* PPGH, Universidade Federal Fluminence. HCTE, Universidade Federal do Rio de Janeiro. Brasil. [email protected] Show RECIBIDO: Agosto de 2014 RESUMO A partir dos anos 1840, diversas fábricas de fiação e tecelagem de algodão se estabeleceram no Município do Rio de Janeiro e em cidades próximas da então capital brasileira. Verificava-se o início de um processo de crescimento não apenas do ramo têxtil, mas de diversos ramos industriais, que era estimulado pela expansão da cafeicultura escravista agroexportadora, pelo aumento da população da capital e das províncias do Sudeste brasileiro e pela adoção de uma série de medidas de estímulo industrial pelo Governo Imperial. Assim, o objetivo maior deste trabalho vincula-se ao estudo das características fundamentais de organização técnico-produtiva das fábricas têxteis criadas na região fluminense. Palavras chave: Fábricas Têxteis; Região Fluminense; Sociedade Escravista; Brasil. ABSTRACT From the 1840's onwards, several textile mills (for cotton spinning and weaving) were created in Rio de Janeiro County and in some adjacent cities of the Brazilian capital. It was, in fact, the beginning of an industrial growth not only in the textile industries, but also in several branches of industrial activity, which were stimulated by the general growth of slave coffee plantation economy, the population increase in the capital and in the provinces of Southeastern Brazil and the adoption of several measures for industrial stimulus by the Imperial government. Consequently, the objective of this paper is related to the study of the technical and productive organization of the textile mills established in the fluminense region. Keywords: Textile Mills; Fluminense Region; Slave Society; Brazil. 1. Introdução: um esclarecimento necessário Para os historiadores que estudam a História Econômica do Brasil na segunda metade do século XIX, há dois grandes consensos. O primeiro se relaciona ao longo processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre, que se inicia com a abolição do tráfico africano em 1850, aprofunda-se com a Lei do Ventre Livre de 1871 (que promoveu a libertação dos filhos de escravos nascidos a partir da promulgação desta lei) e tem seu momento culminante com a Lei Aurea de 1888, que determinou a libertação incondicional de todos os escravos no país. 2. As primeiras fábricas têxteis fluminenses e suas trajetórias entre as décadas de 1840 a 1860 A partir dos anos 1840, diversas fábricas de fiação e tecelagem de algodão se estabeleceram no Município Neutro (como era também chamado o município do Rio de Janeiro) e na província do Rio de Janeiro, em áreas próximas da então capital brasileira. Verificava-se o início de um processo de crescimento não apenas do ramo têxtil, mas de diversos ramos industriais, que era estimulado pelo crescimento geral da cafeicultura escravista agro-exportadora, pelo aumento da população do Município da Corte e das províncias do Sudeste brasileiro (o que implicava também na ampliação do mercado interno) e pela adoção de uma série de medidas de estímulo industrial pelo Governo Imperial (Soares, 1996: 281-306).
Depois desse momento difícil, Hartley parece ter recebido a outra parcela do empréstimo governamental, pois, em 1852, o número de teares do estabelecimento foi ampliado para 76 e, ali, foi introduzido um motor a vapor de 30 cavalos de força, sendo todo este maquinismo de procedência inglesa. Neste ano, mais de 50 operários ainda eram empregados no estabelecimento e podiam produzir diariamente de 2.600 a 3.000 jardas de pano liso de 30 polegadas e também pano entrançado, pois 26 teares tinham sido montados com esse objetivo. Provavelmente, a São Pedro de Alcântara foi o primeiro estabelecimento têxtil brasileiro a se utilizar de um motor a vapor, mesmo sendo este considerado de menor potência em relação àqueles que eram utilizados na Grã-Bretanha e em outros países europeus. Apesar do esforço de Hartley para ampliar a capacidade produtiva da São Pedro de Alcântara, esta não resistiu às dificuldades criadas pela concorrência dos tecidos de algodão ingleses e fechou suas portas no decorrer dos anos 1850 (Olinda, 1858: 61; Carvalho Reis et al., 1882: 11-12). 3. As dificuldades das fábricas têxteis nos anos 1860 As reformas tarifárias sucessivas de 1857 e 1860 (respectivamente, Tarifas Souza Franco e Silva Ferraz), ao reduzirem os direitos alfandegários dos produtos importados, possibilitaram uma maior importação dos tecidos de algodão e os estabelecimentos têxteis tiveram que empregar todas as suas forças na tentativa de resistência à concorrência dos tecidos ingleses. Já a revogação da isenção de direitos sobre as matérias-primas importadas não chegou a afetar à indústria têxtil, pois a matéria-prima por ela utilizada era o algodão produzido principalmente nas províncias nordestinas e, em menor escala, em Minas Gerais e São Paulo. Somente o estabelecimento de Sohier de Gand, se ainda existia por volta de 1857, deve ter encontrado problemas com a importação dos fios de lã que utilizava, mas seu funcionamento, voltado em grande parte para a produção de tecidos de algodão, não deve ter sofrido nenhuma alteração brusca. Tabela I: Situação da indústria têxtil no Império do Brasil, em 1866 Fonte: Souza Dantas, 1868, pág. 52. A Santo Aleixo também teve a sua situação melhorada na segunda metade dos anos 1860. Acreditamos que a demanda de tecidos de algodão para as tropas que lutavam na Guerra do Paraguai (1864-1870) tenha ativado sua produção. Em 1866, a Santo Aleixo se colocava entre os estabelecimentos têxteis mais importantes de todo o país. Neste ano, empregava 150 operários e operava com 1 motor hidráulico de 25 cavalos de força, 52 teares e 2.640 fusos. Sua produção anual era de 550.000 metros de tecidos e 28.000 metros de fios de algodão, no valor de 350.000$000 (ver ). Tabela II: Situação da grande indústria têxtil algodoeira no Reino Unido, em 1858 e 1868. Fonte: Marx, 1974, Vol. I, pp. 360-361. Os teares e as máquinas de fiar (fusos) dos estabelecimentos brasileiros fundados entre os anos 1840 e 1860 ainda não eram totalmente automáticos e o trabalho dos operários não consistia somente na fiscalização e regulagem das operações do maquinismo, sendo que eles praticamente fiavam e teciam os panos valendo-se da sua destreza manual, ajudados pelas máquinas que lhe proporcionavam um movimento mais rápido nas suas operações manuais. 4. A retomada do crescimento da indústria têxtil nos anos 1870 Nos anos 1870, a situação da indústria têxtil fluminense, e a de todo o Sudeste, começou a se modificar. Tabela III: Fábricas têxteis no Município Neutro e na Província do Rio de Janeiro, em 1882 Fontes: Carvalho Reis, Sattamini e Baptista Franco, 1882, pp. 19-33; e Stein, 1957, pp. 30-31. Tabela IV: Situação das fábricas têxteis no Município Neutro e na Província do Rio de Janeiro, em 1882 Fontes: Carvalho Reis, Sattamini e Baptista Franco, 1882, pp. 19-33; e Stein, 1957, pp. 30-31. Os industriais do ramo têxtil participaram ativamente da luta contra a Tarifa de 1874, iniciada pelos industriais chapeleiros do Rio de Janeiro, e também se sentiram contemplados, em suas reivindicações, quando uma nova tarifa alfandegária foi adotada em 1879 (a partir do trabalho de revisão tarifária ejecutado pelo Dr. António Pedro da Costa Pinto), estabelecendo a elevação de direitos dos produtos estrangeiros importados, incluindo os tecidos de algodão ingleses (Vilela Luz, 1975: 51). 5. Conclusão Entretanto, o objetivo maior da nossa reflexão nesse trabalho vinculouse justamente à dimensão e à natureza das fábricas têxteis criadas na região fluminense, o que significa a tentativa de entendimento de suas características enquanto um tipo determinado de estabelecimento industrial e sua organização técnico-produtiva. Um elemento que, de imediato, chama a nossa atenção é que estas fábricas têxteis, em sua grande maioria, estabeleceram-se fora das áreas urbanas em virtude da necessidade de aproveitamento de quedas d'água naturais ou artificiais. Evidentemente, era a força das águas que movimentava as suas máquinas de fiar e tecer, quer dizer, um mecanismo motriz hidráulico que foi a característica tecnológica mais relevante da grande mayoría das fábricas têxteis fluminenses até o início dos anos 1880, quando começou a se generalizar o mecanismo motriz a vapor, neste ramo e nos demais ramos industriais. 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Em que região do Brasil se desenvolveu primeiro a indústria?É importante notar que, em um primeiro momento, a indústria se concentrava nas regiões Sul e Sudeste, o que levou à formação do que Milton Santos chamou de Região Concentrada.
Onde surgiu o processo industrial é de qual forma?A industrialização é um processo desencadeado pelo desenvolvimento de indústrias em um determinado espaço geográfico. Tal processo foi iniciado na Inglaterra, no século XVIII, por meio da Primeira Revolução Industrial.
Onde se desenvolveu a indústria?A Inglaterra foi o país que primeiro se desenvolveu nesse sentido, na chamada Primeira Revolução Industrial. Antes disso ocorrer, eram conhecidos apenas o artesanato e a manufatura, não existindo um processo produtivo sistematizado e guiado pela presença de maquinários, como ocorre nas fábricas.
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