O que pode ser feito para evitar a violência contra a mulher?

Em SP, a ampliação do boletim eletrônico e a sua integração com o pedido de medida protetiva de urgência. Em Teófilo Otoni (MG), um trabalho de conversa e discussões para se aproximar das vítimas e ensinar técnicas de bordado em uma comunidade rural.

No Acre, um programa que acolhe vítimas de violência de gênero e informa os seus direitos, além de propor mudanças de políticas públicas. Na Paraíba, há ações de prevenção e um aplicativo ainda ajuda mulheres com medida protetiva a comunicarem uma situação de risco.

BO online e medidas protetivas

O aumento dos casos de violência contra a mulher em países onde a quarentena já estava instalada preocupava Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs), no início da pandemia. "Todo mundo em isolamento social, muitos lugares decretando lockdown. As mulheres estavam dentro de casa, e seus maiores agressores são os homens, os maridos, que também estavam lá. Era óbvio que os casos iam aumentar."

Assim, a Polícia Civil de São Paulo decidiu antecipar seus planos e ampliou a lista de crimes que podem ser registrados no site da corporação. Em 2 de abril de 2020, a DDM online foi criada. "Estamos em pleno século 21, e a polícia tem que se adequar ao que está acontecendo, à possibilidade de as pessoas fazerem tudo pelo celular, pelo computador."

Delegacia de Defesa da Mulher online em SP — Foto: Élcio Horiuchi/G1

"A mulher tem a possibilidade de registrar qualquer crime, exceto estupro de vulnerável e estupro especificamente, porque são crimes em que a parte material, de perícia é muito importante. A gente quer incentivar que essa pessoa vá para a polícia porque ela precisa ter o atendimento necessário, remédios."

Segundo Jamila, mais de 50 policiais analisam os boletins de ocorrência todos os dias e tomam as ações necessárias, como o pedido de medida protetiva de urgência. Há policiais 24h por dia verificando o que precisa ser feito. Desde a implantação, o sistema passou por inúmeras melhorias, como a possibilidade de anexar fotos e capturas de tela (print screen) e também o direcionamento do internauta homem para outra seção do site.

"No começo não era possível pedir medida protetiva [ao fazer o BO]. Agora a pessoa consegue diretamente. A colega que recebe a informação já lê e manda para o Poder Judiciário. Na cidade de SP, isso é imediato. Você manda, e o Judiciário recebe via plantão. Os sistemas são eletrônicos e interligados com o TJ-SP. Todos os inquéritos são eletrônicos, e a gente consegue ter um encaminhamento muito rápido."

Equipe de policiais trabalha 24h para analisar boletins de ocorrência online e tomar providências, como a solicitação de medida protetiva de urgência — Foto: Divulgação/Polícia Civil de SP com montagem de Élcio Horiuchi/G1

Na zona rural, bordado e informação

Na cidade de Teófilo Otoni (MG), são registradas, em média, três ocorrências de violência doméstica por dia. Por causa dessas taxas, desde 2014, a cidade fica acima da média mineira em índices de registros desse tipo de violência. Atenta a este contexto, a cabo Juliana Cruz e outros colegas da Polícia Militar começaram a idealizar um projeto para conseguir ajudar as mulheres da região.

Elas decidiram começar em uma comunidade rural da cidade, a Comunidade do Cedro. Os motivos não faltavam: as mulheres da zona rural estão mais distantes dos pontos de apoio e das redes assistenciais. As relações sociais na comunidade também têm um forte apelo patriarcal e clientelista. Além disso, a demanda também foi colocada à PM por líderes comunitários.

“O trabalho que a gente desenvolvia, que é como se fosse uma ronda da Lei Maria da Penha, acompanhando vítimas e agressores, estava muito limitado. A gente sentia que tinha como fazer algo a mais. Por isso, criamos o projeto para difundir informações”, diz Cruz.

O projeto “Mulher Livre de Violência” surgiu com o objetivo de levar conhecimento e informações sobre a Lei Maria da Penha por meio de conversas e debates em associações, escolas, igrejas e centros comunitários. “Fazemos palestras, conversamos sobre o assunto. E aí, por conta disso, começamos a incorporar pessoas de fora, que não eram policiais”, diz Cruz.

Além de buscar o empoderamento e de trabalhar na prevenção da violência contra meninas e mulheres, o projeto também foca em aumentar a autonomia econômica através do artesanato. Nesse sentido, a estratégia do projeto é abordar a violência doméstica de forma indireta, já que, no contexto rural, a naturalização da violência dificulta as conversas sobre o assunto.

Para isso, o projeto utiliza a técnica de bordado “arpillera”, que foi usada por mulheres chilenas para denunciar violências durante a ditadura militar no país, entre as décadas de 70 e 90. Por meio dessa técnica, as mulheres da comunidade rural podem mostrar as agressões que elas sofrem por meio do bordado, sem ter que necessariamente falar sobre isso.

Projeto Mulher Livre de Violência em Teófilo Otoni (MG) — Foto: Élcio Horiuchi/G1

Para unir ainda mais a Polícia Militar ao projeto e aproximar a corporação das vítimas, Cruz também conta que os policiais podem doar suas fardas para servir de insumo para os artesanatos das mulheres do Cedro. “O fluxo diminuiu durante a pandemia, mas chegamos a fazer inclusive máscaras com o material das fardas”, conta.

A policial também conta que os resultados do projeto são visíveis. “As mulheres passaram a ter mais coragem de falar sobre certas coisas, de denunciar. Não se sentem mais sozinhas. Elas enxergam que passaram por violência e que suas filhas podem estar passando também. Por isso, elas passaram a ter uma postura diferente, bem como os seus parceiros”, diz.

Além da Polícia Militar de Minas, o projeto é feito pelo Grupo de Extensão e Pesquisa em Agricultura Familiar da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e conta com a parceria e com o apoio da Associação Feminina de Assistência Social e Cultura (AFAS), da Caritas e de outros órgãos.

Vítima em 1º lugar

A situação era catastrófica no estado quando a procuradora de Justiça Patrícia de Amorim Rêgo, do Ministério Público do Acre, observava os indicadores de feminicídio, violência doméstica, crimes sexuais e contra pessoas LGBTQIA+. Ano a ano, o Acre ficava entre os piores no ranking estadual. Patrícia conta que via todas as atenções voltadas para o réu, enquanto a vítima era apenas uma peça no processo, com papel secundário, abandonada e sem conhecer os seus direitos.

Por isso, o Ministério Público do Acre criou em 2016 o Centro de Atendimento à Vítima (CAV). “A vítima quer saber: tenho direito a uma indenização por esse ato ilícito? Tenho direito a acompanhar esse processo? Posso saber quando o réu é colocado em liberdade? Ela deve ser adequadamente ouvida no processo, respeitada e ter o direito à informação. A quais serviços de saúde que a vítima tem acesso? Serviços psicológicos, serviços médicos?”, conta a coordenadora-geral do centro.

Centro de Atendimento à Vítima do Ministério Público do Acre — Foto: Élcio Horiuchi/G1

Acompanhada pelo centro em 2016, Rubby da Silva Rodrigues, mulher trans que sofreu violência do então namorado, passou de vítima para funcionária e se juntou à equipe multidisciplinar do CAV em 2017. “Na época, vimos nas redes sociais e fizemos um acolhimento, encaminhamento. No fim, ela conseguiu a medida protetiva.”

O trabalho do CAV já rendeu dois prêmios: o Selo FBSP de Práticas Inovadoras de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres em 2018 e também o 1º lugar na categoria “Defesa de direitos fundamentais” do Prêmio CNMP em 2019. O primeiro é um reconhecimento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um dos parceiros do G1 no Monitor da Violência; e o segundo, do Conselho Nacional do Ministério Público.

Registros mostram trabalhos feitos pelo CAV; equipe oferece apoio às vítimas de violência de gênero — Foto: Divulgação/Centro de Atendimento à Vítima do MP-AC com montagem de Élcio Horiuchi/G1

Além de acolher a vítima e encaminhá-la para outros serviços, o CAV assumiu também outras funções no combate à violência de gênero: enxergar falhas nas políticas públicas e articular ou exigir mudanças de outros órgãos; receber denúncias e também procurar vítimas por meio de parceria com outros atores e das redes sociais; e executar campanhas e treinamentos.

Patrícia conta que o centro ainda tem planos ainda maiores: “Estamos trabalhando em uma coisa bem bacana. Junto com o Observatório [de Análise Criminal] do Ministério Público pegamos os dados dos três anos em que o Acre liderou o feminicídio e colocamos uma lupa. Quem é essa mulher? Quem mata essa mulher? Qual é o perfil da vítima? E o perfil do feminicida? E a hora em que ocorre? Qual é a arma? Quais são os bairros? Qual é a concentração em que ele se dá? Qual é o recorte das facções criminosas? Queremos um Raio-X, um estudo profundo, dissecando caso por caso.”

“Junto com a publicação, vamos criar um Observatório de Feminicídio dentro do centro: entender essa realidade e dar subsídio para a rede de proteção. Junto com o observatório vamos criar uma ferramenta para apontar como se comportam os casos de feminicídio no Acre. Quanto tempo o réu fica preso? Ele fica preso? É condenado? A quanto tempo?”

Alerta na palma da mão

Aumentar a proteção das mulheres vítimas de violência por meio das seguintes vertentes: a prevenção, a fiscalização e o procedimento legal para punir os agressores. Foi com esse objetivo que o Programa Mulher Protegida foi criado na Paraíba em 2013.

O programa é uma parceria entre o governo do estado, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Pública do estado. Para conseguir alcançar a primeira vertente, a de prevenção, ele trabalha para levar informações sobre a Lei Maria da Penha para a população.

“Temos ações preventivas, como conversas, rodas de diálogo e palestras, em qualquer lugar. Pode ser na construção civil, na escola, na igreja, na associação de bairro”, conta a delegada Renata Matias, coordenadora das delegacias da mulher na Paraíba.

“Antes da pandemia, fazíamos eventos na rua, com divulgação e panfletagem, e de forma indistinta. A gente não pode apenas pensar nas mulheres vítimas de violência. Temos que pensar também nas outras pessoas que podem e devem nos ajudar.”

Agora, segundo a delegada, o programa está realizando palestras e eventos online sobre a temática da violência doméstica, já que a pandemia impossibilitou o prosseguimento dos encontros de forma presencial.

Já para trabalhar na fiscalização e na punição dos agressores, o programa tem o “SOS Mulher”, um celular interligado com o Centro de Operações da Polícia Militar (Ciop) e com as Delegacias de Atendimento a Mulher. Ele é entregue a mulheres que têm medida protetiva e que estão em situação de risco iminente.

“Essas mulheres recebem o celular com um aplicativo, que serve como fiscalização da medida protetiva. Tem um coração com três cores: verde, amarelo e vermelho. Em uma determinada hora do dia, ela aciona o verde se estiver tudo tranquilo. Se acionar o amarelo ou o vermelho, é um sinal de alerta. O amarelo quer dizer que ela não vê o agressor, mas sabe que ele está perto. O vermelho é perigo, pois é quando ela vê o agressor”, conta Matias.

“Quando ela aciona o amarelo ou o vermelho, chega um alerta no Ciop com a localização exata da mulher, pois o celular tem GPS. Assim, a viatura mais próxima vai até o local para verificar a situação.”

Programa Mulher Protegida na PB — Foto: Élcio Horiuchi/G1

O “SOS Mulher” funciona atualmente nas cidades de João Pessoa, na região metropolitana da capital e em Campina Grande. Segundo a delegada, nenhuma mulher atendida pelo dispositivo foi vítima de feminicídio ou tentativa de feminicídio desde que ele foi criado, em 2014.

“Por que a gente não disponibiliza esse aplicativo para todo mundo? A gente está estudando como conseguiríamos fazer isso. A princípio, está apenas nesses celulares que nós entregamos para algumas vítimas, pois é assim que conseguimos ter mais controle”, diz Matias.

Banco de iniciativas

Um dos objetivos do Monitor da Violência desde o início do projeto é apontar também soluções para combater a violência no país. Por isso, a ideia é elencar iniciativas como essa e criar um banco com outras, que possa ser acessado tanto pelos leitores como por gestores públicos.

O que fazer para prevenir a violência contra mulher?

Não consuma pornografia infantil. Divulgue informações de como identificar e prevenir violência contra a mulher nas suas redes. Participe de reuniões e eventos promovidos por organizações de enfrentamento a violência baseada em gênero. Muitas entidades públicas e da sociedade mantêm esses espaços.

O que pode ser feito para combater a violência?

5 ações para combater a violência.
Metas e estratégias orientam operações..
Investigação benfeita é o caminho..
Vítimas e agressores sob vigilância..
Mapeamento identifica pontos de risco..
Agentes de segurança agem em conjunto..