Lei que proibe trabalho escravo no Brasil

Em 1995, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer oficialmente a existência de trabalho forçado em seu território perante a comunidade internacional. A partir de então, o país adotou a terminologia “trabalho escravo” ao instituir as políticas públicas que tratam do crime e procedeu com um conjunto de esforços visando a sua erradicação, tornando-se uma referência mundial no combate a essa grave violação dos direitos humanos. Diversas das ações desenvolvidas pelo Brasil são consideradas boas práticas pela OIT e inspiram a atuação de outros Estados membros, sendo inclusive objeto de intercâmbio de experiências entre países no âmbito de Programas de Cooperação Sul-Sul.

Principais instrumentos e ações realizadas pelo Brasil:

  • Grupos Especiais Móveis de Fiscalização (GEFM)
  • Planos Nacionais para a Erradicação do Trabalho Escravo
  • Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE
  • Comissões Estaduais para Erradicação do Trabalho Escravo – COETRAEs
  • Cadastro de Empregadores que tenham submetidos trabalhadores a condições análogas à escravidão

Outras iniciativas importantes:

  • Instituto Pacto Nacional Pela Erradicação do Trabalho Escravo
  • Programa Escravo nem Pensar
  • Programa Ação Integrada

No Brasil, o artigo 149 do Código Penal prevê a criminalização do trabalho escravo, ao estabelecer pena de 2 a 8 anos para quem praticá-lo. Confira:

Art. 149. Reduzir alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2º A pena é aumentada da metade, se o crime é cometido:
I - contra criança ou adolescente;
II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.”

É importante ressaltar que todas essas situações estão abrangidas no âmbito de aplicação das Convenções da OIT sobre o tema.

O art. 19 da Constituição da OIT dispõe que a adoção da Convenção por qualquer Estado membro não tem o condão de afetar qualquer direito assegurado nacionalmente que seja mais favorável ao trabalhador. Confira:

“Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação.”

Lei que proibe trabalho escravo no Brasil
Desde 1995, o governo brasileiro resgatou mais de 55 mil pessoas de condições análogas à escravidão. Em 2016, a ONU lançou um artigo técnico de posicionamento sobre o tema trabalho escravo no Brasil com uma série de recomendações, entre elas a manutenção do conceito atual de “trabalho escravo”, previsto no Código Penal Brasileiro (Art. 149), e a reativação da chamada “Lista Suja”, que divulga os empregadores flagrados explorando mão de obra escrava.

Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que 40 milhões de pessoas do mundo estão submetidas à escravidão, mesmo nos tempos modernos, sendo que 70% (setenta por cento) refere-se apenas às mulheres, incluindo crianças do sexo feminino.

Apesar de passados 130 anos da promulgação da Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, de acordo com informações da organização não governamental Walk Free Foundation, ainda há cerca de 155 mil pessoas em situação de trabalho escravo em nosso país.

O trabalho escravo, também conhecido como trabalho forçado ou compulsório, significa “qualquer trabalho ou serviço requerido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual esse indivíduo não seja voluntário”, conforme estabelece o art. 2º da Convenção sobre o Trabalho Forçado, nº 29 da OIT.

A Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), no seu art. 6º, proíbe a prática da escravidão em todas as suas formas, determinando que ninguém deve ser constrangido a executar trabalho forçado ou obrigatório.

A Constituição Federal de 1988, no art. 5º, XLVII, veda, de forma absoluta, a pena de “trabalhos forçados”, o que não se confunde com a pena de “prestação social alternativa”; enquanto aquela é involuntária, degradante e desumana, sendo um ato ilícito, esta modalidade de pena é voluntária e possui caráter ressocializador, sendo um ato lícito (desde que observadas as formalidades legais). Ademais, de acordo com o art. 243 da Carta Magna de 1988, com a redação dada pela EC 81/2014, há previsão de expropriação de caráter sancionatório, em caso de constatação de trabalho escravo:

“Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei.”

No Brasil, a prática da “redução a condição análoga à de escravo” é tipificada como crime, nos termos do art. 149 do Código Penal, in verbis:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.”           

 É oportuno ressaltar que o Ministério do Trabalho editou a Portaria nº 1.129/2017, a qual veio, em seu art. 1º, a definir conceitos sobre o trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante e condições análogas à de escravos, nos termos seguintes:

I - trabalho forçado: aquele exercido sem o consentimento por parte do trabalhador e que lhe retire a possibilidade de expressar sua vontade;

II - jornada exaustiva: a submissão do trabalhador, contra a sua vontade e com privação do direito de ir e vir, a trabalho fora dos ditames legais aplicáveis a sua categoria;

III - condição degradante: caracterizada por atos comissivos de violação dos direitos fundamentais da pessoa do trabalhador, consubstanciados no cerceamento da liberdade de ir e vir, seja por meios morais ou físicos, e que impliquem na privação da sua dignidade;

IV - condição análoga à de escravo:

a) a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária;

b) o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico;

c) a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto;

d) a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho.”

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal (STF), em sede de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 489 (rel. min. Rosa Weber, julgado em 23/10/2017), suspendeu os efeitos da referida Portaria, considerando que:

 “O art. 1º da Portaria do Ministério do Trabalho nº 1.129/2017, ao restringir indevidamente o conceito de ‘redução à condição análoga a escravo’, vulnera princípios basilares da Constituição, sonega proteção adequada e suficiente a direitos fundamentais nela assegurados e promove desalinho em relação a compromissos internacionais de caráter supralegal assumidos pelo Brasil e que moldaram o conteúdo desses direitos”. (STF. ADPF 489. Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 23/10/2017)

Para o STF, a escravidão não decorre apenas de constrangimentos físicos, pois, além de violar a liberdade individual da pessoa, também ofende a dignidade da pessoa humana, bem como, por óbvio, os direitos trabalhistas e previdenciários. A propósito, tanto é assim que, para configurar, por exemplo, o crime de “redução a condição análoga à de escravo”, previsto no art. 149 do CP, não é necessária a violência física, bastando que haja “a coisificação do trabalhador, com a reiterada ofensa a direitos fundamentais, vulnerando a sua dignidade como ser humano”. Nesse sentido, senão vejamos:

“PENAL. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA A DE ESCRAVO. ESCRAVIDÃO MODERNA. DESNECESSIDADE DE COAÇÃO DIRETA CONTRA A LIBERDADE DE IR E VIR. DENÚNCIA RECEBIDA. Para configuração do crime do art. 149 do Código Penal, não é necessário que se prove a coação física da liberdade de ir e vir ou mesmo o cerceamento da liberdade de locomoção, bastando a submissão da vítima “a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva” ou “a condições degradantes de trabalho”, condutas alternativas previstas no tipo penal. A “escravidão moderna” é mais sutil do que a do século XIX e o cerceamento da liberdade pode decorrer de diversos constrangimentos econômicos e não necessariamente físicos. Priva-se alguém de sua liberdade e de sua dignidade tratando-o como coisa e não como pessoa humana, o que pode ser feito não só mediante coação, mas também pela violação intensa e persistente de seus direitos básicos, inclusive do direito ao trabalho digno. A violação do direito ao trabalho digno impacta a capacidade da vítima de realizar escolhas segundo a sua livre determinação. Isso também significa “reduzir alguém a condição análoga à de escravo”. (STF. Inq 3412. Rel Min. Marco Aurélio, julgado em 29/03/2002)

Como se percebe, a ordem jurídica, nacional e internacional, estabelece várias normas proibitivas da prática do trabalho escravo. A escravidão não se limita à violência física (quando viola a liberdade individual), eis que também pode ser caracterizada por outras e diversas formas, quando ofende a dignidade da pessoa humana. Apesar da tutela constitucional, legal e convencional, a escravidão ainda remanesce no Brasil e em vários cantos do mundo (mesmo nos tempos modernos), causando grande preocupação.

Acredita-se que é imprescindível que exista uma maior conscientização não somente das autoridades governamentais, mas, sobretudo, de toda a população mundial, de maneira que todas as pessoas deverão empreender esforços no sentido de prevenir e coibir o trabalho escravo, devendo haver uma constante e rigorosa fiscalização, sem prejuízo da aplicação das penalidades cabíveis. 


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 09 nov. 1992. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Decreto nº 41.721, de 25 de junho de 1957. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 28 jun. 1957. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/antigos/d41721.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 jul. 2018.

____. Portaria nº 1.129, de 30 de outubro de 2017. Diário Oficial da União, Ministério do Trabalho, Brasília, DF, 16 out. 2017. Disponível em: < http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/MTE/Portaria/P1129_14.html>. Acesso em: 10 jul. 2018.

STF. ADPF 489, Relatora Ministra Rosa Weber, julgado em 23/10/2017.

____. INQ 3412, Relator Ministro Marco Aurélio, data de julgamento: 29/02/2002.

Qual a lei que proíbe o trabalho escravo no Brasil?

Agora em dezembro, o Brasil comemora 15 anos da Lei 10.803, de 2003 que incluiu no Código Penal punições para quem explora o trabalho escravo. A lei, que teve origem no Senado, prevê pena de 2 a 8 anos de prisão, podendo ser aumentada quando o crime for cometido contra crianças ou adolescentes.

O que o artigo 149 do Código Penal Brasileiro estabelece sobre o trabalho escravo?

O Código Penal Brasileiro em seu artigo 149 estabelece que “Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o ...

Quando foi proibido o trabalho escravo no Brasil?

O Brasil foi o último país ocidental a abolir oficialmente a escravatura, que ocorreu com a Lei Áurea, de 13 de maio de 1888.

O que diz a Constituição sobre o trabalho escravo?

"Artigo 4: Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos estão proibidos em todas as suas formas."