É possível a aplicação de normas restritivas de direitos no delito de tráfico de drogas?

Informativo: 714 do STJ – Processo Penal

Resumo: É cabível o manejo da revisão criminal fundada no art. 621, I, do Código de Processo Penal, para aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 nos crimes previstos no art. 273, § 1º-B, do CP

Comentários:

O art. 273 do Código Penal tipifica, no caput, o crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. A pena, de reclusão variável entre dez e quinze anos, se aplica também contra quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado (§ 1º).

O § 1º-B determina que se sujeita às mesmas penas do caput quem pratica as ações do § 1º – isto é, importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo – produtos que, apesar de não falsificados, corrompidos, alterados ou adulterados, encontram-se numa das seguintes condições:

I – sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente: é o produto que, embora não corrompido, não foi devidamente registrado no órgão sanitário. Trata-se, pois, de norma penal em branco, já que a exigência de registro é determinada pelo poder público, por meio de normas próprias;

II – em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso anterior: aqui também não ocorre falsificação, porém a conduta recai em produto cuja composição é diversa daquela que consta do registro no órgão sanitário;

III – sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua comercialização: é o produto que não conta com as características admitidas pelo poder público para ser comercializado;

IV – com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade: é o produto que deixa de apresentar a eficácia necessária ao combate de determinada doença;

V – de procedência ignorada: dificulta a fiscalização pelo órgão sanitário em razão da inexistência de dados acerca da origem do produto;

VI – adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária competente: é o produto não necessariamente corrompido, mas originário do comércio clandestino, o que também dificulta a fiscalização pela autoridade sanitária.

Como não se trata de produto falsificado (logo, é materialmente apto ao consumo), questiona-se a necessidade do Direito Penal para lidar com essas condutas. Como sustentamos em nosso Manual, a infração pode ser mais bem resolvida no âmbito administrativo, respeitando-se, desse modo, o princípio da ofensividade (que exige, na incriminação, a presença de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado).

Questiona-se, ainda, a proporcionalidade da pena, pois o legislador pune com a mesma intensidade duas situações muito distintas: no caput e no § 1º, produto falsificado; no § 1º-B, sobretudo irregularidades no âmbito administrativo). Julgando habeas corpus que versava sobre a conduta tipificada no § 1º-B, inciso V, a Corte Especial do STJ considerou inconstitucional a pena cominada em razão da desproporcionalidade em relação a condutas muito mais graves, como a extorsão mediante sequestro e o estupro de vulnerável. Concluiu o tribunal que, no lugar da reprimenda estabelecida Código Penal, devia ser aplicada a do art. 33, caput, da Lei 11.343/06:

“1. A intervenção estatal por meio do Direito Penal deve ser sempre guiada pelo princípio da proporcionalidade, incumbindo também ao legislador o dever de observar esse princípio como proibição de excesso e como proibição de proteção insuficiente. 2. É viável a fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa, examinando, como diz o Ministro Gilmar Mendes, se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais. 3. Em atenção ao princípio constitucional da proporcionalidade e razoabilidade das leis restritivas de direitos (CF, art. 5º, LIV), é imprescindível a atuação do Judiciário para corrigir o exagero e ajustar a pena cominada à conduta inscrita no art. 273, § 1º-B, do Código Penal. 4. O crime de ter em depósito, para venda, produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais de procedência ignorada é de perigo abstrato e independe da prova da ocorrência de efetivo risco para quem quer que seja. E a indispensabilidade do dano concreto à saúde do pretenso usuário do produto evidencia ainda mais a falta de harmonia entre o delito e a pena abstratamente cominada (de 10 a 15 anos de reclusão) se comparado, por exemplo, com o crime de tráfico ilícito de drogas – notoriamente mais grave e cujo bem jurídico também é a saúde pública. 5. A ausência de relevância penal da conduta, a desproporção da pena em ponderação com o dano ou perigo de dano à saúde pública decorrente da ação e a inexistência de consequência calamitosa do agir convergem para que se conclua pela falta de razoabilidade da pena prevista na lei. A restrição da liberdade individual não pode ser excessiva, mas compatível e proporcional à ofensa causada pelo comportamento humano criminoso. 6. Arguição acolhida para declarar inconstitucional o preceito secundário da norma” (AI no HC 239.363/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 10/4/2015).

Apesar de certa divergência entras turmas que compõem a Terceira Seção, o tribunal tem decidido que é possível inclusive a diminuição da pena com base no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06:

“1. Em recentes julgados, aos quais passo a me filiar, a Quinta Turma desta Corte Superior reconheceu a possibilidade de aplicação da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, nas hipóteses de crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. 2. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no Habeas Corpus n. 239.363/PR, declarou a inconstitucionalidade do preceito secundário do art. 273, § 1º-B, do Código Penal, autorizando a aplicação analógica das penas previstas para o crime de tráfico de drogas. […] Analisando o referido julgado, esta colenda Quinta Turma firmou o entendimento de que, diante da ausência de ressalva em sentido contrário, é possível a aplicação da causa de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006 no cálculo da pena dos condenados pelo delito previsto no art. 273, § 1º-B, do Estatuto Repressivo. Precedentes (AgRg no AgRg no AREsp n. 1.610.153/PE, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 29/6/2020). 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no AREsp 1.726.469/DF, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, j. 02/03/2021)

Recentemente, a Terceira Seção do STJ decidiu que é possível o ajuizamento de revisão criminal para adequar a pena à orientação mais recente do tribunal:

“Declarada a inconstitucionalidade do preceito secundário previsto no art. 273, § 1º-B, do Código Penal pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade no Habeas Corpus 239.363/PR, as Turmas que compõem a Terceira Seção do STJ passaram a determinar a aplicação da pena prevista no crime de contrabando ou no crime de tráfico de drogas do art. 33 da Lei de Drogas.

A partir da solução da quaestio, verifica-se oscilação na jurisprudência desta Corte. Destarte, a maioria dos julgadores da Terceira Seção passou a adotar a orientação de aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 nos crimes previstos no art. 273, § 1º-B, do Código Penal.

Assim, embora não tenha havido necessariamente alteração jurisprudencial, e sim mudança de direcionamento, ainda que não pacífica, a respeito do tema, a interpretação que deve ser dada ao artigo 621, I, do CPP é aquela de acolhimento da revisão criminal para fins de aplicação do entendimento desta Corte mais benigno e atual.” (RvCr 5.627/DF, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, j. 13/10/2021)

Conheça também o Jusplay Cast:

É possível a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos no tráfico privilegiado?

44, § 2º, segunda parte, do Código Penal prevê a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade, nas condenações superiores a 1 ano, por duas restritivas de direitos ou por uma restritiva de direitos e multa, cabendo ao Magistrado processante, de forma motivada, eleger qual medida é mais adequada ao caso ...

É possível a conversão de pena privativa de liberdade em restritiva de direitos no tráfico de drogas previsto no artigo 33 da Lei 11.343 06?

33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Quando são aplicadas as penas restritivas de direito?

Penas restritivas de direitos ou “penas alternativas” são aplicadas quando a pena for menor do que 4 anos, crime sem violência, crimes culposos, o réu não for reincidente e não tiver maus antecedentes.

É possível a reconversão da pena restritiva de direitos por pena privativa de liberdade no crime de uso de drogas?

A reconversão da pena restritiva de direitos imposta na sentença condenatória em pena privativa de liberdade depende do advento dos requisitos legais (descumprimento das condições impostas pelo juiz da condenação), não cabendo ao condenado, que sequer iniciou o cumprimento da pena, escolher ou decidir a forma como ...