Porque uma guerra entre EUA e China pode impactar a economia brasileira?

O mais novo capítulo da crescente tensão entre Estados Unidos e China aponta que o embate entre as duas potências deve se prolongar, reduzindo o crescimento mundial e os preços das commodities, o que criaria um ambiente mais adverso para o Brasil. O aumento das incertezas pode levar a uma retração do investimento global, um ambiente que pode “contaminar” o país, que custa a engatar uma recuperação econômica.

Num ambiente de maior aversão ao risco, uma depreciação cambial mais prolongada pode ter impacto na inflação, mas limitado. Para economistas, o repasse desses choques para os preços tem sido limitado nos últimos tempos pelo alto nível de ociosidade da economia e pela fraca demanda interna, entre outros motivos.

“Evidências mais recentes mostram que o repasse cambial é menor que foi no passado”, afirma Livio Ribeiro, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

Mas o ambiente global está mais suscetível a choques, pondera. Por um lado, há um ambiente que leva a juros mais baixos, por outro há mais instabilidade. “É um grande tema de tensão que tende a jogar o crescimento para baixo e os custos de produção para cima. Mas não necessariamente isso chega à ponta final.”

No curto prazo, as exportações de soja seriam beneficiadas. Mas no geral a briga dos gigantes globais não beneficia o Brasil. A tensão cresce num momento em que a atividade mundial já vive um cenário conturbado, com dados de comércio apontando para baixo e expectativa de desaceleração nas principais economias e nos vizinhos da América Latina, afirma o economista do Ibre.

Ribeiro, para quem foi surpreendente o movimento do yuan (a moeda chinesa) ontem, diz que a briga entre EUA e China não se resume a comércio e câmbio. É geopolítica. “É uma luta por hegemonia. Sobre quem vai ser a potência dominante, em termos tecnológicos e econômicos daqui a 50 anos”, diz.

Assim, as tensões não vão se dissipar no curto prazo. “Essa confusão toda nunca esteve perto do fim. Não dá para dizer para aonde vai, mas a solução não será rápida e teremos inúmeras fases de melhora e piora.”

Enquanto essa disputa se desenrola, uma “tempestade perfeita” está em curso na China, observa. Há os protestos dos cidadãos de Hong Kong, a ponta de instabilidade social mais visível da China, que tem como pano de fundo a desaceleração da economia, a dificuldade na geração de emprego, aumento da inflação de bens essenciais, como alimentos, e problemas no setor de intermediação financeira.

“Vemos isso nos dados do PIB chinês. Há problemas aparecendo no consumo, nos investimentos. No meio de tudo isso, uma guerra comercial que não ajuda”, observa Ribeiro, para quem a desvalorização do yuan tem que ser entendida nesse contexto.

A desvalorização da moeda chinesa deve ser vista como um sinal de Pequim de que vai enfrentar de forma mais aguerrida as posturas dos EUA no comércio internacional, afirma Rodolfo Cabral, especialista em economia internacional da 4E Consultoria.

“Isso causa uma preocupação adicional, até porque a China tem baixa margem de manobra e não quer provocar uma desaceleração forte de sua economia”, diz. “Acho que pode até haver mais desvalorização, mas hoje (ontem) foi mais um sinal do governo que um movimento permanente no câmbio.”

Para Cabral, como essa “guerra” é por hegemonia, haverá novos capítulos. “Mas em nome da racionalidade econômica eles devem ter uma trégua em algum momento, mas no curto prazo veremos bastante volatilidade”, acredita.

Enquanto o crescimento da China já sente os efeitos dos embates comerciais com os EUA, a atividade econômica americana deve ter sinais mais evidentes a partir do terceiro trimestre. Dados do PIB americano de abril a junho, contudo, já mostraram retração nos investimentos privados, afirma Roberto Dumas Damas, professor de Economia Internacional e Chinesa do Insper.

“As incertezas sobre o crescimento nos EUA já são sentidas nos investimentos”, diz Damas. A incerteza tem potencial para frear os investimentos globais. “Tudo mostra que está vindo uma tempestade pesada. Os alertas estão acesos e 2020 não está bonito para a economia mundial.” No front doméstico, uma desvalorização cambial mais duradoura poderia afetar a inflação e ciclo de cortes de juros. “Há um vento de proa pesado no mundo. Isso bate no câmbio. Se se estender, pode suscitar uma parada na queda de juros. É bom lembrar que estamos perto da meta [de inflação]”.

O combate aos produtos "made in China" é uma bandeira de campanha do presidente dos EUA, Donald Trump. Desde março, ele começou a colocar em prática sua política 'America First' (América Primeiro, na tradução livre), que tem entre seus focos fortalecer a indústria americana em detrimento de produtos importados.

Medidas e retaliações

Acompanhado de representantes da indústria do aço e alumínio, Donald Trump assina medida que aumenta tarifas de importação para aço e alumínio — Foto: Leah Millis/Reuters

Para José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), os EUA miraram a China, mas se deram conta de que poderiam provocar um embate global generalizado ao disparar contra outros países, como Brasil, União Europeia, México e Canadá. Essas nações foram retiradas uma a uma temporariamente da lista.

Depois disso, os EUA calibraram a mira e direcionaram suas ações contra a China. E desde então os dois países estão queda de braço, com uma sequência de medidas de um contra o outro (veja cronologia completa no fim desta reportagem).

É guerra comercial?

Geralmente, são denominados guerras comerciais os conflitos iniciados quando um país impõe tarifas comerciais à importação de uma nação, que corresponde sobretaxando os produtos de seu concorrente.

Entre os especialistas, ainda não há consenso sobre como caracterizar uma guerra comercial. “O que a gente está vendo é uma guerrilha entre os dois”, diz Castro.

“Só EUA e China estão envolvidos. Não querem iniciar uma guerra, mas ninguém quer evitar também.”

“Por enquanto, é mais um conflito retórico limitado a ameaças de menor potencial. Mas pode evoluir para algo mais sério se não surgir uma saída pela negociação”, avalia o diretor da escola de investimentos internacionais do Grupo L&S, Liberta Global, Leandro Ruschel.

Disputas comerciais x OMC

As disputas comerciais entre países são frequentes e quem define as regras do comércio internacional e eventuais soluções de conflito é a Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão criado nos anos 90.

Quando um país quer questionar as práticas comerciais de outro ele pode abrir um painel na OMC para solicitar mudanças e até mesmo o aval para retaliar o concorrente.

“Na OMC, geralmente as retaliações são consentidas caso a caso, e a entidade avalia se de fato há um dano ou uma situação injusta concorrencial e se o país [acusado] está autorizado a adotar tarifas contra outro neste mercado por determinado tempo”, diz Ruschel, da L&S.

Mercadorias da China partem em navio em um porto na província chinesa de Shandong — Foto: AFP

“A China está tentando mostrar para a comunidade internacional que ela está seguindo as regras, e os EUA, não”, comenta o presidente da AEB.

Trump tem criticado recorrentemente a OMC. Nesta sexta-feira, disse que a organização é "injusta com os EUA". Já a China tem um histórico controverso na instituição. Mesmo depois de entrar na entidade em 2001, o país ignorou as exigências que deveria implantar ao longo de 15 anos para ser encarada como uma economia de mercado.

Efeitos da guerra

Guerras comerciais podem gerar efeitos negativos para os dois lados, caso não terminem em uma solução negociada. Nesse caso, no entanto, como os envolvidos são as duas maiores potências mundiais, os lances do conflito tendem a afetar a economia de outros países em nível mundial. Isto porque as cadeias de produção e consumo estão interligadas.

Os especialistas ouvidos pelo G1 são categóricos em um ponto: a guerra pode levar a uma escalada de tarifas, aumentar os custos as exportações e gerar um ciclo de diminuição do comércio internacional. Por tabela, isso freia o crescimento econômico global.

Contêineres da China em Long Beach, na Califórnia — Foto: Reuters/Bob Riha Jr.

O exemplo de como a bola de neve gerada pelas sobretaxas a um produto sobre sua cadeia é o que pode ocorrer com o aço, diz Castro, da AEB.

“Se eu taxo o aço e aumenta o custo dessa matéria-prima de vários produtos, desde os automobilísticos até eletroeletrônicos, sobe o preço de todos esses itens”, diz. “Como cresce o preço no mercado nacional, vou vender menos, gerar menos empregos ou até gerar desemprego. Vão sobrar commodities no mundo, o que puxa os preços delas para baixo e atinge diretamente todos os países emergentes, que são dependentes de exportação delas”.

O desequilíbrio sobre o comércio internacional também exerce pressão sobre o câmbio, diz Castro. “Com isso, há uma valorização do dólar e uma desvalorização das moedas, especialmente nos países emergentes. Essa queda estimularia a exportação, mas implicaria na importação, que ficaria mais cara.”

Para Ruschel, o efeito mais perverso seria a intensificação de tensões geopolíticas, que aumentaria as chances de conflitos reais e até militares.

Por que os EUA começaram a briga

Há anos, os EUA possuem com a China um considerável déficit comercial, que é a diferença do volume exportado entre os dois países.

“Os EUA nunca se preocuparam porque achavam que era contornável. Acreditavam que as empresas deles iam para a China e exportavam para os EUA. Só que as companhias americanas passaram a perder competitividade”, conta Castro.

Os EUA alegam que isso tem ocorrido porque a China lança mão de práticas desleais, como usar hackers para roubar propriedade intelectual e segredos comerciais das empresas americanas.

Para reduzir essa diferença, em março, os norte-americanos pediram, sem sucesso, ao país asiático, segundo maior parceiro comercial dos EUA, um plano para comprar mais de seus produtos, como carros, soja e gás natural.

Negociação é possível?

Como as tarifas adicionais anunciadas de um país para o outro ainda não entraram em vigor (exceto as do aço de alumínio, propostas inicialmente pelos EUA), a expectativa do mercado até então era de que os dois países poderiam chegar a um consenso. E as novas taxas ficaram apenas na ameaça, sem ser aplicadas de fato.

“A China não tem o objetivo de escalar para guerra, porque seria muito afetada em termos de fluxo de balança comercial, embora os dois países têm muito a perder em uma guerra comercial”, diz Ruschel, da L&S.

“O grande perdedor pode ser a China, porque ela tem nos EUA o seu grande mercado. E ela não tem no mundo outro mercado para substituir os EUA”, explica Castro.

Riscos à globalização

Na história recente da economia mundial, a tendência tem sido de abertura comercial dos países, incluindo a entrada da própria China na OMC, apesar de o país asiático ainda ser uma economia considerada “semi-aberta”.

Uma eventual guerra comercial, com medidas protecionistas adotadas pelas principais nações globais, seria um passo atrás nesse movimento e poderia levar o mundo à "profunda recessão", alertou em março o diretor-geral da OMC, Roberto Azevêdo.

Roberto Azevêdo, diretor-geral da OMC, em imagem de arquivo. — Foto: Reuters

"Uma vez que tomarmos esse caminho, será muito difícil mudar de direção. O olho por olho nos deixará todos cegos e o mundo em profunda recessão", afirmou.

No passado, o “crash” da bolsa de valores de Nova York, em 1929, levou os países fragilizados a fecharem suas economias, adotando uma política de guerra comercial, fato que antecedeu a Segunda Guerra Mundial.

“Este foi um exemplo drástico de como o acirramento de uma guerra pode se iniciar pelas relações comerciais”, explica Ruschel.

Veja abaixo a cronologia da tensão comercial entre EUA e China:

2001: China entra oficialmente na OMC.

2006: Henry Paulson assume a secretária do Tesouro dos EUA com a missão de reduzir o déficit comercial do país com a China.

2007: Departamento de Comércio ameaçam sobretaxas sobre a importação de papel da China.

2012: Durante a campanha presidencial, Obama e Romney discutiram as práticas comerciais da China.

2016: Na eleição, Trump chega a ameaçar elevar para 30% a tarifa sobre todos os produtos chineses.

Dezembro de 2016: Ao fim dos 15 anos para fazer mudanças propostas pela OMC, China não altera nada e continua a ser encarada apenas como economia "semi-aberta" por EUA e UE.

22 de março de 2018: EUA anunciam tarifas de US$ 50 bilhões sobre 1,3 mil produtos chineses, alegando violação de propriedade intelectual.

2 de abril de 2018: em resposta a taxação, China impõe tarifas de 25% sobre 128 produtos dos EUA, como soja, carros, aviões, carne e produtos químicos.

19 de junho de 2018: Pequim criticou "chantagem" e alertou que irá retaliar, em um rápido agravamento do conflito comercial.

Como uma tensão entre EUA e China pode impactar o Brasil?

A tensão entre Estados Unidos e China pode afetar diretamente os países emergentes, como o Brasil. Os países terão maior dificuldade para exportar e também aponta uma possível desvalorização das moedas locais frente ao dólar. Com relação a venda de aço, o Brasil deve diminuir entre 7% e 10% o volume a ser exportado.

Por que uma guerra comercial entre EUA e China poderia impactar a economia brasileira como ela pode favorecer o Brasil e como pode prejudicar?

Isso pode ocorrer principalmente se as barreiras tarifárias impostas aos Estados Unidos pelo país asiático incluírem itens do agronegócio. Nesse caso, com o desvio de comércio, aumentam-se as chances de a China comprar produtos brasileiros. “Você não consegue substituir a matéria-prima com muita facilidade.

Como a guerra econômica entre EUA e China pode afetar o cenário econômico mundial?

As consequências econômicas da guerra comercial entre EUA e China fizeram com que Fundo Monetário Internacional (FMI) rebaixasse as expectativas de crescimento global referentes a 2019 para apenas 3%. Este é o PIB mais baixo, desde a recessão de 2008.

Por que uma guerra comercial entre EUA e China poderia impactar a economia brasileira Brainly?

Resposta verificada por especialistas 1- Porque o Brasil exporta muitos produtos tanto pelos Estados Unidos, quanto pela China. Sendo assim, no caso de uma guerra comercial entre as duas maiores potências mundiais, a economia brasileira ficaria sem mercado para venda.