Como o professor que atua na EJA pode desenvolver sua metodologia de trabalho?

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Respeitar o tempo, a trajetória e a faixa etária dos alunos são essenciais para lidar com todos os alunos, mas, especialmente, com aqueles que retornam à escola na vida adulta

POR: Ewerton de Souza
28 de Março de 2019

Como o professor que atua na EJA pode desenvolver sua metodologia de trabalho?
Crédito: Getty Images

“Nossa! Estou aprendendo com eles, mais do que ensinando!”. Ouvi esta frase recentemente de uma professora que começara a dar aulas para turmas de jovens e adultos na alfabetização. Fiquei muito feliz com sua impressão. Significava que ela havia absorvido um princípio importante da conversa inicial que havíamos tido sobre Educação de Jovens e Adultos (EJA).

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Embora seja um comentário recorrente, ele costuma ir rareando ao longo do ano letivo. Conforme os meses vão passando, costumam aparecer muitas queixas por parte de professores de que os educandos jovens e adultos não aprendem aquilo que eles tentam ensinar. Parecido com o que se ouve, às vezes, das turmas regulares – mas com o agravante de que, no caso da EJA, percebe-se, vez ou outra, alguma descrença de que um dia venham a aprender algo.

O princípio que havia aparecido em minha conversa inicial com a professora é o de que a aprendizagem é dialógica, ou seja: eu, educador, não somente ensino, mas também aprendo com as outras pessoas. Os estudantes de Pedagogia ou de qualquer licenciatura costumam ouvir repetidas vezes ao longo dos anos que nenhum ser humano é uma tábula rasa. Mesmo crianças bem pequenas trazem consigo os primeiros estímulos proporcionados pelos seus familiares, no seu ambiente inicial. Dessa constatação deriva outra: a de que nenhum processo de ensino e aprendizagem pode ser iniciado ignorando-se os sujeitos aprendentes e o que eles trazem consigo. Se pensamos assim sobre as crianças, imagine então com jovens e adultos!

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Por isso, creio que nossa primeira ação como coordenadores pedagógicos em escolas para jovens e adultos é promover a consciência de que ouvir nossos educandos e conhecê-los é o primeiro passo para lhes ensinar qualquer coisa.

A primeira vez na EJA

Há 13 anos pisei pela primeira vez numa sala de aula com jovens e adultos. Havia acabado de sair dos bancos da faculdade e estava ansioso por ensinar zilhões de coisas que aprendi no curso de licenciatura. Como minha formação inicial era em Letras, minha cabeça – e meus planos – estavam cheios de macetes de ortografia, regras de regência e concordância, princípios de bem escrever. Que tola arrogância! O que encontrei na sala de aula foi outra língua. A fala de meus alunos trazia anos de experiências e uma diversidade de trajetórias que um plano de ensino formatado previamente jamais daria conta.

Aprendi a duras penas naquele ano como ser um professor para jovens e adultos. Essa aprendizagem me fez descobrir na prática aquela máxima apregoada pelo mestre Paulo Freire: “Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa, por isso aprendemos sempre”.

Daí que se eu não acreditar nesta máxima, tudo o que estarei fazendo (como diz o provérbio) é correr atrás do vento. Como coordenador, na ação de formação dos meus professores jamais poderei negligenciar de que este princípio deve estar constantemente diante de cada educador, em sua mente, mas também no seu coração (por que não?). Afinal, ensinar jovens e adultos é um ato de fé de que, não importa qual seja o momento da vida, todos estamos constantemente aprendendo.

Portanto, a ação coordenadora e formadora junto aos professores iniciantes de EJA deve passar por algumas observações e considerações:

1) Levarás em conta as trajetórias dos educandos

Cada educando tem uma trajetória e, no momento de ensinar, deve-se considerar essas trajetórias e trazê-las para dentro da aula. Não ouvi-las com ouvido de mercador. Elas devem se entrelaçar à aula, fazer parte dela. E isso só é possível quando buscamos, antes, conhecer ativamente nossos alunos. Certa vez, em um final de projeto, uma professora comentou: “O aluno X participa de movimento de moradia. Se soubéssemos antes, nosso projeto sobre direitos sociais teria sido bem diferente”. Só pude concordar com ela! Quantas coisas poderiam ter sido mais ricas em termos de aprendizagem – e obtido mais sucesso - se este educando tivesse sido ouvido antes e participado efetivamente da construção do projeto?

2) Respeitarás o tempo de cada um

Não podemos jamais nos esquecer de que cada educando tem seu tempo. No caso de jovens e adultos, isso é importantíssimo! Achar que todos aprenderão do mesmo modo ou no mesmo tempo levará ao desânimo daqueles que, por este ou aquele motivo, não conseguem acompanhar a turma. Não significa que esperaremos todos chegarem ao mesmo ponto, o que é igualmente um desastre. Significa sim que vamos estabelecer em nossa aula, plano, projeto, objetivos para que cada qual avance dentro de suas potencialidades e de acordo com o seu momento.

3) Reconhecerás cada faixa etária com suas especificidades

Um risco muito comum (e frequente) é infantilizar os educandos. Isso acontece, às vezes, involuntariamente, na forma de falar com eles, de cobrá-los, ou ainda nos tipos de atividade que se propõe em sala de aula. Às vezes, esse é um movimento inclusive desejado pelo aluno, que traz consigo uma imagem da escola que não pôde frequentar quando criança. Mas o trato infantil também é um dos motivos que afastam os jovens e adultos da escola.

Daí que a postura do professor de EJA não deve negligenciar nunca o fato de que somos adultos lidando com jovens ou adultos. Como já disse, este princípio da relação deve estar presente em nossas conversas, mas também no material que levamos para a sala de aula. Temas, leituras, exercícios devem ilustrar e dialogar com o mundo que eles efetivamente vivem. Daí o cuidado que devemos ter com materiais que sejam trazidos das turmas regulares.

4) Respeitarás a diversidade como regra

Uma sala de EJA talvez seja a melhor amostra de como nossa sociedade é diversa. As turmas da escola em que trabalho, por exemplo, reúnem jovens que não se adaptaram à escola tradicional, jovens em conflito com a lei, pessoas com deficiência física e intelectual, homossexuais, travestis, transexuais, idosos, mulheres, negros, trabalhadores... Todos estão ali, fisicamente juntos no mesmo espaço e minha postura e prática em sala de aula deve dialogar com todos. Costumo dizer que o traço que identifica todas essas pessoas é o de que, em algum momento, elas foram colocadas à margem da sociedade, o que se evidencia com sua exclusão da escola. Mas trabalhar com a diversidade em sala é compreender que, mesmo que todos tenham este traço em comum, eles também apresentam visões de mundo, projetos, perspectivas diferenciadas, e o educador vai ter que lidar com isso.

5) Motivarás sempre e não desistirás jamais

A baixa autoestima é encontrada em muitos educandos de EJA. Suas trajetórias de dificuldades de toda ordem, sua experiência muitas vezes traumática com uma escola excludente, as adversidades que enfrentam para frequentar a sala de aula são grandes barreiras que esses alunos precisam transpor para acessar, permanecer e concluir com sucesso. Lidar com elas é um dever constante do professor de EJA. Um educador desta modalidade que acredita que seu papel é exclusivamente ensinar conteúdos de uma determinada disciplina está fadado ao fracasso. Ensinar jovens e adultos pressupõe um envolvimento maior do professor com seus alunos. Ele precisa se aproximar, ouvir, conversar, compreender os problemas (da aprendizagem e da vida) e estimular seus educandos. Sem esse tête-à-tête, qualquer esforço será em vão.

Um abraço,

Ewerton

Ewerton Fernandes de Souza é coordenador geral no CIEJA Clóvis Caitano Miquelazzo, escola da prefeitura de São Paulo que lida exclusivamente com Educação de Jovens e Adultos, especialmente na faixa etária dos 15 aos 18 anos. Foi um dos 50 finalistas do Prêmio Educador Nota 10 de 2017

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