alvo de muitas discuss�es, at� que Said Ali chamou a aten��o para o fato de que a pron�ncia brasileira difere da lusitana, da� a impossibilidade de nossa disciplina gramatical, no que tange � coloca��o de pronomes, seguir a norma culta de l�. Mesmo assim, muitos professores ainda consideram errada essa constru��o e exigem de seus alunos a �nclise do pronome.

O brasileirismo no emprego de �lhe� como objeto direto em frases do tipo �Eu lhe conhe�o� ainda � repelido na forma escrita culta, mas bem aceito na l�ngua falada.

E o que dizer da passiva do verbo �assistir�? Quem nunca escutou dizer �O espet�culo foi assistido...�?

Quem n�o usa, distensamente, o verbo �ter� pelo �haver�? Formas como �Tem aula hoje� ou �Tinha muitos alunos na sala� j� s�o usuais. Por que alguns professores ainda insistem em corrigi-las sem nem ao menos fazer uma observa��o a respeito?

Ensina-se, ainda, a constru��o �Alugam-se casas�, considerando a passiva sint�tica e o sujeito determinado �casas�, quando, na verdade, a inten��o do falante � construir um sujeito indeterminado com �Aluga-se casas�. N�o seria o caso de pensarmos em suprimir essa passiva �sint�tica�, que, ali�s, nada tem de sint�tica?

Examine-se o caso do futuro. Sint�tico no Latim Liter�rio, anal�tico no Vulgar, veio a dar, em portugu�s, uma nova forma sint�tica, contra�da. Pouco a pouco, na l�ngua falada, com repercuss�es na l�ngua escrita, substitui-se essa forma sint�tica por outra anal�tica, empregando uma locu��o verbal. Quem, hoje em dia, diz �sairei� ao inv�s do mais expressivo �vou sair�, que revela uma intencionalidade? E que dizer das crian�as, como sempre intuitivas com rela��o ao sistema, que dizem, com tanta gra�a, �Eu vou ir�?

Estar� o futuro do indicativo sempre fadado � deriva da l�ngua? Constitui ele um ponto fr�gil do sistema? O movimento sint�tico-anal�tico, anal�tico-sint�tico ser�, em termos de futuro do indicativo, uma constante? Ser� que, um dia, iremos dizer �voam�, em forma contra�da, no lugar de �vou amar�?

Conclui-se, portanto, que as mudan�as, sejam elas f�nicas, lexicais, sem�nticas, sint�ticas ou morfol�gicas, est�o sempre latentes, convivem com os usu�rios da l�ngua em qualquer momento sincr�nico e podem, a qualquer momento, fazer parte da deriva e incorporar-se ao sistema.

�s pessoas que julgam ter a l�ngua portuguesa se estruturado no s�culo XVI, com Cam�es, e, a partir da�, permanecendo fixa, inalter�vel, respondemos que a l�ngua � processo din�mico e apresentamos algumas variantes na segunda parte desse trabalho. � certo que algumas se diluir�o com o tempo e a press�o da norma culta ensinada nas escolas; outras, entretanto, imp�em-se, seguem o rumo da deriva e �ficam para sempre assinaladas na hist�ria da l�ngua� (SAPIR, 1971: 155).

Parte II

Os casos que se seguem foram extra�dos da linguagem dos cantadores nordestinos (segundo pesquisa de Cl�vis Monteiro em textos coligidos pelo escritor cearense Leonardo Mota); da l�ngua do Nordeste, apresentada por M�rio Marroquim; do dialeto caipira, estudado por Amadeu Amaral, e de muitas manifesta��es da l�ngua falada, coloquial e vulgar, atrav�s de observa��es diretas ( linguagem televisiva, contato interpessoal etc)

Acr�scimo de fonemas

Desde o Latim Vulgar at� o portugu�s arcaico, muitos casos de pr�tese, ep�ntese e paragoge podem ser mencionados. Tamb�m o fen�meno da aglutina��o foi uma tend�ncia a ser verificada. O adv�rbio depois surgiu do refor�o, pela preposi��o de, ao monoss�labo post. A tend�ncia anal�tica do povo, desde o latim vulgar, repelia monoss�labos significativos. Cor foi substitu�do por *coratione , que deu cora�on e, depois, cora��o.

Ainda nos dias atuais, sente-se a tend�ncia a evitar o monoss�labo t�nico, acrescentando a ele outro monoss�labo �tono. � pergunta �Ele tem que fazer...?�, � comum a resposta �Tenque�.

Sabe-se que memorare, do latim cl�ssico, deu *mem`rar, com s�ncope do o, e, depois, membrar, por ep�ntese. Nos empr�stimos modernos, � comum acrescentar-se e por motivos euf�nicos: beef deu bife.

Hoje, temos, extra�do de A l�ngua do Nordeste, �passarim avoe mais baixo� (MARROQUIM, 1945: 122), com pr�tese do a.

Outros exemplos: alembrar por lembrar; arripitir por repetir; alevantar por levantar; assentar por sentar. � freq�ente a ep�ntese de e ou i para desfazer os chamados encontros consonantais disjuntos: adevogado por advogado; peneu por pneu; obiturar por obturar. A tend�ncia a desfazer grupos consonantais foi notada em pleno portugu�s arcaico, quando *bratta (de blatta) > barata e *fevrairo (de februariu) > fevereiro.

Subtra��o de fonemas

Fen�meno comum no Latim Vulgar foi a ap�cope, que se observa principalmente nos infinitivos verbais (amare > amar). Os exemplos de s�ncope se fazem mais notados em casos de proparox�tonos. Parece que evitar o proparox�tono � tend�ncia da l�ngua popular. Assim, oculu > oclu ( e olho por palataliza��o); veritate > verdade.

Tamb�m a crase foi fen�meno freq�ente: coor > cor ; pee (de pede) > p�; veer (de videre) > ver.

Mas estes fen�menos, iniciados no Latim Vulgar, continuaram no portugu�s arcaico (see > s�; avoo > av�) e permanecem na l�ngua popular, no coloquial distenso e nos falares regionais de nossos dias. A deriva continua e ningu�m pode deter o seu fluxo.

Observem-se os seguintes textos extra�dos de A l�ngua do Nordeste, de M�rio Marroquim: De duas coisa a mais feia / Progunto aos home do ensino: / Se � mui� que fala grosso / Se � freguei falando fino. (MARROQUIM, 1945: 189)

Temos coisa por coisas, simplificando a flex�o, ao omitir o morfema de plural (fen�meno n�o apenas regional, mas uma constante na fala dos pouco escolarizados); idem em rela��o a home, onde se suprime, tamb�m, a nasalidade; mui�, com ap�cope e iotiza��o.

Analisando a linguagem dos cantadores, Cl�vis Monteiro faz, entre outros, o seguinte coment�rio:

Desnasaliza��o - e final ( = i) n�o conserva, em regra, a resson�ncia nasal que na escrita se representa por m: home-, orde-nuve-, image-, corage- etc; Queda: a) - o final ( = u), precedido da semivogal i, cai algumas vezes nos diss�labos, principalmente em pr�clise, e quase sempre nos poliss�labos: mei-dia, ferroi- etc. cai igualmente quando o i que o precede � vogal nasal: vizio (com i nasal) > vizim ( = vizinho), camio (com i nasal) ( = caminho) > camim, nio (com i nasal) ( = ninho) > nim. Em virtude desta tend�ncia, de que �s vezes nem sequer se isentam, pelo menos no falar corrente, as pessoas cultas, reduz-se a im o sufixo inho; , b) - Nos parox�tonos, tende a desaparecer a prot�nica, assim esteja entre r e outra consoante que possa com o r formar grupo: embara�a > embra�a; c) - Nos proparox�tonos, que a l�ngua popular sempre repele, cai a post�nica, embora esteja entre consoantes que se n�o possam agrupar: s�bado > sabo, esp�rito > esprito, v�spera > vespra e vespa (n�o aparece nos textos sen�o a �ltima forma),t�tulo > titlo > tito (somente a �ltima � que vem nos textos) etc. (MONTEIRO, 1933: 55)

Seguem-se outros exemplos: O home que rapa a croa / Ou � padre ou frade ou reis (Jacob Passarinhos - cantadores,52) (Id., p. 104); � mui� ! mas oc� n�o v� que vem bem dize nua!... (Cantadores, 335) (Id., p. 235)

Citemos ainda: g�entar por ag�entar; pera� por espera a�; magina por imagina; gibera por algibeira; isprito por esp�rito; ridico por rid�culo; nego por negro; poblema por problema; Petropis por Petr�polis; fosfo por f�sforo; abobra por ab�bora; veno por vendo (fen�meno comum em MG, SP, GO e BA); quano por quando; arvre por �rvore; vibra por v�bora; jorn� por jornal; vestidim por vestidinho; padim ou padrim por padrinho; revolves por rev�lveres; figo por f�gado; passo por p�ssaro; arfere por alferes.

Permuta de fonemas

Na passagem de *monisteriu, do latim vulgar, a m�esteiro, houve met�tese do / i / em favor de um ditongo decrescente; tamb�m uma permuta ocorreu de fermosa para fremosa, atingindo a l�quida.

Pela observa��o dos fatos, chegou-se � conclus�o de que as met�teses tinham por fun��o evitar hiatos e ditongos crescentes, transformando muitas vezes a vogal / i / em semivogal / y / , ou atingiam as l�quidas por sua instabilidade.

Tamb�m movimentos de s�stole e di�stole foram comuns no Latim Vulgar: amassemus (por amavissemus) deu am�ssemos; muliere (com e breve) deu muliere (com e longo) e esses movimentos tamb�m atingiram a l�ngua portuguesa. Assim, a forma arcaica ben��o ( de ben�on, do latim benedictione) deu b�n��o.

Nos dias atuais, a permuta de fonemas continua. O povo mant�m a ojeriza a hiatos e ditongos crescentes . Dizem tauba por t�bua. A dificuldade com a l�quida continua: lagarto ou largato? Foge-se dos proparox�tonos: cris�ntemo ou cris�ntemo? Quem , hoje em dia, diz az�lea em vez de azal�ia? E quantas vezes ouvimos perguntar se �o parto t� na partelera�? E quantas pessoas falam que est�o sastifeta (com met�tese, absor��o do / i / e simplifica��o da flex�o)? E que dizer de bicabornato, estauta, areoporto, a�alp�o?

M�rio Marroquim menciona: �Vou faz�-lhe uma pregunta / Pra voc� me destrinch�... (MARROQUIM, 1945: 212)

Cl�vis Monteiro apresenta a met�tese de determinado em: Ficou cento e oitenta e tr�s / Mas homes ditriminado... (MONTEIRO, 1933: 48)

Vocaliza��o, ditonga��o e monotonga��o

Na passagem de Latim Liter�rio a Vulgar, desse ao roman�o e ao portugu�s arcaico, in�meros casos de vocaliza��o, ditonga��o e monotonga��o foram observados. A forma gr�o, apocopada de grande, usada em t�tulos, como gr�o-vizir, era, a princ�pio, gr�, ditongando-se no s�culo XIII, ocasi�o em que as formas an e on se igualaram em �o. O mesmo processo se deu em rela��o a verbos: mandar� passou a mandaram.

A absor��o do u semivogal levou � monotonga��o em formas como duodeci que deu doze.

A vocaliza��o � notada em casos, como nocte > noite.

Observe-se, agora, a linguagem dos cantadores: A� chamaro pra janta (Idem, p. 67). A forma chamaram , ditongada, foi substitu�da por chamaro, monotongada. Formas como velho, abelha ,orelha, filho vocalizaram-se em veio, abeia, oreia, fio. Por sua vez, nascer, cruz, n�s, fruta, caranguejo, ditongaram-se, apresentando-se como

naiscer, cruiz, n�is, fruita, carangueijo, mais.

Assimila��o, dissimila��o, nasala��o, metafonia

A forma arcaica moesteiro, de *monisteriu, deu moosteiro por assimila��o. Tamb�m manairo (de manuariu) deu maneiro por assimila��o.

Eo

(por ego) passou a eu por oclus�o (ditonga��o com metafonia). A forma esta (�) de ista (com i breve) passou a esta (�) por influ�ncia do / a / aberto.

Formosa

passou a fermosa por dissimila��o. Igual fen�meno ocorreu com membrar (de memorare), que passou a nembrar e, posteriormente, a lembrar, sempre ocorrendo dissimila��o

O / n / de inimicu desaparece, deixando a nasala��o na vogal anterior: eemigo (com til no primeiro e). Assim tamb�m, luna > lua (com til no / u / ) > lua, desnasalizando; lana > l�a > l�, por crase; vinu > vio (com til no i) > vinho, com deslocamento da nasalidade e palataliza��o.

Esses fen�menos n�o se interromperam com a estrutura��o da l�ngua no s�culo XVI. A deriva continua. N�o p�ra nunca, porque a l�ngua �, como disse Coseriu, um permanente fazer-se. (COSERIU, 1979: 32)

Cl�vis Monteiro extrai da linguagem dos cantadores o seguinte exemplo de nasala��o: S� pros outros se inzempl� (tomar como exemplo) (MONTEIRO, 1933: 49). M�rio Marroquim observa, na l�ngua do Nordeste, um exemplo de assimila��o parcial, em que a palatal / i / atrai o / a / para formar o ditongo / ei / , fato esse que demonstra o aspecto arcaizante registrado no portugu�s do Brasil: Pax�o � on�a cabrera / Qui se amoita nas vareda / E pega a gente �s trei��o.... (MARROQUIM, 1945: 69)

Vejam-se outros casos esparsos registrados no falar brasileiro: interesse = enteresse = enterese; flagrante = fragrante (com rotacismo, proporcionando a confus�o entre par�nimos);

discuss�o = discurs�o; touro = toro; roupa = ropa; trouxe = truxe; soube = sube; ignor�ncia = inguinor�ncia; mendigo = mendingo; elei��o = inlei��o; mortadela = mortandela; sobrancelha = sombrancelha.

Oscila��es: om / am / �o; b / v; a / e; l / r; e / i

Assim como ora�on (de oratione) deu ora��o, n� deu n�o, b�o > bom, por fen�menos de oscila��o ocorridos no s�culo XIII. Mas, nos dias atuais, vemos as variantes bom / b�o, tom / t�o, est�o / estam (este, fen�meno apenas gr�fico).

A degenera��o b / v existiu no latim vulgar. Observem-se os seguintes casos: habebat > haveva (origem de havia); par�bola > paravra; tenebras > treevas (com til no primeiro / e / ). Ainda hoje notamos esse fen�meno em casos como: bilhete = viete, mangaba = mangava;vamos = bamos. � uma diferen�a f�nica que se nota, sobretudo, entre a l�ngua portuguesa falada no Brasil e em Portugal. Entre os portugueses, � comum a fricatiza��o do / b / , pronunciado quase como / v / .

Estudando-se a l�ngua diacronicamente, sentem-se oscila��es freq�entes entre a / e, e / i. Vejam-se: havea > havia por fechamento; alfa�a > alface, por analogia com couve, espinafre etc.. Hoje, nas variedades , tanto diastr�ticas quanto diat�picas, notam-se, ainda, essas oscila��es: seja = seje; Bartolomeu = Bertolomeu; esteja = teje, com af�rese; espiral = aspiral; c�rie = caria; alpiste = alpista.

Observando as consoantes l�quidas / l / e / r / , desde o latim vulgar at� a forma��o da l�ngua portuguesa, chegamos � conclus�o de que representaram um ponto fr�gil no sistema, sendo constantes, n�o s� as met�teses por elas provocadas, mas tamb�m a oscila��o entre ambas, com n�tido predom�nio do rotacismo, que mant�m a consoante / r / . Vejamos: ecl�sia > igreja; affligere > afrigir (arc.); implicare > empregar; par�bola > paravra, passando a palavra por dissimila��o.

Nos dias atuais, o fen�meno continua: Cheguei agora, mo�ada, / j� esco� meu cumpanhero: / quem � b�o nua trucada / rebusque quarqu� parcero (AMARAL, 1955: 141) / / H�me, bamo vort� pra casa. Notamos, ainda, entre outras, flauta = frauta, planta = pranta; Flamengo = Framengo; flor = fr�...

Poder-se-iam citar mais e mais exemplos. Nossa l�ngua � rica em variedades. Mas o que importa � a constata��o pura e simples de que a l�ngua n�o parou com Os Lus�adas nem com a gramaticaliza��o e o estabelecimento de uma norma culta. A deriva continua porque a l�ngua � processo e seus resultados, sob o ponto de vista da Ling��stica Hist�rica, s�o t�o v�lidos hoje quanto o foram outrora.

O estudo da l�ngua como um diassistema, abordando todas as suas variedades, n�o � apenas importante, mas tamb�m indispens�vel para o conhecimento da l�ngua. Descrever uma l�ngua sincronicamente � apresent�-la diastr�tica e diatopicamente e proceder � an�lise de seus fatos. Seria conveniente, pois, sugerir-se que os comp�ndios de Hist�ria da L�ngua ressaltassem tamb�m esse aspecto de mudan�a cont�nua e abonassem os estudos hist�ricos com a apresenta��o de fatos ling��sticos atuais.

REFER�NCIAS BIBLIOGR�FICAS

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AMARAL, Amadeu. O dialeto caipira. S�o Paulo: Anhembi, 1955.

C�MARA JR., J.Mattoso. Introdu��o �s l�nguas ind�genas brasileiras. Rio de Janeiro: Ao Livro T�cnico, 1965.

Quais os indicativos de que uma língua se mantém viva e atuante?

Viva, a língua está sempre se modificando ao longo do tempo e do espaço geográfico. Ela absorve novas palavras, assume gírias e, de tanto ser usada, pode até contrair expressões. Isso acontece a todo momento, mesmo que de forma imperceptível.

O que mantém uma língua viva?

Para o teórico russo Mikail Bakhtin e seu círculo de estudiosos, a língua tem vida porque é um diálogo contínuo entre os sujeitos sociais.

Quais são os fatores que contribuem para o dinamismo e a vivacidade da língua portuguesa?

Ao estudar variações de origem socioeconômica, gênero, faixa etária, nível de escolaridade e região, é possível perceber esse dinamismo. Cada grupo social é capaz de modificar o falar e o escrever, mas em geral, a população mais jovem é disparadora das mudanças.

Quem disse que a língua é viva?

O poeta brasileiro Olavo Bilac (1865-1918) já descrevia a língua portuguesa como algo vivo. Essa característica, aliás, é atribuída pelos linguistas a todos os idiomas.