Com relação aos instrumentos de política macroeconômica relate sobre política monetária

1. Introdução

1Para qualquer organização, a comunicação externa é essencial. Está em causa a sua reputação e a sua imagem perante públicos que podem representar efectivos ou potenciais clientes ou demais interessados no negócio ou funções da organização. Para determinadas organizações a necessidade de comunicação com o público pode tomar, contudo, outros contornos, que extravasam os interesses próprios. É precisamente sobre a relevância do processo comunicacional de uma das mais importantes instituições da organização social moderna, e cuja acção é fundamental para o bem-estar de todos, que este texto recai.

2Referimo-nos ao banco central. Este tem funções decisivas na organização económica de qualquer sociedade. A ele compete, dentro das suas atribuições e capacidades, zelar pela estabilidade de preços, e esta, como se verá, é de primordial importância para os resultados macroeconómicos e portanto para a vida de todos nós.

3Ao longo das próximas páginas centramo-nos na importância da comunicação entre banco central e agentes económicos privados, salientando que a eficácia deste processo comunicacional é vital para o desempenho macroeconómico.

4Começamos por referir aquilo que a autoridade monetária faz e como isso afecta o sistema económico. A política monetária, ou seja, as acções levadas a cabo pelo banco central no sentido de atingir determinados objectivos económicos tem importante repercussão sobre as principais grandezas económicas e por isso a política monetária tem de ser gerida com muito cuidado.

5O mais relevante para a nossa análise é que a acção do banco central, e respectiva eficácia, está fortemente ligada às expectativas do público (dos agentes económicos). A política monetária para ser eficaz tem de ser credível junto do público, e essa credibilidade só se consegue com um processo de comunicação bem gerido. É em torno desta realidade que o texto se desenvolve.

6O texto está organizado em seis secções. Após esta breve introdução, a secção 2 explica as funções de um banco central, fazendo referência aos objectivos da sua função e aos instrumentos utilizados para concretizar tais objectivos. A secção 3 procura sistematizar a razão pela qual a política monetária seguida pelo banco central é de primordial importância para a actividade económica, ou seja, discute-se qual o impacto sobre a economia real da manipulação no valor de variáveis monetárias.

7Quanto à secção 4, esta estabelece uma ligação entre política monetária, formação e gestão de expectativas e relevância da comunicação do banco central com o público; concluir-se-á que a comunicação transparente é meio caminho andado na prossecução de uma política monetária eficaz. A secção 5 aplica a discussão prévia ao caso concreto da actuação do Banco Central Europeu; debate-se o sucesso da política de comunicação do Banco e o modo como este sucesso contribui, ou não, para uma política monetária verdadeiramente eficaz. A secção 6 conclui.

2. O Banco Central. Objectivos e instrumentos

8O banco central é uma instituição de primeira importância em qualquer sociedade organizada. Enquanto autoridade monetária compete-lhe garantir a emissão de moeda, o correcto funcionamento do sistema bancário, e, de uma forma mais geral, ajudar a um são enquadramento económico que possibilite aos agentes privados – famílias e empresas – desenvolver as suas actividades e concretizar as suas transacções.

  • 1 Este espaço económico é geralmente um país, mas pode também ser uma zona geográfica mais vasta unida (...)

9Ao banco central compete a condução da política monetária de um espaço económico1. A política monetária, como qualquer política, envolve a definição de instrumentos no sentido de alcançar determinados objectivos. Detenhamo-nos em primeiro lugar nos objectivos da política monetária.

10Tradicionalmente, a teoria económica aponta para dois objectivos de política:

  1. manutenção de uma taxa de inflação reduzida e estável;

  2. estabilização da actividade económica.

11O segundo objectivo relaciona-se com a ideia de que o nível de produção efectivo numa economia não deve estar demasiadamente afastado do seu nível potencial, isto é, do nível de produção cuja capacidade produtiva existente (em termos de capital físico e humano e de potencial tecnológico acumulados na economia) permite concretizar. O problema é que estes dois objectivos tendem a ser conflituantes, como se descreverá nas secções 3 e 4. Isto significa que apontar para um nível de produção próximo do potencial pode comprometer a estabilidade de preços; por sua vez, a estabilização dos preços pode pôr em causa um tão rápido crescimento económico quanto seria possível, pelo menos numa avaliação conjuntural do problema.

12Avaliado o trade-off entre manutenção de baixa e estável inflação e promoção do crescimento da riqueza gerada no imediato, conclui-se que o banco central deve apontar primordialmente para a estabilidade de preços, isto porque a inflação tem um impacto sobre a actividade económica real que gera ineficiências e que pode comprometer o crescimento económico no longo prazo.

  • 2 De entre os mais importantes estudos da Economia Monetária contemporânea destacam-se os livros de T (...)

13O objectivo de controlo da inflação não é, obviamente, um fim em si mesmo, uma vez que os indivíduos não retiram utilidade directamente dos preços. O seu bem-estar económico depende de forma directa apenas dos bens consumidos e de outros factores como o rácio horas de trabalho – horas de lazer que enfrentam. Todavia, a instabilidade no nível geral de preços provoca necessariamente efeitos indesejáveis na percepção do valor das coisas entre si e na percepção do valor das coisas no tempo. Evitar estas distorções é essencial para o salutar funcionamento do sistema económico e por esta razão os economistas são hoje praticamente unânimes em admitir que o objectivo central, se não mesmo único, da política monetária e consequentemente da acção dos bancos centrais deverá ser a manutenção de uma taxa de inflação reduzida e estável. Esta é a indicação e o entendimento da actual Economia Monetária, o ramo da ciência económica que estuda as relações entre as variáveis reais da economia – produto e emprego – e as variáveis nominais – taxa de inflação e taxa de juro –, a qual é hoje uma das áreas mais activas da investigação económica2.

  • 3 A generalidade dos bancos centrais estabelece mesmo uma inflação-alvo como objectivo. De acordo com (...)

14Ficamos assim com este importante primeiro apontamento sobre as funções de um banco central: porque a instabilidade do nível geral de preços causa importantes distorções sobre as decisões dos agentes privados, provocando ineficiências ao nível da dinâmica de geração de riqueza, a política monetária conduzida pelo banco central deverá estar orientada para a estabilidade de preços3.3

15O banco central não tem efectivamente um controlo directo sobre o nível de preços. Quem fixa os preços dos bens numa economia de mercado são os agentes privados, ou seja, compradores e vendedores que se encontram no mercado e nele, através de um sistema de leilão multilateral, acordam em transaccionar de acordo com uma dada relação de valor que eles escolhem de forma soberana. No entanto, o banco central pode influenciar decisivamente o crescimento do nível geral de preços e fá-lo com recurso aos instrumentos ao seu dispor.

16Em concreto, o banco central controla a taxa de juro apontando para a estabilidade de preços. É então importante saber que nível de taxa de juro deve o banco central fixar no sentido de ser o mais eficaz possível na concretização do seu objectivo. A escolha da taxa de juro vai depender das condições económicas verificadas em cada momento.

17A generalidade dos bancos centrais opta por adoptar uma regra deTaylor, proposta em Taylor (1993), a qual consiste não em fixar um valor imutável para a taxa de juro ao longo do tempo mas sim em estabelecer uma relação mecânica entre a taxa de juro e as variáveis produto e inflação. A regra de Taylor assume tipicamente a seguinte estrutura:

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18em que it é a taxa de juro nominal de curto prazo, i*é a taxa de juro de equilíbrio, ẟ𝜋 e ẟx são constantes positivas, 𝜋té a taxa de inflação no momento t, 𝜋T é a inflação-alvo que se pretende que subsista no sistema económico e xt é o desvio do produto. Esta última variável define-se como a diferença entre o produto efectivo e o produto potencial, ou seja, xt corresponde ao desvio do PIB face à respectiva tendência de crescimento de longo prazo. Obviamente, este valor pode ser positivo, reflectindo um desvio positivo, ou negativo, caso em que o nível de produção está abaixo das capacidades produtivas reais da economia em dado momento t.

19Após definidas as variáveis 𝜋te xt, é fácil a interpretação da taxa de juro de equilíbrio – a taxa de juro fixada é uma taxa de juro de equilíbrio se 𝜋t=𝜋T e xt=0, ou seja, se o nível de inflação se encontra no seu valor-alvo e se não existe qualquer desvio do PIB face à respectiva tendência de longo prazo.

20A regra de Taylor tem a seguinte interpretação:

  1. se a taxa de inflação acelera face ao seu valor-alvo, então para ẟ𝜋>0 a taxa de juro deve assumir um valor mais elevado;

  2. se há uma expansão do produto acima do respectivo nível potencial, então o banco central deve procurar aumentar a taxa de juro.

21Taylor (1993) estimou uma regra de taxas de juro relativa ao comportamento do banco central norte-americano (a Reserva Federal) para o período 1980-1992, tendo chegado à seguinte equação:

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22Ao estimar o valor dos parâmetros ẟ𝜋 e ẟx para a actuação em concreto do mais importante banco central do nosso mundo, Taylor forneceu indicações de política importantes para a generalidade dos bancos centrais, até porque a política monetária em causa foi bem sucedida – a inflação norte-americana foi baixa e previsível durante o período indicado.

23Os parâmetros ẟ𝜋 e ẟx são medidas de sensibilidade da actuação do banco central face à situação económica conjuntural em concreto. Em particular, os valores em (2) caracterizam uma situação em que um aumento de 1% no desvio do produto face ao seu nível potencial implica que o banco central vai aumentar em 0,5% o valor da taxa de juro; da mesma forma, em resposta ao aumento da inflação, face ao nível-alvo, em 1%, o banco central faz aumentar a taxa de juro em 1,5%.

24O parâmetro ẟ𝜋 é de primordial importância. Vários estudos, entre os quais Clarida, Galí e Gertler (2000) e Bullard e Mitra (2002), confirmam um argumento inicial de Taylor de extrema importância – aquele que viria a ser designado por princípio deTaylor.

25Segundo este princípio, a regra de Taylor é estabilizadora, ou seja, conduz efectivamente à inflação-alvo, na circunstância em que a política monetária é activa. Uma política monetária activa será aquela em que a variação na taxa de juro responde mais do que proporcionalmente a uma variação na taxa de inflação, isto é, a política monetária é activa para ẟ𝜋>1. Paralelamente, uma política monetária poderá ser designada como passiva para ẟ𝜋<1.

26Assim, quando o banco central em resposta a um aumento na taxa de inflação provoca um aumento na taxa de juro proporcionalmente de maior dimensão que o primeiro, a prática (e também a teoria económica) tem demonstrado que este tipo de actuação conduz a uma inflação estável próxima do alvo inicialmente definido.

27A regra de Taylor é um mecanismo poderoso; apesar das múltiplas variáveis e efeitos presentes no sistema económico e que perturbam os mecanismos de transmissão da política monetária, ela tem-se mostrado robusta e eficaz em muitas diferentes conjunturas económicas. Para além disso, ela é uma regra de política simples, facilmente compreensível por parte do público – os agentes económicos facilmente entendem que, quando os preços crescem mais que o previsto, o banco central vai responder aumentando a taxa de juro; da mesma forma, desvios do produto vão levar à correspondente alteração da taxa de juro no sentido da estabilização da actividade produtiva.

28O facto de o público perceber e incorporar nas suas expectativas que a taxa de juro se vai alterar perante condições económicas bem definidas é essencial para o argumento que se pretende transmitir neste texto e que vai ficar claro na secção 4 – se o banco central tem uma regra bem definida para atingir um objectivo bem definido e se os agentes privados percebem e incorporam essa regra nas expectativas que têm sobre o futuro e nas decisões que vão tomar, gera-se um clima de confiança e estabilidade que é propício à estabilidade de preços.

29Neste raciocínio é óbvio que não basta ao banco central escolher uma regra e aplicá-la escrupulosamente; apesar de isso ser essencial, também é fundamental a capacidade de o banco central comunicar com o público, fazendo-lhe ver que efectivamente está a trabalhar num determinado sentido e com determinados objectivos. As secções 3 e 4 vão elucidar que a economia privada funciona com base em expectativas e só quando o banco central consegue transmitir sinais que levem os agentes privados a esperar baixa inflação é que efectivamente a inflação vai ser baixa.

3. Os efeitos reais da política monetária

30De um ponto de vista macroeconómico não é descabido pensar que a moeda é neutral. A moeda será neutral se qualquer variação no valor das variáveis nominais – taxa de juro e taxa de inflação – não tiver qualquer efeito sobre o nível de actividade económica. É relativamente fácil estabelecermos, enquanto filosofia geral, uma dicotomia entre esfera real e esfera monetária da actividade económica. Afinal, as variáveis reais, produção e emprego, são determinadas por factores reais, como a capacidade de acumular bens físicos, conhecimento e tecnologia. São os factores produtivos que geram uma dinâmica de criação de riqueza e não será o maior ou menor ritmo de crescimento dos preços a fazer regredir ou a fazer aumentar o volume ou a eficiência dos referidos factores produtivos.

31Deste modo, uma redução da taxa de juro pode estimular a procura e tal faz crescer o nível geral de preços; no entanto, a capacidade produtiva da economia mantém-se a mesma e os recursos continuam a ser afectados da mesma forma. A estrutura produtiva modificar-se-ia não em função de alterações no nível geral de preços mas sim em função de perturbações nos preços relativos, isto é, quando o valor relativo entre os bens se altera.

32Nesta perspectiva, correspondente a uma economia de mercados eficientes, onde não há imperfeições e os preços se ajustam continuamente, a moeda é efectivamente neutral – alterações nas taxas de juro provocam alterações na forma como os recursos reais são afectados na economia (com redistribuição do rendimento entre quem empresta e quem pede emprestado), mas não perturbam o funcionamento global do sistema económico.

33O raciocínio anterior será na realidade algo simplista. Segundo Calvo (1983), autor que estabeleceu os princípios fundamentais da explicação contemporânea dos efeitos reais da política monetária, existe rigidez nominal, ou seja, os preços (e os salários) não são continuamente ajustados, mantendo-se fixos por períodos de tempo que duram de alguns meses a um ano. Assim, enquanto as taxas de juro podem variar com grande frequência, existe um conjunto relativamente grande de preços de bens e serviços que são ajustados apenas no final de determinados intervalos de tempo mais ou menos longos.

34A intermitência no ajustamento dos preços (o facto de os preços serem sticky) leva a que uma alteração no stocknominal de moeda em circulação provoque inicialmente uma alteração no stockreal de moeda, ou seja, se as taxas de juro se modificam estimulando a procura e daí não resulta qualquer ajustamento imediato dos preços, a economia vai funcionar neste período de modo a incentivar a oferta o mais possível para fazer face à maior procura, fazendo o produto subir acima do seu nível potencial.

35A rigidez nominal tem uma consequência central para a percepção dos efeitos da política monetária. Sabendo os produtores que existem entraves a um ajustamento imediato dos preços em virtude da alteração das condições de procura, os preços vão ser fixados olhando para o futuro (de um modo forwardlooking), na base de expectativas sobre as condições económicas futuras, e não simplesmente como resposta a condições correntes. Como resultado, as expectativas são um factor crucial na relação de equilíbrio entre inflação e actividade económica real. Em concreto, se as empresas antecipam que os preços deverão crescer no futuro em função de um aumento da actividade económica real induzido pela política monetária, então elas vão aumentar os preços no presente, o que permite estabelecer uma relação de curto prazo entre inflação e desvio do produto face ao seu nível tendencial.

  • 4 Ver Walsh (2003), capítulo 5; Woodford (2003), capítulo 3; Woodford (1999) e Benigno e Woodford (20 (...)

36Para explicar teoricamente a relação entre inflação e actividade económica real, os economistas têm recorrido ao modelo de Calvo (1983)4.O modelo baseia-se nos seguintes pressupostos. Existe na economia um grande número de empresas que, em cada momento de tempo, têm de escolher entre manter o preço do bem que cada uma comercializa ou em alternativa ajustá-lo às novas condições de procura provocadas pela política monetária. Supõe-se que há uma probabilidade 1-ω (0≤ω≤1) de cada empresa individualmente ajustar o seu preço em cada momento de tempo, de modo que ω é um parâmetro de rigidez; quanto maior o seu valor, maior a rigidez dos preços, isto é, maior o intervalo de tempo que as empresas levam a reagir em termos de ajustamento dos preços.

  • 5 Assim a designou pela primeira vez Roberts (1995).

37Perante este cenário, é possível deduzir uma relação entre inflação e o desvio do produto face ao seu nível potencial, que ganhou a designação de “nova curva de Phillips Keynesiana”,5e que toma a seguinte forma:

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38As variáveis 𝜋te xtcorrespondem, como na secção 2, à taxa de inflação no momento t e ao desvio do produto face ao nível potencial. A variável Et𝜋t+1será o valor esperado, no momento t, para a taxa de inflação no período seguinte, t+1. Este valor esperado é a expectativa que os agentes privados têm acerca do valor futuro da inflação.

39Quanto à variável ut, esta representa outras perturbações conducentes à alteração do ritmo de crescimento dos preços para além daquelas relacionados com xt. Trata-se de choques da oferta sobre os preços, por exemplo o aumento do preço de qualquer bem importado.

40Os parâmetros β e λ(ω) têm a seguinte interpretação. O parâmetro β é um factor de desconto, isto é, diz-nos quanto é que a inflação esperada para o futuro é valorizada e incorporada em termos de inflação presente. Se se espera um aumento de 1% no ritmo de crescimento dos preços para o período seguinte, tal significa que já hoje os preços vão aumentar β%; isto acontece na sequência da lógica do modelo de determinação dos preços com rigidez nominal, ou seja, como os preços só são ajustados periodicamente uma expectativa de subida de preços leva a que os preços de imediato subam.

41No que respeita a 𝜆(ω), este parâmetro reflecte a sensibilidade da taxa de inflação a variações no desvio do produto. Trata-se de um parâmetro com valor positivo, e por isso quanto maior o seu valor mais sensíveis são os preços a variações no produto realizado; um valor elevado do parâmetro significa que qualquer pequena alteração em xtfaz oscilar significativamente o ritmo de crescimento dos preços. Quando 𝜆=0, os preços não respondem a perturbações na economia real. Como se observa, este parâmetro é função da probabilidade ω, que, recorde-se, reflecte o grau de rigidez dos preços. 𝜆 será uma função negativa de ω, isto é, quanto maior ω menor 𝜆, donde quanto mais rígidos forem os preços menos a taxa de inflação vai responder a variações positivas no produto efectivo face ao produto potencial. Assim, quanto maior o valor de 𝜆 mais flexíveis serão os preços.

42A “nova curva de Phillips Keynesiana”, deduzida com base em princípios lógicos e rigorosos, e portanto teoricamente aceite pela comunidade académica como reflectindo com precisão os determinantes da taxa de inflação, revela que a taxa de inflação no momento presente será tanto maior quanto maior for:

  • a expectativa de crescimento dos preços no futuro;

  • o produto efectivo, quando comparado com a respectiva tendência de longo prazo;

  • qualquer eventual perturbação sobre as condições de oferta que não dependa directamente da capacidade produtiva: por exemplo um aumento do preço de bens importados com peso significativo para a economia nacional.

43A relação (3) pode ser pensada como uma curva de oferta agregada (uma curva de oferta macroeconómica), uma vez que relaciona quantidades produzidas e preços, neste caso não em valores absolutos mas em taxa. Para completarmos o nosso modelo de economia monetária teremos de explicitar uma relação de procura, isto é, uma relação que indique qual o nível de procura na economia e portanto quanto as empresas deverão produzir para ir ao encontro dessa procura. Seguindo Clarida, Galí e Gertler (1999), esta relação de procura escreve-se como

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44A equação (4) revela que o nível de produção no momento t deve ir ao encontro daquilo que são as expectativas do público sobre o nível de produto no período seguinte, Etxt+1, estando também dependente de outros dois factores.

  • 6 A taxa de juro real, como qualquer variável real, corresponde à respectiva variável nominal deduzid (...)

45Primeiro, a taxa de juro real6.A taxa de juro real, rt=it-Et𝜋t+1, tem como é óbvio um efeito de sinal contrário sobre o nível de produto, já que o seu aumento significa um desincentivo ao investimento e ao consumo e logo uma contracção da despesa, com reflexo nas necessidades produtivas. O parâmetro φ é um parâmetro de sensibilidade de alterações na taxa de juro sobre o nível de procura, sendo um valor positivo. Quanto a gt, este representa eventuais choques no lado da procura, por exemplo um aumento da despesa pública (maior despesa pública é sinónimo de maior procura e por acréscimo de crescimento da produção em relação ao nível potencial).

46Com as equações (3) e (4) caracterizamos o sistema económico no curto prazo através de uma relação de oferta e de uma relação de procura. Note-se que em ambas as expectativas são importantes. Aquilo que se oferece e aquilo que se procura numa economia é, em parte, função daquilo que se espera que venha a ser produzido no futuro e da forma como se espera que os preços cresçam em períodos subsequentes. Para além disso, é evidente nas duas equações a relação entre variáveis reais e variáveis nominais:

  • por um lado, a taxa de juro e a taxa de inflação vão ter impacto sobre o nível real de produção;

  • por outro lado, o nível real de produção vai influenciar o ritmo de crescimento dos preços.

47Nesta secção descreveu-se com algum pormenor que existe uma relação próxima, pelo menos no curto prazo, entre variáveis reais e nominais. Por acréscimo, a actuação do banco central, a entidade reguladora das relações monetárias na economia, é fundamental. No pequeno modelo descrito, as expectativas têm um papel primordial e é sobre este papel que a secção 4 se debruça.

48Ao banco central cabe gerir expectativas no sentido de atingir os objectivos que se propõe. Muitos factores fogem ao poder do banco central na fixação da taxa de inflação, mas dois deles estão nas suas mãos – por um lado compete-lhe definir uma inflação-alvo baixa, por outro ele deverá ser capaz de manter por baixo as expectativas de inflação futura, e neste aspecto a comunicação com o público é essencial, como se depreenderá ao longo da secção 4. Se o banco central não conseguir passar para os agentes económicos a mensagem de que está a trabalhar para manter estáveis os preços, então as expectativas serão de inflação alta e, por conseguinte, a inflação hoje será também elevada, independentemente do esforço do banco central no respeitante à escolha de uma regra para a taxa de juro. É sobre esta problemática que nos debruçamos em seguida.

4. Discrição e regras. A importância da credibilidade

49Como já referido, o nível geral de preços não é em si importante para os agentes económicos, que apenas retiram utilidade do fruto da actividade económica real. Sabendo que existe um trade-offentre inflação e nível de produção e emprego no curto prazo faz sentido imaginar que em determinados momentos, de recessão, o banco central pode, provavelmente por indicação do poder político, ser levado a ter uma política menos dura com a estabilização monetária, incentivando antes o crescimento do produto (através da redução na taxa de juro). Por que razão o banco central não deve proceder deste modo é o que esta secção pretende discutir. Esta discussão leva-nos até à importância das expectativas e da comunicação com o público na formação das expectativas.

50Um banco central tem essencialmente duas opções na condução da política monetária. Pode optar por uma política de discrição, ou seja, em cada momento decide quais as melhores acções a tomar dados os seus objectivos, ou então poderá seguir uma determinada regra de actuação, fixada hoje para vigorar no futuro, como é o caso da regra de Taylor referida em secções anteriores. Existem certamente argumentos a favor do uso de cada um dos dois tipos de política. De entre estes argumentos destacam-se as seguintes ideias.

51A discrição permite escolhas tácticas. Se durante os últimos tempos a inflação foi baixa, o público forma expectativas de que ela continuará baixa e o banco central pode baixar as taxas de juro de modo a promover a procura sem que isso se mostre excessivamente nocivo no que concerne ao crescimento dos preços.

52A adopção de uma regra terá também vantagens, nomeadamente no sentido em que o banco central terá dificuldades em avaliar com correcção absoluta as verdadeiras condições económicas em determinado momento para escolher e decidir unicamente com base nestas; uma regra como a regra de Taylor é um mecanismo simples que permite ao banco central ter sempre uma resposta para dar face às modificações nas condições económicas que ele consegue observar, nomeadamente a inflação e o rendimento gerado na produção.

53Existe mais uma diferença entre discrição e regras que faz pender a balança decisivamente para o lado da adopção de uma regra. Esta diferença relaciona-se com um problema, identificado por Kydland e Prescott (1977) e Barro e Gordon (1983), e que ganhou a designação de inconsistência temporal da políticamonetária.

54A noção de inconsistência temporal radica na observação de que perante expectativas de baixa inflação, a autoridade monetária é tentada a adoptar uma política expansionista no sentido de elevar o produto acima do seu nível potencial. Todavia, o conhecimento ou a percepção por parte do público de que o banco central tem este incentivo significa que na prática os agentes económicos não vão esperar de facto uma taxa de inflação baixa. O resultado final será um aumento da inflação sem que se consiga efectivamente qualquer ganho real significativo.

55O problema da inconsistência temporal não significa que o banco central tenha tendência a adoptar imediatamente uma política expansionista assim que preveja que o público espera reduzida inflação; significa, sim, que basta que o público saiba que o banco central tem a possibilidade de deixar de apontar para um nível de inflação baixo para que à partida o público espere inflação mais alta.

56Miles e Scott (2002), no capítulo 16, apontam exemplos de inconsistência temporal fora do âmbito da política monetária para que efectivamente se perceba melhor o que está em causa. Um desses exemplos relaciona-se com a forma como o governo actua perante uma ameaça terrorista. Ao governo cabe tomar uma posição de nunca negociar com terroristas; isto é uma forma de reduzir a probabilidade de um atentado terrorista, pois se os terroristas sabem que as suas exigências não serão atendidas então é infrutífero proceder ao ataque. Mas quando a ameaça terrorista surge, por exemplo a execução de cidadãos inocentes, e perante a pressão da opinião pública, o incentivo a negociar é grande. Se o governo negoceia nesta situação arrisca-se a que no futuro os ataques terroristas se multipliquem, porque os malfeitores saberão que aquele governo cede a exigências.

57A política monetária funciona de modo muito semelhante – se o banco central mostrar firmeza face ao controlo da inflação, não haverá grande incentivo para que os agentes económicos modifiquem os preços. No entanto, se o banco central cede à tentação de utilizar a política monetária para estimular a procura uma única vez que seja, ele perde a credibilidade e mesmo que não o volte a fazer os preços vão continuar a subir porque os agentes económicos sabem que a qualquer momento o banco central pode quebrar o compromisso de actuar no sentido de preços estáveis.

58Não basta pois o banco central anunciar que o seu objectivo é que a inflação se mantenha baixa e estável. Se em dado momento procede de modo contrário ao anunciado, qualquer anúncio subsequente vai surgir como pouco credível aos olhos de famílias e empresas, sem consequências práticas em termos de estabilização de preços.

59O argumento da inconsistência temporal significa que, perante as escolhas postas ao banco central, há um incentivo para que este faça batota e tente explorar a relação evidenciada pela curva de Phillips. Não tendo os agentes privados qualquer garantia da autoridade monetária de que esta se compromete com a estabilidade de preços, uma política de inflação baixa é temporalmente inconsistente e portanto a economia ir-se-á manter no resultado de inflação elevada.

60Há pois tendência para um enviesamentoinflacionário (inflationarybias) na economia.

61Como resolver o enviesamento inflacionário consequência da inconsistência temporal da política monetária? A solução consiste em trocar a discrição, ou seja, a tomada de medidas avulsas consoante as motivações do momento, por uma regra clara, bem entendida pelo público e que tenha tendência a ser mantida no tempo. Esta regra não tem de ser algo demasiado rígido, nem é desejável que o seja, porque há um conjunto de condições do sistema económico que se alteram com frequência, tornando útil alguma discricionariedade. O desejável é uma regra do tipo da regra de Taylor, em que a taxa de juro é associada à taxa de inflação e ao gapdo produto.

62A regra deve, de acordo com o raciocínio apresentado, deixar explícito que o objectivo fundamental do banco central é a estabilidade de preços – só assim o equilíbrio entre inflação baixa e expectativas de baixa inflação é alcançável.

63Fugir a uma espiral inflacionária exige que o banco central seja uma instituição independente do poder político, que deve reivindicar claramente para si o objectivo da estabilidade de preços, negligenciando por completo a preocupação com o emprego e o produto.

64O raciocínio prévio permite-nos sublinhar dois pontos importantes:

  1. a política monetária do banco central tem de ser conduzida com independência;

  2. a política monetária do banco central tem de ser credível.

65A questão da independência, formalizada em Rogoff (1985), é imediatamente identificável na discussão desta secção. Só um banco central independente do poder político se pode comprometer com o estabelecimento para si mesmo de um objectivo de aversão à inflação.

66Pode aparentemente ser estranho que o governo deixe nas mãos de um pequeno grupo de indivíduos não eleito, e por si nomeado, uma função tão importante como a política monetária, sendo igualmente estranho que lhe dê indicações para ter como única preocupação a estabilidade de preços, mas de facto só assim se pode evitar uma inflação excessiva, penalizadora do correcto funcionamento do sistema económico.

67O segundo argumento é o que tem relação com a comunicação com o público.

68A eficácia da acção do banco central terá, como discutido, uma relação estreita com as expectativas do sector privado. Porém, o sector privado não tem à partida noção sobre se o banco central está a “navegar à vista” ou se pelo contrário está a seguir uma regra ou um compromisso que em caso algum vai renegar. Não será por decreto que o banco central fará saber junto dos agentes económicos se opta pela discrição ou pela adopção de uma regra.

69A existência de uma regra explícita que os agentes económicos possam incorporar como aquela que em todas as ocasiões vai ser aplicada (por exemplo, que a taxa de juro é aumentada sempre que há um desvio inflacionário) é algo que tem de ser consolidado através de um processo de comunicação contínuo e eficaz entre banco central e agentes económicos.

70Se o banco central não der a conhecer aquilo que são as linhas de política que segue, se não recomendar sistematicamente aos agentes económicos contenção na forma como modificam os preços dos bens e serviços transaccionados (incluíndo a contenção salarial), se não actuar de modo coerente e se o público não entender que essa actuação está em consonância com determinados princípios, então de nada servirá a independência e as boas intenções da autoridade monetária – de acordo com os argumentos anteriores uma má comunicação com o público poderá significar expectativas de elevada inflação, mesmo quando o banco central pretende seguir a mais espartana das políticas monetárias.

71A mensagem fundamental que se pretende transmitir é então sintetizável na seguinte ideia: um compromisso com a transparência, o rigor e o diálogo com os agentes privados é o caminho para que as regras de política fixadas por um banco central independente sejam concretizadas.

72O banco central é um gestor de expectativas, e as expectativas só podem ser geridas de modo eficaz se esta instituição for capaz de divulgar sistematicamente informação sobre a sua actividade e sobre as suas intenções de política.

73Não é por qualquer motivo mais ou menos obscuro que os bancos centrais publicam com regularidade relatórios e boletins dando conta da situação conjuntural do sistema económico e do seu rumo de actuação. Ao publicar estes relatórios, o banco central está a moldar as expectativas dos agentes económicos. Mostrando-lhes aquilo que são os resultados económicos dos últimos meses e apresentando as suas próprias previsões sobre taxas de juro, taxa de inflação e crescimento económico, ao mesmo tempo que comunica o rumo a seguir nos próximos tempos no que respeita à fixação de taxas de juro de curto prazo e à regulamentação da concessão de crédito por parte dos bancos, a autoridade monetária está a ajudar-se a si mesma a tornar as regras que impõe percebidas e credíveis e a transformar as suas acções efectivamente em regras com continuidade temporal.

74Perceba-se que as duas variáveis são fundamentais e de nada serve uma sem a outra: uma política coerente, com compromisso por um critério e independente de pressões políticas é impotente se ela não se tornar credível através de um processo de comunicação eficaz.

75Mas o contrário também é verdade: o banco central pode conseguir ser claro e transparente no processo comunicacional, fazendo o público acreditar convictamente que ele está a trabalhar no sentido de manter uma taxa de inflação baixa e estável; porém se actua em sentido oposto àquilo a que se comprometeu com o público, a comunicação apesar de em si ser eficaz torna-se pouco credível e os agentes económicos deixam de lhe dar importância, tornando-se ineficaz.

76A discussão acerca da importância da boa comunicação para que uma regra de política se torne efectivamente uma regra na prática vem ao encontro daquele que é o argumento fundamental deste texto. A comunicação é importante em qualquer organização; ela promove acima de tudo o interesse próprio da organização, nomeadamente estando em causa organizações de carácter privado, ao passo que no caso das instituições públicas a comunicação é também uma forma de as autoridades eleitas prestarem contas acerca do seu trabalho, de modo a que este seja avaliado, sabendo que essa avaliação se vai repercutir na escolha futura dos representantes públicos.

77No caso do banco central, a relevância da comunicação externa ultrapassa de longe a mera forma de preservar a boa imagem ou garantir a continuidade da sua direcção. A comunicação é, neste caso, um elemento crucial para o desempenho macroeconómico de um país, com impacto sobre a vida de todos nós. A inabilidade do banco central em comunicar com o público traduz-se em expectativas de crescimento rápido e imprevisível dos preços, com as consequências que nas secções anteriores vimos existirem para o funcionamento do sistema económico: a incerteza contrai o investimento, impede o funcionamento correcto do sistema bancário, nomeadamente no que respeita à concessão de crédito, e confunde os agentes económicos, que terão dificuldade em discernir entre variações nos preços relativos e aumento no nível geral de preços.

78Não exageramos pois se concluirmos que, se há uma entidade no sistema económico para a qual a comunicação é vital, essa entidade é a autoridade pública responsável pela política monetária.

5. O caso do Banco Central Europeu

79O Banco Central Europeu (BCE) é uma instituição recente, tendo começado a exercer funções no ano de 1999. O BCE é também uma instituição inovadora, que gere a política monetária não para um país mas para um conjunto significativo de países política e juridicamente soberanos (actualmente 12), que formam a zona euro.

80Se o carácter inovador e a amplitude geográfica da sua actuação impõem problemas novos, o facto de ser uma instituição recente dá-lhe a liberdade de poder deixar para trás as ineficiências presentes no conjunto de instituições que lhe deram origem (os bancos centrais dos países) e aprender com os erros para assim ser mais eficaz na obtenção dos objectivos macroeconómicos que se propõe atingir.

  • 7 Grande parte da informação discutida nesta secção encontra-se no site do BCE. Para saber mais visit (...)

81Esta secção debruça-se fundamentalmente sobre a actuação do BCE7.A secção divide-se, em termos de conteúdo, em duas. Em primeiro lugar faz-se uma breve avaliação do sucesso da política monetária seguida pelo BCE até ao momento, tendo em consideração os objectivos que ele se propôs. Em segundo lugar, analisa-se a política de comunicação deste banco central – refere-se, em algum pormenor, quais os principais instrumentos de comunicação à disposição do BCE para comunicar com o público e enfatiza-se a consciência que o banco central do espaço europeu tem tido de que as relações públicas são essenciais para o sucesso de uma política que tem reflexo no bem-estar e nível de vida de todos nós.

  • 8 Note que, de acordo com o que está consagrado no Tratado de Maastricht, o SEBC é constituído pelo B (...)

82O Tratado da União Europeia, assinado em 1992 na cidade holandesa de Maastricht pelos chefes de Estado e governo dos Estados membros da União Europeia, consagrou desde logo o papel que um banco central regulador de um Sistema Europeu de Bancos Centrais nacionais (SEBC) viria a ter. Diz o artigo 105 do Tratado que “o objectivo primordial do SEBC é a manutenção da estabilidade de preços”;8 este objectivo vem obviamente na sequência da teo- ria da política monetária discutida nas três secções precedentes. De qualquer forma, o Tratado não fecha a porta a outros objectivos. No mesmo artigo pode ler-se: “Sem prejuízo do objectivo da estabilidade dos preços, o SEBC apoiará as políticas económicas gerais na Comunidade tendo em vista contribuir para a realização dos objectivos da Comunidade.” Estes objectivos da Comunidade englobam a existência de um nível elevado de emprego e o crescimento económico real.

83Deste modo, o BCE foi à partida criado com um mandato claro no que concerne às suas prioridades ou hierarquia de objectivos: a política monetária deve acima de tudo estar orientada para a estabilidade de preços. Ao estabelecer este objectivo, o legislador percebeu os argumentos que se procuraram transmitir ao longo das secções anteriores, nomeadamente que uma política expansionista pode ter efeitos reais no curto prazo, mas no longo prazo acaba por se repercutir exclusivamente sobre o nível de preços. Pelo contrário, uma política de rigor orientada para a estabilidade de preços funciona como uma condição de partida para aumentar a confiança dos agentes económicos, incentivando o potencial de crescimento da capacidade de gerar riqueza.

84O Tratado de Maastricht faz ainda referência (no artigo 107) à necessidade de o BCE ser independente face a qualquer poder político, o que, como discutido atrás, é um requisito de primordial importância para garantir que ele seguirá uma regra destinada à manutenção da estabilidade de preços, sem que sofra qualquer pressão para se desviar dos objectivos pré-estabelecidos.

85Em concreto, o Tratado estabelece que “no exercício dos poderes e no cumprimento das atribuições e deveres que lhes são conferidos pelo presente Tratado e pelos estatutos do SEBC, o BCE, os bancos centrais nacionais ou qualquer membro dos respectivos órgãos de decisão não podem solicitar ou receber instruções das Instituições ou organismos comunitários, dos governos dos Estados-membros ou de qualquer outra entidade. As Instituições ou organismos comunitários, bem como os governos dos Estados-membros, comprometem-se a respeitar este princípio e a não procurar influenciar os membros dos órgãos de decisão do BCE ou dos bancos centrais nacionais no exercício das suas funções.”

86Dado o enquadramento fornecido pelo Tratado, o BCE teve de definir com rigor o seu objectivo de política monetária e os instrumentos a utilizar para o atingir.

87No que respeita ao objectivo, o BCE é desde o início claro – o Conselho de Governadores do BCE definiu um compromisso de manter a taxa de inflação da zona euro (medida pelo Índice de Preços no Consumidor Harmonizado) abaixo dos 2%. Este compromisso viria a sofrer uma clarificação em 2003: é entendimento do BCE que na prossecução da estabilidade de preços a inflação deverá ser mantida abaixo dos 2%, mas perto deste valor, no médio prazo.

88Porquê a definição do objectivo nestes moldes? Uma explicação pormenorizada pode ser encontrada no relatório anual do BCE de 2003, e segue os argumentos já apresentados acerca dos riscos de uma inflação alta. Com a imposição de um limite superior de 2% para a inflação, o BCE aponta para preços estáveis e previsíveis, procurando contornar dificuldades como a distorção dos preços relativos, o desvio de recursos de actividades produtivas para usos especulativos, a redistribuição arbitrária do rendimento ou o adensar da incerteza face às decisões económicas.

89O banco central responsável pela política monetária na zona euro congratula-se com os resultados que a sua política tem alcançado nos últimos anos. O BCE assume-se como um banco central moderno, capaz de se mostrar flexível perante alterações na conjuntura económica, que não têm sido poucas nem irrelevantes nos últimos anos, e simultaneamente revelar-se esclarecido em relação a um conjunto de princípios económicos hoje claramente aceites na comunidade científica como indispensáveis a um bom desempenho da política monetária.

90Deste modo, o BCE verifica que a meta estabelecida para a taxa de inflação para a zona euro tem sido grosso modoalcançada e que, apesar de a taxa de inflação ter tendido a ultrapassar ligeiramente os 2% nos últimos anos (tem rondado o intervalo entre os 2% e os 3%), as expectativas por parte do público acerca da inflação futura mantêm-se abaixo do limite dos 2%. Não há pois uma perspectiva de subida dos preços nos próximos tempos na zona que ponha em causa o regular funcionamento do sistema económico e, neste sentido, considera-se que a política do BCE é uma política bem sucedida.

91A opinião anterior é a opinião oficial do próprio BCE, mas não é unânime. Alguns dos mais distintos economistas dedicados à análise e estudo da política monetária, como Galí, Gerlach, Rotemberg, Uhlig e Woodford (2004), questionam o sucesso do BCE. Segundo estes autores, não se questiona que o BCE esteja fundado em princípios rigorosos e sensatos, como a sua independência face a qualquer poder político, a forte retórica anti-inflacionista e uma bem conduzida comunicação com o público, mas isso não basta – a própria condução da política tem de estar em consonância com esses princípios.

92O que é facto é que o objectivo traçado por Wim Duisenberg (presidente do BCE até ao final de 2003) e reafirmado por Jean-Claude Trichet (o actual presidente da instituição) de manutenção de uma taxa de inflação abaixo dos 2% tem sido falhado – a taxa de inflação na zona euro tem ultrapassado com frequência este limite, apesar de não o fazer de forma dramática; ela tem-se mantido no intervalo entre os 2% e os 3%. O veredicto destes autores é então que o BCE está a falhar no seu objectivo rigorosamente quantificado, mesmo que se conceda que essa falha não é de montante significativo.

93Há, pois, motivos de preocupação em relação aos resultados da política monetária conduzida pelo BCE. Já sabemos quais os perigos de anúncios de objectivos de política monetária não cumpridos, e é neste sentido que preocupantemente se parece caminhar. O BCE foi ambicioso na fixação dos seus objectivos e isto ajudou a manter as expectativas de inflação em baixa. Todavia, a comunicação fortemente toldada por uma preocupação de rigor não tem manifestamente sido acompanhada por um rigor equivalente na condução da política, isto é, no cumprimento de uma regra para a taxa de juro que permita uma estabilidade sustentada dos preços.

94O BCE começa hoje a perder credibilidade com o desvio da inflação face aos objectivos pré-anunciados, de modo que se percebe que o BCE vai ter dificuldades acrescidas em guiar as expectativas do sector privado no futuro. De facto, de acordo com o estudo mencionado, parece claro que a retórica de rigor não posta completamente em prática pelo BCE é um erro estratégico que terá consequências nefastas para o futuro da economia europeia. A credibilidade do BCE estará, perante estes argumentos, minada.

95Por que razão o BCE não tem cumprido com rigor o objectivo a que se comprometeu?

96O problema pode ser encarado de duas formas. Por um lado, o objectivo talvez seja demasiadamente ambicioso. O BCE poderia ter estabelecido uma inflação-alvo entre 1% e 3%, valores compatíveis com a ideia de estabilidade de preços, e neste caso estaria a cumprir o compromisso assumido. A sua credibilidade seria mantida ao promover aquilo que teria anunciado.

97Reforça-se assim a ideia de que a escolha de uma política excessivamente anti-inflacionista foi um erro estratégico; ao fazer tal escolha, o BCE assumiu um risco grande, tornando-se uma instituição com a reputação ameaçada – sabendo nós o que a reputação significa neste contexto. O BCE estará sempre a tempo de redefinir o seu objectivo, mas em tal circunstância estaria a reconhecer que errou, o que também não ajuda propriamente em termos de credibilidade.

98Por outro lado, através dos seus diversos instrumentos de comunicação o BCE tem demonstrado uma preocupação excessiva com a economia real no curto prazo, dando a entender que em certas circunstâncias faz sentido abandonar a regra de escolha da taxa de juro em função do objectivo da estabilidade nominal, utilizando em contrapartida a taxa de juro para dinamizar a procura.

99Os parágrafos anteriores deixam uma ideia clara: independentemente de se considerar que o BCE tem conseguido atingir os seus objectivos ao proporcionar uma taxa de inflação relativamente estável pouco acima dos 2% e mantendo em baixa as expectativas do sector privado no que concerne ao crescimento dos preços, ou que, pelo contrário, esta entidade corre o risco de perda de credibilidade por não estar a cumprir na íntegra aquilo que anunciou, o facto é que o processo de comunicação do BCE com o público tem sido eficaz.

100O BCE tem conseguido incutir, nos seus poucos anos de existência, uma imagem de rigor, transparência e sobriedade, que uma instituição com as suas responsabilidades tem de ter.

101Sem se pretender ser exaustivo, os próximos parágrafos enumeram os principais instrumentos utilizados pelo BCE para comunicar com os agentes económicos da zona euro. Este processo de comunicação, já o sabemos, é não só uma obrigação de transparência por parte de uma instituição que funciona com recurso a financiamento público mas também uma peça fundamental da própria política monetária. O BCE está mesmo obrigado do ponto de vista legal a prestar contas e a clarificar as medidas de política adoptadas perante o público. O Tratado de Maastricht previa desde logo a publicação de relatórios periódicos sobre as suas actividades.

  • 9 Informação mais pormenorizada a este nível pode ser encontrada na página do BCE na Internet: www.ec (...)

102De entre as actividades de comunicação do BCE destacam-se as seguintes9:

  1. publicações;

  2. comunicados de imprensa;

  3. conferências de imprensa, discursos públicos e entrevistas concedidas por responsáveis da instituição.

103Detenhamo-nos um pouco sobre cada um destes instrumentos de comunicação.

104Quanto às publicações, assumem especial preponderância o boletimmensal e o relatórioanual. No boletim mensal são explicadas as decisões de política monetária tomadas pelo Conselho de Governadores do BCE. O boletim é constituído por um editorial, no qual efectivamente se apresenta o valor em que se encontra fixada a taxa de juro de curto prazo para as operações financeiras da zona euro e no qual se explicam rigorosamente as razões da manutenção ou alteração dessa taxa de juro em função dos movimentos recentes no nível de preços, nas expectativas sobre preços e no andamento da actividade económica real. O editorial traduz pois a forma como o Conselho de Governadores encara a conjuntura económica e como isso se deve traduzir numa decisão de fixar um dado valor para a taxa de juro.

105Para além do editorial, o boletim mensal fornece uma análise detalhada da situação económica corrente quer ao nível das condições financeiras e de preços quer ao nível do crescimento real, das condições de procura e do mercado de trabalho. É com base nesta análise que o BCE toma as decisões de política explicadas no editorial.

  • 10 Este relatório anual é apresentado ao Parlamento Europeu e submetido para apreciação ao Conselho da (...)

106O relatório anual será um documento de natureza mais estratégica, onde o presidente do BCE reafirma os objectivos de política monetária, onde a actividade do banco ao longo do último ano é sintetizada e onde são apresentadas e discutidas as principais questões do foro político e económico que irão preocupar o BCE nos próximos trimestres: a conjuntura económica mundial, o aprofundamento da integração europeia, as questões cambiais, entre outras10.

107Através dos comunicados de imprensa (pressreleases), o BCE dá a conhecer os actos de gestão corrente a que procede, divulgando também informações sobre decisões de política monetária, em particular sobre decisões de escolha de taxa de juro. Dependendo da actividade do Banco, estes comunicados podem atingir, por mês, cerca de uma dezena.

108Finalmente, através de conferências de imprensa, discursos e entrevistas, o presidente da instituição e outros altos funcionários reenfatizam as ideias apresentadas nos boletins mensais e no relatório anual. Em particular, o presidente do BCE dá uma conferência de imprensa todos os meses onde, numa declaração inicial, reproduz o conteúdo do editorial do boletim mensal, anunciando e explicando as decisões de política monetária.

109Numa destas conferências de imprensa, em Julho de 2004, o presidente Jean-Claude Trichet, em resposta a um jornalista, afirma que “a transparência é a regra do jogo”. Esta frase sintetiza a importância que temos vindo a apontar à capacidade de comunicação do banco central e justifica a multiplicidade de meios de comunicação externa com que o BCE se muniu para fazer passar as suas mensagens, as quais são fundamentais para todos nós, cidadãos da zona euro.

110Convém salientar que os relatórios mensais e anuais se encontram vocacionados para prestar informação pormenorizada de modo directo àqueles agentes que mais peso têm no sistema económico, ou seja, grandes empresas, sector financeiro e decisores políticos. Quanto às conferências e comunicados à imprensa, estes procuram fazer chegar, num primeiro momento, o essencial da mensagem aos meios de comunicação de massas, os quais por sua vez a retransmitem para o público; uma grande parte dos agentes económicos (pequenas empresas e famílias) acede assim à mensagem do banco central por via indirecta e devidamente expurgada de elementos acessórios e que pouco acrescentam à sua compreensão sobre o assunto.

111O BCE orgulha-se de ser um dos bancos centrais mais transparentes do mundo. No relatório anual de 2003 pode ler-se: “O conceito de explicação regular, em tempo real e pormenorizada da política, avaliações e decisões do BCE, introduzido em 1999, representa uma abordagem única de abertura e transparência da comunicação dos bancos centrais.” (página 165).

112De facto, a explicação atempada e rigorosa das decisões de política do BCE através dos boletins mensais, relatórios anuais e conferências de imprensa mensais conduzidas pelo presidente do Banco faz parte de uma política que se assume pela modernidade, que leva verdadeiramente à letra a noção de que a comunicação com o público é um ingrediente de primordial importância para o sucesso de uma política cujos efeitos se repercutem no bem-estar de todos. Fica, todavia, a ideia de que a comunicação sem a correspondente acção é, no caso da política monetária, mais perniciosa que a falta de comunicação e, como referido, há quem acredite que o BCE está a este nível a cair em terrenos perigosos.

6. Conclusões

113A boa imagem perante o público é vital para o sucesso de qualquer organização, no que respeita aos objectivos que ela se propõe cumprir. Estes objectivos são, para a generalidade das organizações, relativos a interesses próprios - para uma empresa privada, a imagem pública reflecte-se no crescimento do volume de vendas e no respectivo lucro. Fomentar a sua credibilidade, prestígio e simpatia perante a sociedade como um todo ou perante determinada comunidade local ou comunidade de interesses serve o objectivo explícito de salvaguarda dos interesses dos accionistas, gestores e trabalhadores da própria instituição. Neste sentido, a comunicação será uma entre diversas ferramentas ao dispor da empresa para procurar racionalizar a actividade que prossegue e optimizar os respectivos resultados.

114Este texto identifica uma instituição cuja função comunicacional vai muito além da simples defesa do seu desempenho. Uma instituição pública, qualquer que seja, tem objectivos sociais, isto é, procura atingir resultados não para si mas tendo como orientação o bem-estar geral. Deste modo, a comunicação do banco central com o público destaca-se a este nível – pretende ajudar a atingir objectivos macroeconómicos, de que todos os indivíduos e entidades podem retirar proveitos, e por conseguinte destaca-se daquilo que é a orientação das empresas privadas no âmbito da comunicação.

115Mas a comunicação do banco central destaca-se também da comunicação ao nível de outras instituições públicas. Para um banco central, a comunicação é intrínseca à sua actividade. É uma componente desta actividade, sem a qual ela deixa de existir porque pura e simplesmente perde toda a sua eficácia. Este é o aspecto fulcral, que se reenfatiza: a autoridade monetária tem na comunicação não apenas uma forma de transmitir resultados mas um modo de determinar esses resultados. O banco central é um gestor de expectativas e as expectativas dos agentes económicos só podem ser geridas por esta entidade se ela conseguir montar uma estratégia de comunicação sem ruído e transparente, e que, não menos importante, tem de ser acompanhada por acções compatíveis e coerentes com a informação que transmite, uma vez que gerir expectativas é comunicar mas é também agir em conformidade com o que se comunica.

116Para ganhar total consciência da relevância da comunicação emanada do banco central, começamos, na secção 2, por identificar claramente o objectivo desta organização – a estabilidade de preços. Porque inflação alta e instável provoca incerteza e ineficiência no funcionamento do sistema económico e nas relações estabelecidas entre empresas e famílias, é importante evitá-la, e o banco central tem a possibilidade de o fazer. Para concretizar este objectivo, verificamos que a autoridade monetária manipula a taxa de juro de referência. Através de um mecanismo de transmissão monetária, a manipulação da taxa de juro tem efeito sobre a actividade dos agentes económicos privados – as condições de investimento e consumo vão ser alteradas e a perturbação na procura agregada vai influenciar o nível de preços.

117Apesar de o mecanismo de transmissão monetária não ser um mecanismo automático, em que de um lado se coloca a variação percentual escolhida para a taxa de juro e do outro lado sai a variação percentual pretendida para o nível de preços, este processo possibilita com algum grau de rigor concretizar os objectivos definidos. Porém, a política monetária é muito mais complexa do que a simples escolha de uma taxa de juro para que se verifique uma determinada taxa de inflação. Nomeadamente, há que entender que as expectativas do público face à inflação futura podem deturpar em grande medida esse processo de transmissão da política monetária – se os agentes económicos têm a convicção de que os preços vão aumentar no futuro, nada os impede de facto de agir no presente em consonância com essa convicção e, por conseguinte, uma política restritiva da procura agregada por via do aumento da taxa de juro pode não ser eficaz no combate à inflação.

118Perante o problema da inconsistência temporal da política monetária, que conduz a um pernicioso enviesamento inflacionário, a comunicação do banco central com o público deve deixar claro que este tem um objectivo de estabilidade de preços e que dele não se desviará (o que significa também que terá de assumir uma postura de independência face a qualquer poder ou grupo de pressão). Se este processo de comunicação for bem sucedido, e a respectiva acção estiver em consonância, então os agentes económicos vão desenvolver as suas actividades sem que a variação dos preços e a previsão sobre variações futuras dos preços constituam entraves significativos.

119Os recursos serão assim orientados mais fortemente para a promoção de resultados económicos reais.

120Na prática, os bancos centrais reconhecem que as indicações da teoria económica são correctas e, apesar de determinadas contingências por vezes desviarem a sua actuação do comportamento desejável, procuram agir de modo a atingir um objectivo rigoroso e quantificado para a taxa de inflação e estabelecem um processo de comunicação com o público que pretende ser sistemático e transparente. O BCE é um bom exemplo a este nível, como caracterizado na secção 5.

O que são instrumentos de política monetária?

Instrumentos da Política Monetária é um conjunto de ferramentas utilizadas pelo Banco Central para atingir objetivos pretendidos pela política monetária. Entre esses objetivos pode estar o controle inflacionário, ponto considerado como muito importante na economia do país.

Quais os instrumentos de controle monetário?

Para tentar controlar a economia o Banco Central possui a sua disposição, basicamente, três instrumentos para a realização da política monetária. São eles: as operações no mercado aberto, operações de redesconto e os depósitos compulsórios.

Quais são os principais objetivos da política monetária?

As políticas monetária, creditícia e cambial têm como objetivos o alcance, pelo Banco Central do Brasil (BCB), da meta para a inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN); a manutenção das condições prudenciais e regulamentares para que a expansão do mercado de crédito ocorra em ambiente que assegure a ...

Quanto à política monetária é correto afirmar que?

A política monetária é o conjunto de medidas que um governo adota e que visa o controle da oferta da sua moeda na economia, ou seja, a sua liquidez. Dessa maneira, esse tipo de política praticada pelo Estado pode impactar diretamente a inflação e a taxa de juros de um país.