Aponte a relação entre a elevação dos preços das commodities agropecuárias

A crise tende a elevar ainda mais os preços agrícolas, mas é importante ponderar que nas últimas décadas a alta produtividade contribuiu para o controle da inflação e para o aumento da renda dos brasileiros

Leandro Gilio e Marcos Sawaya Jank

Nos últimos dois anos, todos os indicadores macroeconômicos foram contaminados pelos efeitos deletérios da pandemia da covid-19. Mas, diferentemente de outros setores da economia, o agronegócio brasileiro registrou forte crescimento, acumulando alta quase 38% em termos de renda nos últimos dois anos (dados do Cepea/CNA).

O principal motor da expansão do agronegócio brasileiro é o segmento exportador de commodities agropecuárias e alimentares, que em 2021 cresceu quase 30% em valor de embarques na comparação com o mesmo período do ano anterior, atingindo o recorde de US$ 120,8 bilhões. Isso contribuiu para manter positivo o saldo da balança comercial brasileira (US$ 61,2 bilhões em 2021), já que nos demais setores da economia o Brasil apresentou déficit de US$ 43,8 bilhões, segundo dados do Mapa e da Secex.

Esse resultado positivo se deve ao alto patamar alcançado pelos preços internacionais (em dólares) pagos pelas principais commodities exportadas pelo Brasil, visto que houve redução no volume embarcado em relação ao ano anterior (queda de aproximadamente 8%).

No entanto, se por um lado esse resultado tem ajudado a minimizar os efeitos da crise gerada pela pandemia na economia brasileira, por outro tem causado preocupação para a sociedade em função de uma alta expressiva nos preços dos alimentos, influenciada também pela desvalorização do real no período. Essa preocupação ganha contornos ainda mais graves com a guerra na Ucrânia.

O fato é que a população brasileira vem sentindo o aumento da inflação desde a eclosão da pandemia, sobretudo as famílias mais pobres, que gastam uma parte significativa de sua renda com alimentação.

O gráfico abaixo mostra que a inflação medida pelo IPCA (IBGE), em 2020 e 2021, acumulou mais de 15%, com o grupo “alimentação e bebidas” registrando um crescimento de 23,2% em preços, a maior elevação entre os grupos de produtos que compõem o índice. E o que tem puxado a alta da inflação de alimentos são itens importantes na composição da cesta básica de consumo da população, como arroz, leite e derivados, carnes e café.

Aponte a relação entre a elevação dos preços das commodities agropecuárias

Vale destacar alguns fatores conjunturais observados nos últimos dois anos:

• As exportações do setor foram altamente incentivadas pela desvalorização do real frente ao dólar, intensificada pelo influxo de capitais decorrente da elevação dos riscos desde o início da pandemia;

• Demanda interna impulsionada pelo auxílio emergencial, e maior dispêndio com alimentação dentro do lar em consequência da pandemia;

• Demanda externa firme, impulsionada pelos países asiáticos que tiveram instabilidades importantes nas cadeias de suprimentos, com destaque para a China;

• Quebras de safra observadas em importantes produtos, como milho, soja, café, carne bovina e cana-de-açúcar, em decorrência de secas e geadas subsequentes.

Dessa forma, houve um importante choque de demanda no setor, que impulsionou preços, os quais não vêm sendo compensados com ações significativas de redução de tarifas para importação de alimentos (que também não teriam grande efeito devido aos custos dessa operação) e taxa de câmbio desfavorável à importação.

Ao avaliar dados mais recentes da evolução dos preços ao produtor rural, em várias culturas já se verificava uma tendência de estabilização, e a preocupação com relação a preços de produtos agroalimentares ao consumidor final já vinha se dissipando — em 2021, o IPCA para o grupo alimentação apresentou alta de 7,9%, enquanto o índice geral chegou a 10%.

No entanto, a preocupação com relação aos preços de produtos de origem agrícola volta com força em 2022 diante do novo contexto gerado pela invasão da Ucrânia pela Rússia. No curto prazo, as atenções maiores voltaram-se para o trigo. Rússia e Ucrânia respondem por quase 30% das exportações mundiais do cereal em 2021. No mercado brasileiro, quase 50% da demanda de trigo é suprida por importações, oriundas principalmente da Argentina. Os preços globais do cereal já se elevaram em 30% desde o início da guerra, com o previsível choque de oferta, e certamente parte dessa alta deverá ser transferida para o consumidor nos próximos meses. Outro produto que teve altas importantes de preços é o milho, uma vez que a Ucrânia é o quarto maior exportador mundial, atrás dos Estados Unidos, do Brasil e da Argentina.

Outra preocupação latente vem do mercado de fertilizantes. Atualmente, cerca de 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil têm origem em matérias-primas importadas, sendo a Rússia o maior fornecedor do Brasil e um dos principais players globais na produção e exportação desses produtos. As questões de guerra certamente impulsionarão o valor de insumos agrícolas, que já vinham em trajetória de alta, pressionando a renda do produtor rural. Há, ainda, o risco de desabastecimento, o que poderá prejudicar as safras que serão entregues de 2022/23 e 2023/24 e exigirá do setor e do governo um grande esforço de planejamento e coordenação.

Some-se a isso a alta do petróleo e de outras fontes energéticas. Em 11 de março, a Petrobras anunciou um reajuste de 24,9% no diesel às distribuidoras, e o agronegócio é o setor da economia mais vulnerável à alta no valor dos transportes rodoviários de carga. Segundo estudos do Cepea/Esalq-USP, os produtos do agronegócio representam cerca de 42% dos serviços de transporte no país e, em geral, o valor da carga é baixo em relação ao volume transportado — o que indica um forte impacto direto do custo de transporte sobre o valor final do produto.

O fato é que observamos uma conjuntura altista de preços de insumos e produtos agropecuários desde 2020. No entanto, é importante ponderar que nas últimas três décadas o agronegócio vem entregando altas taxas de crescimento de produção e produtividade, que resultaram em alimentos cada vez mais acessíveis e competitivos para o consumidor brasileiro, com evolução de preços reais abaixo dos demais setores da economia brasileira.

Esse fenômeno é demonstrado na figura abaixo, na qual se verifica que os preços relativos dos alimentos ao consumidor no Brasil apresentaram queda significativa após a década de 1980, e não se elevaram nem mesmo durante o período que ficou conhecido como “boom das commodities”, entre 2008 e 2014.

Com a manutenção de um baixo patamar de preços internos do agronegócio, graças ao forte crescimento da produção e da produtividade, o setor agrícola vem contribuindo por décadas para o controle da inflação brasileira, colaborando também para a maior disponibilidade de renda à população.

Uma das evidências desse efeito é a perda de participação do grupo “alimentação” dentro do orçamento das famílias brasileiras, que chegava a 34% do total em 1974/75 e passou para 18% em 2017/18, segundo dados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE.

Portanto, é importante refletir sobre esses dados históricos antes de atribuir ao agronegócio a queda recente de renda da população brasileira, o que não passa de uma visão distorcida e imediatista baseada na conjuntura momentânea e volátil dos preços agrícolas. No longo prazo, o que se verifica é o oposto.

Destaca-se também que na complicada conjuntura da pandemia, o agronegócio, além de contribuir para o crescimento da renda e para a manutenção do saldo positivo na balança comercial brasileira, também manteve empregos no interior do país — foi o setor que registrou menor queda de pessoas ocupadas na comparação com outros setores econômicos brasileiros, segundo dados do IBGE.

Portanto, é importante que se tenha uma visão mais ampla dos fatos e dados econômicos antes de atribuir um peso excessivo ao setor na verificada queda de renda dos brasileiros no período recente. A conjuntura de turbulência do mercado deverá ser passageira e o crescimento de longo prazo do agro traz um benefício distributivo significativo à população e à economia brasileira.

Qual a relação entre a elevação dos preços das commodities agropecuárias?

Aumento nos preços das commodities eleva custo de produção de alimentos. De agosto de 2020 a agosto de 2021, o aumento das principais commodities agrícolas utilizadas na indústria de alimentos variou de 18% a 74%, aponta a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).

Qual a relação entre a elevação dos preços das commodities?

A elevação dos preços das commodities agrícolas tem agravado a situação de insegurança alimentar no mundo, notadamente nos países pobres. A fome e a subnutrição persistem em virtude de fatores estruturais e conjunturais e a situação é mais grave nos países pobres que dependem da importação de alimentos.

Qual destino das commodities agropecuárias no comércio mundial?

O comércio mundial de commodities agropecuárias se destina, sobretudo, a abastecer a indústria de alimentos, e não å venda in natura. A indústria as transforma em diversos produtos, os alimentos industrializados - enlatados, empacotados e engarrafados - que são comercializados junto à crescente população urbana.