Quais as consequências da dependência de gás natural russo para população dos países da Europa Ocidental?

No final de abril, a Rússia anunciou que, além de destruir "grande quantidade" de armas, que os países ocidentais entregaram à Ucrânia, ainda cortou o fornecimento de gás para Polônia e Bulgária, porque elas não pagaram pelo abastecimento em rublos, a moeda russa.

A suspensão, realizada pela estatal Gazprom, poderá causar grande prejuízo para os dois países, que são membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e da UE (União Europeia). E colocou os outros países europeus em alerta máximo.

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A Rússia é o principal fornecedor de gás do continente, responsável por 40% das importações do bloco, segundo dados da Bruegel, consultoria especializada em economia.

O governo Putin avisou em março que agiria caso sanções econômicas fossem impostas ao setor energético. Até o momento, o carvão foi o único produto da categoria a receber embargo dos europeus.

Mas, segundo Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, o bloco não ficará desamparado caso aconteça a interrupção do fornecimento do gás e está elaborando uma "resposta coordenada" para o cenário.

O pode acontecer em caso de cortes?

Cada país da Europa tem um nível de dependência do gás russo, então quanto maior for a participação do item no consumo do país, maior será a ameaça de impacto econômico, diz Eduardo Mello, especialista em relações internacionais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

"Alguns desses países que são dependentes da importação de gás natural da Rússia investiram muito na infraestrutura para receber petróleo e gás. E uma parte relevante do parque industrial dessas economias depende diretamente dessa fonte de energia. Então, a redução ou mesmo o encarecimento do gás natural já vão atingir o PIB desses países", explica.

Participação do gás natural da Rússia no consumo de cada país

  • Macedônia do Norte: 100%
  • Bósnia e Herzegovina: 100%
  • Moldávia: 100%
  • Letônia: 93%
  • Finlândia: 97%
  • Bulgária: 85%
  • Áustria: cerca de 60%
  • Hungria: cerca de 60%
  • Alemanha: entre 49% e 55%
  • Itália: 46%
  • Polônia: 80%
  • França: 24%
  • Holanda: 11%

(Fontes: Statista.com, Bruegel e Eurostat)

Caso os russos cortem todo o fornecimento do produto para o bloco europeu, a região ainda poderia sobreviver no próximo inverno, mas não seria de uma forma fácil ou barata, de acordo com o relatório da Bruegel, divulgado no dia 28 de fevereiro.

Se a UE for forçada ou estiver disposta a arcar com o custo, poderia ser possível substituir o gás russo já para o próximo inverno europeu "sem que a atividade econômica seja devastada, as pessoas congelem ou o fornecimento de eletricidade seja interrompido", disseram os pesquisadores da Bruegel.

Mas, para isso acontecer na prática, dezenas de regulamentos, procedimentos e operações precisão ser revisitados. Ou seja, "muito dinheiro gasto rapidamente e decisões difíceis tomadas", ressaltam eles.

Além disso, em um cenário de corte total, a Europa precisaria reduzir a demanda do produto em pelo menos 400 terawatts-hora, ou cerca de 10% a 15% da demanda anual.

Para atender essa diminuição, o bloco poderia aumentar o uso de combustíveis alternativos, como carvão, retardar a desativação de usinas nucleares ou diminuir a demanda de grandes investidores industriais. (Com agências internacionais)

Com sanções abrangentes, o Ocidente tenta cortar as fontes de finanças do presidente russo, Vladimir Putin. Mas seria possível fazer ainda mais para dar fim à guerra ofensiva contra a Ucrânia? Os Estados Unidos, Reino Unido e Canadá já deram um passo adiante, ao proibir em parte as importações de energia da Rússia.

O mesmo não acontece na Europa: segundo estimativas, apenas a Alemanha transferiria todos os dias ao país agressor centenas de milhões de euros pelo fornecimento de energia. A justificativa de Berlim é que uma suspensão radical prejudicaria extremamente a economia alemã.

No momento, especialistas debatem acirradamente qual seria a extensão real desses danos, e se a Alemanha não poderia, sim, passar sem a energia importada da Rússia.

Suspensão de importações possível e manejável

Já no começo de março, um grupo de estudiosos da Academia Nacional de Ciências Leopoldina anunciava que a consequência de uma suspensão em curto prazo do fornecimento de gás natural russo seria "manejável" para a economia alemã.

Em entrevista recente ao jornal Tagesspiegel, depois de ter calculado os eventuais efeitos, juntamente com outros colegas seus, o economista Rüdiger Bachmann, da Universidade de Notre Dame, em Indiana, EUA, afirmou que um embargo dessa fonte de gás seria perfeitamente possível.

Suas conclusões se basearam num "modelo detalhado de 40 países, incluindo as relações comerciais mundiais e considerando a estrutura de input e output no nível setorial". Segundo ele, o corte das importações de gás russo faria o PIB cair de 1% a 3%. Em comparação, em 2020, a pandemia de covid-19 ocasionou uma perda de quase 5%.

"Claro que isso é enorme, mas não é nada que não se possa contrabalançar com medidas de política econômica, mesmo que o prejuízo fosse duas vezes maior", reforça Bachmann. Além disso, ressalva que o valor agregado bruto dos setores que foram fechados na crise sanitária não é menor do que o dos setores afetados agora, sobretudo o químico.

Advertências do setor industrial

O sindicado IGBCE, dos setores de mineração, química e energia, se apressa em alertar que a medida pode resultar numa considerável perda de postos de trabalho, pelo menos se não haver compensação. Caso os sítios de produção química da Alemanha tivessem que reduzir atividades, seus produtos faltariam em diversos setores econômicos, como a indústria farmacêutica e a de construção, o que "poderia até mesmo se fazer sentir em nível mundial".

Da indústria siderúrgica partem igualmente tons apreensivos. "Sem o gás natural da Rússia, no momento a produção de aço não seria possível", declarou a associação do setor, WV Stahl, na terceira semana de março. Segundo ela, como o aço é a matéria básica e ponto de partida de praticamente todas as cadeias de produção industriais, uma suspensão das importações poderia resultar, não só em paralisações da produção siderúrgica, como o colapso da indústria da Alemanha e da União Europeia.

A confederação patronal Gesamtmetall, da indústria metalúrgica e eletrotécnica também adverte: tal passo poderia "acarretar, no curto prazo, que não haja mais fonte de calor de processamento para a indústria e a manufatura": "Teríamos muito rapidamente paralisação da produção em muitas áreas", como na de alimentos e carne ou química, explica o diretor-gerente Oliver Zander.

Quais as consequências da dependência de gás natural russo para população dos países da Europa Ocidental?
Invasão da Ucrânia selou destino de mega-gasoduto teuto-russo Nord Stream 2Foto: Hannibal Hanschke/REUTERS

Dados semelhantes, pontos de vista conflitantes

O economista Bachmann argumenta que uma interrupção da produção química é viável, pois os produtos do setor são substituíveis. Para Michael Hüther, do Instituto da Economia Alemã (IW), contudo, tal raciocínio é limitado demais, pois o fornecimento de produtos básicos químicos estaria intimamente integrado a outras cadeias de produção do país.

"Se paralisarmos o setor químico por um ano e meio, como ocorreria no caso de um embargo do gás, isso seria nada menos do que o fim da produção de materiais básicos na Alemanha", afirma Hüther.

Ele também critica a comparação, feita por Bachmann, com os fechamentos devido à pandemia: na época, teriam sido afetados, por um tempo mais longo, setores do consumo privado não interligados, como hotéis, restaurantes e eventos, "mas agora estamos falando de uma cadeia de processamento especializada, com interconexão muito maior".

Moritz Schularick, economista da Universidade de Bonn, também calculou numa análise que a interrupção das importações de gás seria suportável, com uma queda entre 0,5% e 3% do PIB. "Nós importamos cerca da metade do gás da Rússia, por gasodutos, o que não dá para compensar rapidamente", comentou em entrevista ao semanário Der Freitag.

O combustível se destina, em parcelas quase iguais, à calefação doméstica e à indústria, onde também é usado principalmente usado para gerar calor. Porém "cerca de 5% vão para a utilização como matéria-prima, onde é insubstituível, pois é empregado exatamente nessa forma". Porém contenções do uso do gás – na forma de temperaturas de calefação mais baixas, saneamento dos prédios e mais eficiência – podem, em parte, ajudar a abrir mão do produto russo.

Lacunas de abastecimento dinâmicas e cenários apocalípticos

Schularick critica Ministério alemão da Economia por, ao que tudo indica, estar pensando sobre as facunas de abastecimento de forma estática demais, comparando com o ano anterior e se perguntando como será possível fechá-las sem o gás russo.

"Mas essa lacuna é dinâmica: não precisamos daquilo que aprendermos a poupar até o inverno": com espírito inventivo e artes de engenharia, é possível reduzir a demanda de gás, prossegue o economista. Talvez se possa até mesmo diminuir o consumo, importando certos produtos que exigem muita energia.

Segundo a Confederação do Setor de Energia e Água (BDEW, na sigla em alemão), o potencial de poupar gás nas residências particulares é de 15%; na manufatura, comércio e prestação de serviços, de até 10%; enquanto a indústria pode contribuir com mas 8%. O maior potencial de economia estaria no abastecimento elétrico, onde o consumo pode ser baixado até 36%.

Em contrapartida, Achim Wambach, do Centro de Pesquisa Econômica Europeia (ZEW) alerta: "Um embargo energético desses seria único na história e teria efeitos consideráveis sobre a conjuntura. Ele teria efeitos político-econômicos, basta pensar nos 'coletes amarelos' da França."

Também o presidente do Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica (RWI), Christoph M. Schmidt, avisa que no momento é "quase impossível fazer afirmativas confiáveis sobre a ordem de grandeza das consequências econômicas que estariam relacionadas".

"Quem minimizava dependência agora diz que não se pode quebrá-la"

Apesar das inseguranças, na sexta-feira (25/03), numerosos antigos e atuais representantes do alto escalão da economia, política e ciência, alemães e estrangeiros, assinaram uma carta aberta ao governo em Berlim, reivindicando: "Vamos parar de financiar a guerra: suspensão imediata das importações de petróleo e gás russos!"

Falando ao jornal Handelsblatt, Schularick, da Universidade de Bonn, também criticou as decisões da política: "Há décadas os economistas praticam consultoria política baseada em evidências; e quando chega a hora, fazemos política na base do instinto."

Além disso, os políticos consultam as mesmas associações e empresas que, nos últimos dez anos, repetiam que a dependência em relação à Rússia não tinha o menor problema: "Os mesmos dizem agora: 'Não podemos nos desligar tão rápido assim do abastecimento energético pela Rússia.'"

Uma entrevista transmitida no último fim de semana parece confirmar o ponto de vista do economista: na emissora de TV ARD, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, criticou os cientistas econômicos, pois seria "irresponsável ficar calculando uns modelos matemáticos quaisquer, que aí não funcionam".

Quais as consequências da dependência de gás natural russo para população dos países da Europa Ocidental?
Ministros alemão da Economia, Robert Habeck (esq.) e catariano da Energia, Saad Sherida al-Kaabi, discutem possíveis importaçõesFoto: Bernd von Jutrczenka/dpa/picture alliance

No entanto, os representantes da economia sabem muito bem que a realidade é bem diferente, ressalva Schularick: o gás tem que chegar aonde será utilizado, mas os canais para tal ainda não estão prontos. Além disso, muitos gasodutos nos Estados da Europa Oriental estariam inteiramente voltados a um abastecimento a partir do leste.

No longo prazo, a Alemanha se empenha até bastante intensamente para reduzir a dependência em relação à Rússia e promover a guinada energética. Segundo o ministro da Economia Robert Habeck, até meados de 2022 as importações de petróleo russo deverão estar reduzidas à metade, e até o trimestre seguinte o país poderá ter se desligado inteiramente do carvão mineral do país em guerra. Recentemente ele esteve no Catar para negociar alternativas de abastecimento.

Segundo o ministério, a percentagem do fornecimento de gás russo já caiu de 55% para 40%. Porém só em meados de 2024 a Alemanha talvez tenha conseguido ficar quase independente dessa fonte, excetuada uma pequena parcela. Isso, contudo, também depende do ritmo da expansão das energias renováveis, assim como de uma redução consequente do consumo, em todos os níveis.

Que consequência a grande dependência do gás russo traz aos países europeus?

A invasão da Ucrânia pela Rússia ensombrou ainda mais as perspetivas de crescimento mundial, com a economia europeia a enfrentar um grave retrocesso tendo em conta as ligações comerciais, de investimento e financeiras com os países em conflito.

Qual a dependência da Europa do gás russo?

Alvo da decisão da Gazprom, a Bulgária depende em 85% do gás russo, mesmo nível da Eslováquia. E a Alemanha, principal economia europeia, depende em 55%, mas o governo garante que "o fornecimento está atualmente garantido".

Qual é a importância do comércio de gás natural entre a Rússia e Europa Ocidental?

Qual a importância do comércio de gás natural entre a Rússia e a Europa ocidental? RESPOSTA: Uma das principais fontes de receita russa é a exportação de recursos energéticos, como o gás que é vendido para a Europa ocidental, por exemplo.

Por que a Europa depende largamente do fornecimento do gás natural russo?

A Europa depende do fornecimento de gás natural russo porque o continente não tem reservas suficientes do combustível para atender a sua demanda, sendo a Rússia o maior produtor mundialCarentes dos recursos naturais como petróleo e gás natural, que são usados como forma de energia e combustível, a Europa está criando ...