37 as terminações nervosas livres não são específicas por quê

A pele que recobre nosso corpo não é uma superfície sensorial uniforme. Além das diferentes espessuras em diversas regiões do corpo, a densidade de receptores especializados para as três modalidades de sensibilidade - mecanocepção, termocepção e nocicepção - também varia segundo critérios funcionais. Todos os nervos cutâneos contêm grande número (ao redor de 50%) de fibras não mielinizadas, ao lado das fibras aferentes mielinizadas. As fibras não mielinizadas são constituídas, em grande parte, por fibras simpáticas eferentes, enquanto as fibras mielinizadas, em parte, são fibras nervosas aferentes que acabam em terminações nervosas livres, algumas das quais se especializam em termorreceptores, exatamente os que cons-Os estímulos foram realizados de maneira sistematizatituem os objetos do nosso estudo(1-3).

Existem terminações específicas para calor e para o frio, duos selecionados. Os pontos de estímulo, mostrados nas desencadeando, quando estimuladas, as sensações características.

Considerando o número elevado de enfermidades sistêmicas ou localizadas que cursam com neuropatias periféricas podendo comprometer a termorrecepção de territórios cutâneos periféricos, e o risco potencial para a vitalidade e integridade dos membros que essas lesões podem significar, submetemos um número significante de indivíduos jovens e hígidos a um método que pudesse ao mesmo tempo ser simples e eficaz para o diagnóstico e avaliação do comprometimento neurológico periférico, especialmente a sensibilidade térmica, de acordo com a metodologia que iremos descrever, além de compará-lo com o método de verificação da sensibilidade térmica mais usado no mundo(4-6).

MATERIAIS E MÉTODOS

Nossa casuística é constituída por 30 indivíduos hígidos, sem história de doença prévia ou atual, bem como lesões localizadas nas áreas estudadas, avaliados no período de abril a junho de l999. Com relação ao sexo, 30% dos indivíduos eram do feminino e 70% do masculino; a idade variou entre l4 e 36 anos (média de 24 anos). Com relação à cor, 83% eram brancos e l7% não brancos. O lado dominante foi o direito em 93% dos indivíduos estudados. A temperatura axilar no momento do exame variou entre 35,4ºC e 37,3ºC (média de 36,4ºC). Na tabela 1, reunimos os dados referentes ao número de ordem dos indivíduos, iniciais do nome, sexo, idade, cor, lado dominante e temperatura axilar.

Foram desenvolvidos dispositivos para teste de sensibilidade térmica cutânea, com áreas de superfície de contato de l0,5cm2. Quatro diferentes materiais foram utilizados, preenchendo essas superfícies de estímulo (cobre, plástico - polietileno puro, aço e vidro). Os dispositivos constam de base e haste de madeira, em que se evita o contato manual do examinador com o material testado. Os princípios foram semelhantes aos do instrumento desenvolvido por Dyck e Curtis (Minnesota thermal disks)(6,7) (fig. l).

Os testes foram realizados em sala contendo aparelho de ar condicionado e termômetro de ambiente, onde pudemos controlar a temperatura em 25ºC, de acordo com os princípios de condições normais de temperatura e pressão.

Os estímulos foram realizados de maneira sistematizada, utilizando ambas as mãos e ambos os pés dos indivíduos selecionados. Os pontos de estímulo, mostrados nas  figuras 2 e 3, respectivamente, representariam os diferentes segmentos cutâneos de inervação sensitiva (mãos: nervos mediano, radial e ulnar; pés: nervos sural, fibular superficial, fibular profundo, safeno, tibial, plantar medial e plantar lateral)(8-10).

37 as terminações nervosas livres não são específicas por quê

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Todos os estímulos foram feitos utilizando-se cada material na ordem: cobre, plástico, aço e vidro, iniciando-se pelas mãos e pelo lado direito, estando todos os materiais testados na temperatura do ambiente. Em seguida, os pés foram estimulados da mesma maneira. A seqüência dos nervos testados foi a mesma citada acima.

O tempo de cada estímulo foi de dois segundos e o intervalo entre os estímulos foi de oito segundos.

Para cada estímulo, o indivíduo nos dava uma resposta subjetiva, padronizada previamente como "frio", "quente" ou "não sei".

A fim de comparar nossos resultados com aqueles obtidos com o método mais comum empregado em todo o mundo, os estímulos foram repetidos utilizando-se dois tubos com área de superfície de contato de l0cm2, contendo em um deles 20ml de água previamente aquecida a 40ºC e no outro, 20ml de água previamente resfriada a 7ºC. Os mesmos pontos estimulados no teste anterior foram estimulados por cada tubo durante dois e cinco segundos e os indivíduos nos davam as mesmas respostas subjetivas já padronizadas.

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Com relação à metodologia estatística utilizada, a presença de associação entre o material usado e a sensação percebida pelos indivíduos foi verificada pelo teste do quiquadrado. Isto significa testar se existem diferenças nas proporções das sensações percebidas dependendo do material que está sendo utilizado. Havendo diferenças estatisticamente significantes, podemos afirmar que um determinado material tem maior associação com determinado tipo de sensação e resposta. Análise semelhante foi realizada para verificar a presença de associação entre os materiais usados e os tempos de contato nos testes com os tubos.

37 as terminações nervosas livres não são específicas por quê

37 as terminações nervosas livres não são específicas por quê

Nas situações em que a aplicação do teste do qui-qua-drado poderia tornar os resultados duvidosos, foi utilizado o teste exato de Fisher.

Como o experimento foi realizado nos dois lados de um mesmo indivíduo, a concordância entre os resultados encontrados (sensações descritas pelos indivíduos) foi verificada pelo coeficiente de concordância de Kappa. Esta medida visa analisar a existência de concordância entre duas medidas (esperam-se resultados semelhantes) e testar sua significância.

O nível de significância adotado foi de 0,05. Todos os níveis descritivos inferiores a esse valor fixado foram considerados significantes.

RESULTADOS

Comparação entre os materiais

Mãos

A comparação entre os diferentes materiais mostrou diferenças significantes em todas as regiões. O material que sempre mostrou resultados muito diferenciados foi o plástico, com maior proporção de respostas "quente", ao contrário dos demais materiais que, em conjunto, apontam maior número de respostas "frio". Esses resultados não diferiram quando comparamos os lados dominante e não dominante.

Quando o plástico foi retirado das comparações, somente na região do nervo mediano no lado dominante houve maior concordância entre as respostas para os demais materiais, que significantemente se inclinaram para a resposta "frio".

Pés

A comparação entre os diferentes materiais mostrou diferenças significantes em todas as regiões. O material que sempre mostrou resultados muito diferenciados foi o plástico, com maior proporção de respostas "quente", ao contrário dos demais materiais que, em conjunto, apontam maior número de respostas "frio". Esses resultados foram coincidentes nos lados dominante e não dominante.

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Quando o plástico foi retirado das comparações, somente as regiões dos nervos fibular superficial e plantar medial no lado não dominante mostraram diferenças semelhantes às obtidas para a pesquisa nas mãos.

A tabela 2 mostra a média das respostas dadas aos estímulos com os materiais testados nos diferentes territórios cutâneos de inervação sensitiva periférica.

Comparação entre os tempos (tubos)

Mãos

A comparação entre os dois tempos mostrou diferenças significantes nas seguintes regiões:

° nervo radial - tubo frio - lado dominante;

° nervo ulnar - tubo quente - lado dominante;

° nervo ulnar - tubo frio - lado dominante;

° nervo ulnar - tubo frio - lado não dominante.

O tempo de cinco segundos sempre mostrando melhores resultados.

Pés

A comparação entre os dois tempos mostrou diferenças significantes nas seguintes regiões:

 nervo sural - tubo quente - lado não dominante;

° nervo fibular superficial - tubo frio - lado não dominante;

° nervo safeno - tubo quente - lado dominante;

° nervo tibial - tubo quente - lado dominante;

° nervo tibial - tubo frio - lado dominante;

° nervo plantar medial - tubo frio - lado não dominante;

 nervo plantar lateral - tubo quente - lado dominante.

O tempo de cinco segundos sempre mostrando melhores resultados.

Comparação entre os lados dominante e não dominante

Mãos

A comparação entre as respostas dadas nos dois lados estudados não mostrou diferenças estatisticamente significantes em nenhuma das regiões estudadas, para nenhum dos materiais testados.

Esses resultados também se repetiram na análise das respostas relacionadas aos testes com os tubos.

Pés

A comparação entre as respostas dadas nos dois lados estudados não mostrou diferenças estatisticamente significantes em nenhuma das regiões estudadas, para nenhum dos materiais testados.

Esses resultados também se repetiram na análise das respostas relacionadas aos testes com os tubos.

Geral

Os materiais cobre, aço e vidro mostraram valores estatisticamente significantes com relação ao número de respostas "frio", sendo, entre eles, o cobre o material que se diferencia numericamente.

Os nervos radial e mediano revelaram maior fidedignidade durante as respostas, não mostrando diferenças estatisticamente significantes entre si.

O nervo fibular superficial supera numericamente a fidedignidade das respostas em 20% quando analisada apenas a inervação do membro inferior.

DISCUSSÃO

Nossos testes consistiram basicamente na análise de resposta à sensibilidade térmica nos diferentes trajetos de inervação sensitiva cutânea das mãos e pés, utilizando para isso dispositivos de fácil manuseio e baixo custo.

Dessa forma, escolhemos indivíduos jovens e hígidos, evitando que eventuais patologias sistêmicas, bem como lesões localizadas nas áreas estudadas, pudessem comprometer a fidedignidade dos testes.

Identificamos o lado dominante de cada indivíduo a fim de analisarmos a existência ou não de melhor reconhecimento da sensibilidade térmica no lado mais utilizado por ele. A análise dos nossos resultados mostrou não haver diferença de sensibilidade estatisticamente significante.

Tomamos o cuidado de verificar a temperatura axilar de cada indivíduo no momento do exame, com o intuito de evitar que a temperatura corporal alterada pudesse interferir nos resultados dos testes.

Com base nas diferentes capacidades de condutibilidade térmica de cada material testado, controlamos a temperatura do ambiente, deixando-a em 25ºC de acordo com os princípios de condições normais de temperatura e pressão, evitando dessa forma que variações da temperatura ambiente durante mudanças climáticas pudessem provocar erros técnicos, interferindo diretamente com os resultados finais.

A fim de evitar que a temperatura do examinador, bem como secreções veiculadas pelas mãos do mesmo pudessem modificar a análise dos testes, evitou-se o contato dele com o material testado.

Comparamos nosso método com o mais convencional para esse fim (dois tubos, contendo em um deles água previamente aquecida e no outro água previamente resfriada) e observamos que esse método, apesar de simples, despende tempo, uma vez que se faz necessário o controle e ajuste da temperatura da água para cada teste. Citamos como crítica ao método convencional o fato de não ser rotineiro o controle da temperatura no interior dos tubos e sim com sua superfície externa, o que pode induzir a erro. Vale lembrar ainda que diferentes diâmetros de superfícies de contato dos tubos com a pele dos indivíduos examinados poderiam proporcionar diferentes respostas(6,11-13). Confrontando os resultados obtidos com a análise dos dois métodos, observamos também a maior consistência dos dados quando foi utilizado estímulo mais duradouro (cinco segundos) no teste com os tubos. Somente com esse tempo os resultados desse método foram comparáveis com os obtidos com o método dos diferentes materiais à tempera-tura ambiente. Nossas observações demonstram maior significância das respostas exatamente nos trajetos sensitivos de inervação cutânea mais freqüentemente acometidos pelas neuropatias periféricas mais comuns, o que torna o método útil e aplicável no diagnóstico precoce destas afecções.

A escolha dos materiais teve como critérios básicos suas características de condutibilidade térmica, sua facilidade de obtenção e baixo custo.

O baixo custo, a rapidez da análise das respostas, a facilidade do uso do equipamento à temperatura ambiente e, sobretudo, a eficácia do método nos estimulam a propor a confecção de um instrumento que utilize os dois materiais que apresentaram os estímulos térmicos melhores e mais fidedignos: cobre para o frio e plástico para o quente, e que pode consistir em barra de material neutro, contendo em uma extremidade o cobre e na outra extremidade o plástico. Este equipamento seria de extrema valia na prática médica diária, sobretudo para aqueles que se defrontam com as mais variadas formas de alteração sensitiva periférica e que requerem o diagnóstico precoce e preciso, de forma a permitir abordagem terapêutica adequada, proporcionando aos pacientes melhores prognósticos(14-18).

CONCLUSÕES

l) O material que mostrou melhor significância com relação às respostas "quente" foi o plástico.

2) O material que melhor mostrou significância com relação às respostas "frio" foi o cobre.

3) Não houve diferenças estatísticas quando foram comparadas as respostas aos estímulos nos lados dominante e não dominante.

4) O equipamento testado mostrou-se mais prático e rápido do que o tradicional teste com os tubos.

5) As respostas mais fidedignas foram obtidas nos pontos de estímulos referentes aos trajetos de inervação sensitiva cutânea dos nervos radial, mediano e fibular superficial.

6) O método proposto é eficaz, seguro, de fácil manuseio, baixo custo, apresentando a vantagem de poder ser usado à temperatura ambiente, com menor tempo de estímulo.

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O que são terminações nervosas livres?

Terminações nervosas livres São terminações nervosas formadas por um axônio ramificado. Distribuem-se por quase todas as partes do corpo e captam sensações mecânicas (pressão), térmicas (frio e calor) e principalmente dolorosas.

Onde são encontradas as terminações nervosas livres?

Existem também as terminações nervosas livres, encontradas em toda parte da pele e em muitos outros tecidos. Tais sensores são sensíveis aos estímulos mecânicos, térmicos e, especialmente, aos dolorosos. São formados por um axônio ramificado envolvido por células de Schwann.

Qual a diferença entre terminações nervosas livres e as terminações nervosas encapsuladas?

o diferença chave entre as terminações nervosas livres e as terminações nervosas encapsuladas é que as terminações nervosas livres não têm estruturas sensoriais complexas, enquanto as terminações nervosas encapsuladas têm um encapsulamento de borda em escova ou sacos cheios de líquido nas extremidades.

Quais são as terminações nervosas?

As terminações nervosas são receptores distribuídos por toda a nossa pele, responsáveis por sentir a temperatura e as sensações de dor na parte mais externa do corpo. Elas são divididas em terminações nervosas sensitivas e terminações nervosas motoras, com diferentes localizações e fisiologia.