Qual foi a atuação de Luiz Carlos Prestes junto à coluna militar que recebeu seu nome?

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

PROGRAMA MEMÓRIA POLÍTICA TV CÂMARA

EVENTO: Entrevista                   

N°: ESP006/01

DATA: 16/11/2001

INÍCIO:

TÉRMINO:

DURAÇÃO: 02h28min

TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h28min

PÁGINAS: 54

QUARTOS: 30

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO

ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Professora.

SUMÁRIO: Entrevista com a Sra. Anita Leocadia Prestes.

Houve intervenções fora do microfone. Inaudíveis.

Há falhas na gravação.

Há palavras ininteligíveis.

  Conferência da fidelidade de conteúdo – NHIST05/02/2010

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Professora, gostaríamos que falasse inicialmente sobre os episódios que cercaram o seu nascimento.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - É um pouco longo, mas, tudo bem, vou resumir.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Nós temos tempo.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - O telespectador poderá ter mais contato com esses episódios através do livro Olga, do jornalista Fernando Morais, que faz um relato bastante fidedigno.

            Rapidamente, resumindo, minha mãe, Olga Benário Prestes, foi presa junto com o meu pai no dia 5 de março de 1936, aqui, no Rio de Janeiro, pela polícia de Filinto Müller — isso ainda antes do Estado Novo, em 1936.

            Ela era uma comunista internacionalista, uma comunista alemã, que tinha a cabeça a prêmio na Alemanha nazista — estava-se em plena Alemanha nazista, do tempo de Hitler —, e foi extraditada por Getúlio Vargas sem nenhuma culpa formada. Não havia nenhuma acusação contra ela. E, dessa forma, ela foi, na calada da noite, extraditada para a Alemanha num navio cargueiro, com ordem de não parar em nenhum porto europeu. Foi direto do Rio de Janeiro a Hamburgo, porque, se o navio... Já havia experiência com outros prisioneiros de que, em navios que paravam na França ou na Espanha republicana daquele período, os dockers, os portuários desses portos, arrancavam do navio os prisioneiros. E os portuários, tanto do Havre quanto de portos da Espanha, estavam dispostos a fazer isso em relação à minha mãe e a uma outra comunista alemã, a Elise Ewert, que foi deportada junto com ela.

            Então, foi um navio direto para Hamburgo, onde elas desembarcaram, numa viagem pesadíssima — ela já estava no sétimo mês de gravidez —, onde elas desembarcaram sob esquema policial impressionante. A minha avó Leocádia Felizardo Prestes e a minha tia Lygia, que estavam em Paris nessa época, liderando uma campanha internacional pela libertação dos presos políticos no Brasil, ainda conseguiram que um advogado de renome na França fosse a Hamburgo para tentar tomar alguma providência. Mas ele não conseguiu nem chegar perto, nem vê-la, porque o esquema de segurança organizado pela Gestapo nazista era de tal ordem que era impossível qualquer contato.

            Dali ela foi levada para uma prisão na Alemanha, onde eu nasci 2 meses depois, em novembro de 1936, uma prisão em Berlim, onde eu nasci. Então, foram essas as circunstâncias em que eu nasci, muito difíceis para a minha mãe. Mas a campanha internacional sobre a qual eu ia falando há pouco que era liderada pela minha avó paterna, Leocádia Felizardo Prestes, uma mulher muito corajosa, que nunca tinha participado, assim, diretamente da política. Ela deixou suas filhas em Moscou — ela morava em Moscou nessa ocasião —, deixou suas outras 3 filhas em Moscou e, acompanhada pela filha mais moça, a Lygia Prestes, deslocou-se para Paris e percorreu toda a Europa, diversos países europeus. Estava disposta a ir aos Estados Unidos. Só não foi aos Estados Unidos porque o Governo americano não deu o visto, não permitiu de nenhuma forma a presença dela nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, diga-se de passagem, havia intensa campanha Prestes pela libertação dos presos políticos no Brasil.

            Então, essa campanha internacional se estendeu à Austrália, a países asiáticos, mas cujo centro, efetivamente, era em Paris, na Espanha, a Espanha republicana, ainda antes de Franco. Houve grandes atos públicos. Temos algumas fotos dessa grande campanha. Foi essa pressão internacional... Hoje em dia, se consultarmos os arquivos existentes aqui em algumas instituições públicas, verificamos a quantidade de cartas e de telegramas que chegavam do mundo inteiro para Getúlio Vargas, exigindo a libertação dos presos políticos no Brasil e melhores condições para Luiz Carlos Prestes e para outros presos políticos. E foi a força dessa campanha que conseguiu a minha libertação.

            Então, com 14 meses de idade, já em janeiro de 1938, depois de minha avó e minha tia Lygia terem ido, inclusive acompanhadas por senhoras que faziam parte dessa campanha, 3 vezes a Berlim, à Gestapo, à polícia alemã, e não terem conseguido em nenhuma dessas vezes falar com a minha mãe, nem sequer vê-la. Afinal, a Gestapo estava incomodada por aquela campanha, que emocionou muito a opinião pública, porque, afinal de contas, tratava-se de um bebê, de uma criança que tinha nascido nessas condições e que corria o risco de ser entregue a um asilo nazista. E, no asilo — e era disso que a minha mãe tinha o maior pavor —, as crianças perdiam o nome, viravam um número. Uma criança muito pequena, de meses, de 1 ano, passados os anos, como seria localizada? Seria muito difícil.

            Então, a força dessa campanha foi muito importante, tanto que eu sempre digo que eu me considero filha da solidariedade internacional. Foi a força dessa campanha que conseguiu que, afinal, a Gestapo, incomodada por essa campanha, me entregasse à minha avó e à minha tia, ainda cometendo ato de extrema maldade, porque, embora as 2 pedissem de todas as formas que pelo menos a minha mãe pudesse vê-las — não precisava nem falar, mas ver que eu estava sendo entregue à família, à família do meu pai —, a Gestapo não permitiu isso de maneira nenhuma. Foram momentos de muito desespero para ela, porque ela não sabia qual era o meu destino. E, só alguns dias depois, ela, através de correspondência, conseguiu ficar mais calma, ao saber que eu estava em boas mãos.

            Então, a história foi essa. Foi dessa forma que eu fui resgatada, fui levada pela minha avó e pela minha tia para Paris. E a campanha continuou, continuou, e eu até tomei parte depois, já maiorzinha. Por exemplo, em Cuba, já depois que minha avó tinha morrido, essa campanha Prestes continuou, isso já no ano de 1946, e eu já tinha 6 anos. Eu fui com a minha tia Lygia. Havia grande campanha de solidariedade também pela libertação dos presos políticos aqui no Brasil.

            Então, sem dúvida, esse movimento foi importante não só para salvar a minha vida. Embora não tenha conseguido salvar a vida da minha mãe, melhorou as condições de carceragem do meu pai. Foi a força da campanha que levou aqui a polícia do famoso, do famigerado Filinto Müller a permitir que Luiz Carlos Prestes se correspondesse com a família, porque ele, durante todo um ano, não tinha nenhuma notícia, estava inteiramente emparedado, isolado na Polícia Especial, no Rio de Janeiro. E foi essa pressão internacional que, afinal, levou a que permitissem que ele começasse a se corresponder com a mãe, com as irmãs, enfim, com a minha mãe, mesmo presa lá em Berlim. Depois, ela foi para os campos de concentração. Depois que eu fui retirada de lá, ela foi transferida para vários campos de concentração. Era uma correspondência muito irregular, mas, de qualquer maneira, também já era uma vitória — tinha melhorado um pouco a situação.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Quando você chegou a conhecer o seu pai?

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Eu só fui conhecer o meu pai com quase 9 anos, depois da anistia aqui no Brasil, em 1945, porque eu primeiro fui para a França. Depois, nós fomos, a minha avó e a minha tia comigo, para o México, por pressão dos amigos, dada a proximidade da guerra. A guerra aproximava-se. Então, nós viajamos para o México, que nos concedeu asilo, e realmente vivemos... Lá, no México, a minha avó faleceu. E, depois, em 1945, com a anistia aqui no Brasil, com a vitória, meu pai saiu da prisão, junto com todos os presos políticos, e só então nós pudemos vir para o Brasil. Foi a primeira vez que eu cheguei ao Brasil e conheci meu pai. Há até uma foto da nossa chegada, que foi uma grande manifestação aqui. Na época, era o Aeroporto Santos Dumont.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Você tinha 9 anos não é?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não tinha 9 ainda. Estava com quase 9 anos. Foi a primeira vez, quando nos conhecemos, eu e meu pai.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora era criança. Quando a senhora teve pela primeira vez noção da sua situação no mundo, quer dizer, de filha de uma judia alemã que foi sacrificada, enviada pela ditadura para os campos de concentração de Hitler, e filha de um líder comunista importante no Brasil, numa ditadura? Quando a senhora teve consciência desse estado precário da sua existência?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Bem pequena, né! Não posso dizer exatamente, mas com 3, 4, 5 anos, eu já comecei a...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Sofreu um trauma.

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, não sofri trauma, porque, desde bem pequena, tanto a minha avó, enquanto ela esteve viva, quanto a minha tia, que depois me criou, nunca esconderam a verdade de mim. Eu sempre soube e sempre me orgulhei muito dos meus pais. Eu sabia que ambos eram revolucionários, comunistas e que estavam presos por lutarem pelo bem da humanidade — é claro que isso numa linguagem adequada a uma criança. Não sei se com 3 ou 4 anos. Que eu me lembre, com 4 ou 5 anos, eu já tinha consciência dessa situação. Eu esperava as cartas do meu pai, que chegavam do Brasil e eram lidas pela minha tia, pela minha avó. Então, eu participava. Então, não houve trauma nenhum, não. Eu tinha consciência disso. Sempre, na sala da nossa casa lá no México — as minhas primeiras recordações são do México —, havia na parede uma foto da minha mãe e outra do meu pai. Então, eu os conhecia, sabia quem eram, orgulhava-me muito da vida deles. Enfim, aceitava isso e, evidentemente, lamentava o fato de não ter pai e mãe de carne e osso. Até contam que eu dizia que, diferentemente das outras crianças, os meus pais eram de papel. Evidentemente, que eu sonhava em conhecer os meus pais, viver com eles, como toda criança. Mas que eu tenha sofrido um trauma especial não seria verdade.

Mas eu acho que a gente podia partir para outros assuntos.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora veio para o Brasil após a anistia e aqui se fixou definitivamente?

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, definitivo não, porque, na nossa vida, não houve nada definitivo. Foi uma vida de muita perseguição e exílio. Quer dizer, chegamos aqui, eu conheci o meu pai, fomos todos morar juntos, inclusive ele foi eleito Senador na época — o Senador mais votado da República na época —, e morávamos aqui, no Rio de Janeiro. Eu fui estudar numa escola pública. Meu pai fazia muita questão disso, não é! de que fosse uma escola pública. Na época, aliás, as escolas públicas eram muito boas. Embora a direita dissesse que eu, como era filha de Senador, andava de Cadillac com motorista, na realidade, eu estudava numa escola pública, junto com crianças pobres, numa escola que ficava pertinho da nossa casa. Eu ia a pé, acompanhada ou pela minha tia ou por uma companheira que morava conosco. Não tinha nada de mais. Eu levava uma vida de criança normal, comum.

Então, esse período foi feliz, mas muito curto, porque, logo, logo, começou o período da Guerra Fria, a perseguição muito intensa aos comunistas aqui no Brasil, o fechamento do Partido Comunista em maio de 1947 e a cassação dos mandatos dos Parlamentares comunistas em janeiro de 1948. E meu pai teve de ir para a clandestinidade, sair de casa e ir para a clandestinidade. E a perseguição era muito grande. Eu, na época, não sabia, porque até a família... minhas tias, evidentemente, não me diziam, porque eu era uma criança. Cartas anônimas ameaçando-me. Eu não podia andar sozinha. Tanto a família quanto o partido não deixavam que eu andasse sozinha, porque achavam perigoso. Eu podia ser raptada, podia acontecer alguma coisa comigo. Então, a situação começou a se tornar muito dura e muito difícil, não é! E o meu pai e a direção do partido acharam que era melhor eu sair do País. E eu, acompanhada novamente pela Lygia, pela minha tia que me criava, fomos para a União Soviética.

Isso foi em 1950. Eu tinha 14 anos na ocasião. Passamos um período longo, de 7 anos, na União Soviética, onde efetivamente eu pude estudar e tive uma formação boa. A escola lá era muito boa. Tanto que, quando eu voltei de lá, já moça, com 20 para 21 anos, foi muito fácil fazer vestibular e entrar na faculdade aqui, porque eu tinha uma formação científica bastante sólida. Eu fiz toda a escola secundária em Moscou. Quer dizer, já foi uma ida e volta.

Depois, já na vida de adulta, houve o golpe de 1964, a repressão, eu era membro do Partido Comunista e era bastante atuante e fui perseguida, tive IPM, respondi a IPM, depois fui condenada a quatro anos e meio de prisão. Então, tive novamente que me exilar, porque aqui, no Brasil, naquele momento, início dos anos 1970, eu corria risco de vida. Tive sorte e, com ajuda dos companheiros, embora eu já fosse muito procurada pela polícia, consegui atravessar a fronteira, sair do País. E novamente fui para Moscou.

Eu fiz um Doutorado em Economia na União Soviética e só pude voltar com a anistia, porque eu tinha uma condenação, uma ordem de prisão preventiva decretada, direitos civis e políticos cassados por 10 anos. Todas essas questões, todas essas punições que tantos brasileiros sofreram. Então, eu só regressei junto com o meu pai em 1979. Estivemos exilados. Eu estava, primeiro, em Moscou e depois em Paris. Então, foram muitos vai e véns, muitos exílios.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E, a partir desse regresso ...

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não. Agora eu estou no Brasil realmente já há mais de 20 anos, desde 1979. Desde a anistia eu estou no Brasil. Felizmente, vivemos numa situação mais democrática, numa democracia meio entre aspas, não é? Agora nós estamos vendo esse pacote que foi baixado pelo Governo contra os professores universitários e o funcionalismo público, que está sendo denunciado pela própria magistratura como algo que nem a ditadura conseguiu fazer.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora é professora da...

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Eu sou professora de História da UFRJ, do Departamento de História da UFRJ.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – A senhora entrou....

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Por concurso. Eu fiz concurso em 1991. É, em 1991 eu fiz concurso, primeiro para a UFF-Universidade Federal Fluminense. Depois, consegui transferir-me, para ficar mais perto do Rio de Janeiro.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) – O seu pai.....deixa eu voltar para o seu pai. Há uma coisa que me interessa pelo lado mais afetivo. Ele é sempre descrito como uma pessoa autoritária, fechada. Como ele era no convívio familiar quando você o conheceu, como foi o encontro e em relação à afetividade?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Realmente, a imagem que é passada, acho que muito fabricada pelos seus adversários e inimigos, é a de um homem fechado, intolerante, duro. Quem o conheceu pessoalmente — não sei se algum de vocês aqui teve essa oportunidade — sabe que não era isso. Ele era uma pessoa, ao contrário, muito afetiva. Nas próprias fotos que existem aí — se vocês depois estiverem interessados nessas fotos, separei uma coleção de fotos —, como na foto da nossa chegada, quando eu, com a Lygia, com a minha tia, chegamos, ele está com os olhos marejados de lágrimas. A gente vê como ele está emocionado com esse encontro, que, efetivamente, devia ser muito emocionante para ele. Ele já sabia que a minha mãe tinha sido assassinada. Estava tendo a oportunidade de rever a irmã que ele não via há 15 anos e de encontrar a filha que ele não conhecia ainda, que era a filha da Olga. Então, para ele isso tudo era muito emocionante depois de 9 anos de prisão.

Digamos, melhor do que eu falar a respeito disso, na resposta à sua pergunta, acho que é a leitura desse livro que lançamos ano passado. Eu e a minha tia somos as organizadoras do livro que se chama: Anos Tormentosos: Luiz Carlos Prestes, Correspondência da Prisão (1936-1945). É apenas o primeiro volume. Brevemente, devem sair o segundo e o terceiro volumes desse livro, editado pelo Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Por que esse livro responde melhor à questão? Porque são as cartas, principalmente, com a família. Durante esses 9 anos de prisão, submetido a uma censura e a um rigor muito grande, ele, nessas cartas, não podia falar em política, a não ser através de metáforas, de imagens.

Cartas escritas numa situação extremamente difícil, extremamente penosa, não é? A minha mãe, a Olga, presa em campo de concentração na Alemanha. Primeiro, na prisão. Depois, em campo de concentração. Depois, sem se saber do destino dela, o que tinha acontecido com ela. A minha avó, no México, no exílio, sofrendo muito com a prisão do filho e com toda essa situação. Depois, a minha avó morre em 1943, enquanto ele estava preso. As irmãs, 3 irmãs dele em Moscou. Eu com a minha tia, depois que a minha avó morreu, no México. Então, como ele sentia tudo isso, como ele via essa situação, sentimentos que o assaltavam, as preocupações que ele tinha estão registradas nessas cartas.

Eu e a minha tia resolvemos publicar essas cartas justamente porque elas desmistificam essa imagem de que a senhora estava falando. Mostram o quanto o Prestes era uma pessoa humana, uma pessoa preocupada não só com a família, mas com a humanidade, com o futuro da humanidade. Ele estava sofrendo na prisão, mas preocupado com a guerra, com os milhões de pessoas que estavam sendo sacrificadas e morrendo no mundo inteiro, principalmente no cenário da guerra.

As preocupações intelectuais. Ele não era uma pessoa que se preocupasse só com política. Evidentemente, o centro da vida dele era a política, mas ele se preocupava com literatura. Quer dizer, o que ele conseguia na prisão, que a minha avó mandava para ele — a avó dele, a minha bisavó, lá de Porto Alegre, também mandou muita coisa para ele —, os primos e depois alguns amigos mandavam livros, o que a polícia deixava passar, que não fosse evidentemente marxismo nem comunismo, ele lia e comentava nessas cartas.

Então, ele leu todo o Diderot, os grandes filósofos ele leu na prisão, estudou e fazia comentários a respeito disso. Ele lia literatura, poesia. Ele era um grande admirador da poesia. Ciência, os mais variados ramos da ciências ele lia e comentava. Música. De diferentes assuntos ele trata nessas cartas, que revelam como Luiz Carlos Prestes era uma figura multifacética, muito diferente daquilo que se escreve e se diz a respeito dele em geral. Por isso, recomendamos muito a leitura desse livro Anos Tormentosos. Acho que ajuda a desmistificar a figura do Prestes, o tipo de pessoa que ele era.

Há uma carta muito interessante. As cartas em geral são muito interessantes, mas há uma carta dele para minha avó, lá no México, preocupado com a minha educação, uma criança pequena. Muito preocupado com que eu não pensasse que os meus pais — ele e a Olga — pudessem de alguma forma se sentir infelizes. Ele dizia que era importante que a minha avó e a minha tia incutissem em mim a idéia de que, para ele e para a Olga, a felicidade consistia na consciência do dever cumprido. Então, eles eram pessoas extremamente felizes e que de maneira nenhuma eu deveria ser infeliz ou pensar que eles fossem infelizes. Eu acho que isso mostra bem o tipo de pessoa que ele era.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora nunca teve desejo, aspiração de entrar na política não?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Eu já participei ativamente da política. No tempo do movimento estudantil, final dos anos 1950, quando voltei da União Soviética e entrei na faculdade aqui no Brasil, eu participava ativamente do movimento estudantil, que era muito intenso no Brasil e aqui no Rio de Janeiro, em particular, onde eu estudava e eu fazia parte do Partido Comunista. Fui inclusive da direção do comitê universitário do Partido Comunista, que era uma organização importante aqui no Rio de Janeiro. Então, eu era bastante atuante politicamente.

Depois, já na clandestinidade, eu continuei atuando. Fui inclusive da direção do comitê estadual de São Paulo do Partido Comunista e depois, já na Europa, em que a direção do partido tinha sido violentamente golpeada e teve de se transferir para o exterior. Eu, inclusive, fui cooptada junto com outros companheiros para a direção central do partido, para o comitê central do partido.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora concordou com a transformação do partido no PPS?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não. Muito antes disso, eu e meu pai já tínhamos rompido com o partido, né! Quer dizer, em 1979, 1980, houve uma crise muito séria na direção do partido, ainda na Europa. Essa crise se esboçou claramente, e eu e meu pai rompemos. Ele, inclusive, lançou um documento que é bastante famoso, não sei se você conhece, chamado “Carta aos Comunistas”, de março de 1980 — já estávamos de volta ao Brasil —, em que ele justamente explica as razões desse rompimento e prevê que aconteceria com o Partido Comunista o que aconteceu com o surgimento do PPS. Ele já prevê isto: a degenerescência crescente do Partido Comunista.

Então, é isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora continua marxista leninista?

                 A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Continuo. continuo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora acha que é a solução para a humanidade?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Acho que sim.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como a senhora viu esse fracasso do regime?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - O socialismo sofreu uma derrota séria na União Soviética, principalmente, e em outros países do Leste Europeu, mas se tem que levar em conta isso, que o socialismo é um regime novo, foi um regime bastante novo. Enquanto o capitalismo tem alguns séculos, o socialismo é um regime bastante novo. Começou em 1917, na Rússia, num país atrasado, justamente num país em que, digamos, Marx não previa que o socialismo fosse vitorioso. A previsão do Marx é que o socialismo fosse vitorioso nos países de capitalismo adiantado, como a Inglaterra. Mas a História é muito mais complicada, e houve realmente um conjunto de circunstâncias no final da 1ª Guerra Mundial que Lenin definiu bem.

Era um momento em que havia condições de a revolução ser vitoriosa, e os bolcheviques, o Partido Bolchevique de Lenin trabalhou, agiu nessa direção e, efetivamente, conseguiu ser vitorioso. Mas não era fácil construir o socialismo num país atrasado, no cerco do capitalismo. Muitos erros foram cometidos, é difícil saber se teria sido possível não cometer esses erros, a História não se faz na base do “se”, e o inimigo aproveitou bem esses erros e, sem dúvida, contribuiu para este desfecho lamentável, sem dúvida nenhuma: a derrota do socialismo no Leste Europeu. Mas isso não invalida as teses principais expostas por Marx e Engels na sua obra.

A gente pega O Capital, de Marx, e vê que, enquanto existir capitalismo, as teses principais ali são válidas. É evidente que o marxismo precisa ser desenvolvido, novos teóricos têm que aparecer. No momento, acho que há uma grande carência de desenvolvimento da teoria, mas vão aparecer, seguramente, porque isso é uma necessidade do próprio desenvolvimento histórico, e, na minha opinião, não há outra solução para os males do capitalismo a não ser o socialismo.

Como o próprio Marx dizia, o socialismo não acontecerá de forma automática. O capitalismo não se transformará em socialismo de forma automática. É necessária a ação dos homens. O pensamento de Marx — aliás, eu sempre digo isso aos meus alunos — é seguidamente muito deturpado pelos seus adversários, e atribui-se a Marx um automatismo que não encontramos nas obras dele.

                Quer dizer, em nenhum lugar, Marx vaticinou que haveria essa passagem inevitável do capitalismo para o socialismo. Ao contrário, Marx, Engels e os teóricos do marxismo — Gramsci, na Itália, por exemplo — sempre valorizaram muito a ação dos homens. Quer dizer, sem os homens organizados, conscientes, não haverá transformação da sociedade.

            Então, enquanto os homens não se organizarem, não houver partido — se chamem de comunistas ou não —, mas, enfim, não surjam organizações capazes de dirigir essa transição do capitalismo para o socialismo, ela não vai acontecer. O capitalismo vai conseguir novas formas de sobreviver, que é ao que estamos assistindo. Em crise, com problemas gravíssimos, cada vez maiores conflitos, maiores contradições, mas ele sobrevive, na medida em que não se encontram formas corretas, caminhos possíveis de se passar para o socialismo.

            O Marx dizia — tem uma tese muito famosa — que os filósofos, antes de nós, até hoje, interpretaram o mundo. Nós vamos transformar esse mundo. É a ideia de que o homem tem um papel transformador na sociedade. Agora, para isso, ele precisa se organizar, ter consciência, precisa, enfim, ter vontade de realizar essa transformação. Enquanto isso não acontece, a transformação também não se dá. Era isso, resumidamente, o que eu podia dizer a respeito dessa questão.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vamos agora passar para a história do seu pai, feita essa introdução...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Introdução um pouco longa.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Não, de maneira alguma. Uma característica nossa é justamente essa, a gente rompe com esse tempo da televisão, que é um tempo apressado...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Mas depois vocês têm que resumir, não é? Depois vocês têm que fazer um compacto.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Mas é importante a gente conhecer a essência do pensamento, até para poder resumir direito.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Está certo. Está bem.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não é verdade?

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Ah! Isso é, sem dúvida.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Vamos falar agora da história do seu pai.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Eu tinha destacado alguns pontos, porque a história dele é muito longa. São 70 anos de vida política. Ela vem desde 1921, quando ele começa a conspiração lá no Movimento Tenentista, até 1990, quando ele morre. Então, foram 70 anos, praticamente, de uma vida muito atribulada, participando dos principais acontecimentos da história do Brasil desse período.

            Eu tinha destacado algumas questões, o que não impede de vocês fazerem outras perguntas.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu tenho uma curiosidade que nos remete ao início da militância dele, vamos dizer assim. As pessoas dizem que, além do Marx posteriormente, inicialmente a grande influência do pensamento do seu pai foi do Augusto Comte, do positivismo.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - É, isso é engraçado.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Então, é isto que eu gostaria de saber exatamente: até que ponto ele era efetivamente e originariamente um positivista.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Isso também é uma invenção que se criou para detratar a figura do Prestes, sem dúvida alguma. Ele não era um teórico do marxismo. Aliás, ele nunca pretendeu ser teórico. Ele estudou o marxismo um pouco, dentro das condições muito limitadas de uma vida muito atribulada, como instrumento de ação. Ele era um homem de ação. Ele nunca pretendeu, nem nunca disse que pretendia, ser teórico. Isso, em primeiro lugar.

            Segundo, essa lenda do positivismo. O pai dele era positivista, sem dúvida. O pai dele, que morreu jovem, por sinal, era daqueles militares jovens oficiais do Exército da chamada “mocidade militar”, que participou do movimento republicano. Inclusive, ele foi um dos signatários dos famosos pactos de sangue assinados por esses jovens tenentes e capitães, com o Benjamim Constant, o Antônio Pereira Prestes. Se vocês pegarem até livro do Hélio Silva, verão lá esses pactos de sangue, e um dos signatários é o Antônio Pereira Prestes. Ele era republicano, abolicionista e participou daquele movimento. Isso, sem dúvida, sob a influência das ideias positivistas.

            Mas, na medida em que ele casou com a minha avó, com a Leocádia Felizardo Prestes, ela era furiosamente antipositivista, contra o positivismo, tanto que ela não deixou ele entrar para a igreja positivista. Ele não entrou para a igreja positivista. E ele tinha uma biblioteca positivista, que era uma biblioteca extremamente variada, tinha desde Platão, Aristóteles, os filósofos da antiguidade, até os filósofos iluministas. Essa biblioteca foi de grande valor para o meu pai, porque, depois, quando ele já era adolescente, jovem, ele teve acesso a esses livros, que não eram só de positivistas. Tinha o Comte, mas tinha muitos outros filósofos, os principais filósofos da humanidade.

            O meu avô, o pai dele, o Antônio Pereira Prestes, sem dúvida, foi positivista, mas manerou muito o seu positivismo dada a pressão da minha avô, que era uma mulher muito inteligente e muito batalhadora. Ela era contra. O meu bisavô, o pai dela, era também republicano, maçom — naquela época, os homens progressistas, final do século passado, o nome no Brasil era maçom — e abolicionista. E muito contra a Igreja, contra padre. Era católico e tal, mas muito contrário aos padres e à Igreja.

            Esse sentimento era muito forte na minha avô. Ela era contra tanto frequentar igreja quanto àquela filosofia positivista. Isso influenciou muito o meu avô. E, além do  mais, ele morreu cedo. Ele ficou gravemente doente e morreu cedo. Então, a grande influência na formação do caráter e da personalidade do meu pai — inclusive ele reconhecia isso sempre — foi da mãe, muito mais do que do pai, porque o pai morreu, e ele ainda era bastante garoto, bastante pequeno. E a influência dela era frontalmente antipositivista. Então, ele nunca foi positivista. Agora, leu livros de Comte, sem dúvida nenhuma, como leu de Diderot, de Platão, de Aristóteles, enfim, dos filósofos dessa biblioteca do pai que ele herdou.

            E eles ficaram muito pobres. Minha avó lutava com grande dificuldade. E pensão de capitão do Exército, do marido, era muito pequena na época. Então, era uma vida muito difícil. Mas essa biblioteca foi conservada, e ele teve acesso a essa leitura. Então, ele nunca foi positivista, jamais.

            Inclusive, um detalhe importante — eu sei porque, como historiadora, eu pesquisei esse período; inclusive outros historiadores reconhecem —, essa geração de militares da qual meu pai fez parte, da juventude tenentista, aqueles jovens que saíram da Escola Militar, no final da década de 10 — 18, 19, 20, 21 —: Prestes, Siqueira Campos, Juarez Távora, Cordeiro de Farias, já não se formou sob a influência do positivismo.

A influência do positivismo tinha sido anterior, tinha sido na Escola Militar da Praia Vermelha, que foi fechada ainda em 1904, quando houve a revolta da vacina obrigatória. Depois, quando a Escola Militar foi reaberta, aqui no Rio de Janeiro, já foi no Realengo e já com uma orientação muito mais profissionalizante. Isso não sou eu que digo, isso são outros pesquisadores que trabalharam com essa temática, como o próprio José Murilo de Carvalho, Boris Fausto. Quer dizer, essa geração do meu pai já não estava sob essa influência positivista. Um ou outro pode ter, não é? É uma influência muito mais profissionalizante.

            A senhora queria dizer alguma coisa?

(A Sra. Lígia Prestes interrompe para dizer que: “lembrar que ele aos 18 anos fez questão de ser batizado na igreja católica e com 18 anos fez a 1ª comunhão!”).

A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - É, tem esse detalhe também. Com 18 anos, sob a influência de um professor da escola militar, ele resolveu entrar para a Igreja Católica e se batizou, até, na Igreja de São José, que acabou sendo o padroeiro dele, o padrinho! — é que eu entendo muito pouco de Igreja Católica. Mas, na época — até a minha avó resolveu não se intrometer, ele estava interessado nisso, deixou, ele tinha só 18 anos, não é?

Mas também durou pouco. Ele teve, parece, uma grande decepção, que nunca ninguém soube qual era, com a Igreja. No início, ele frequentava, ia à missa e tal, e depois ele teve alguma grande decepção, parece, com o que ele viu dentro da Igreja e se afastou.

Ele contava depois que, durante a Coluna Prestes, ele ainda acreditava em Deus, mas era distante de padre. Isso aí ele herdou da minha avó, essa antipatia muito grande por padre, bispo etc, etc. Então, nem positivismo, nem catolicismo. E, mais tarde, no marxismo, ele se tornou ateu, né!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - É exatamente o que eu queria ouvir da senhora falar da Coluna Prestes, qual era a ideologia que movia Luiz Carlos Prestes quando ele resolveu encabeçar um movimento do estofo, da estrutura, da importância da Coluna Prestes? O que o movia?

A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Certo. Isso também eu pesquisei amplamente. Até para os espectadores saberem, a minha tese de doutorado aqui no Brasil em História foi sobre a Coluna Prestes exatamente. Eu tenho um livro publicado pela Paz e Terra, atualmente já está na 4ª edição, que se chama A Coluna Prestes.

Eu mostro, então, nessa pesquisa, no resultado dessa pesquisa, que a ideologia dessa juventude tenentista, dos chamados tenentes da década de 20, era claramente uma ideologia liberal, uma ideologia que não ia além da ideologia das oligarquias dissidentes.

            A grande palavra de ordem desse movimento tenentista qual era? Voto secreto. Essa era a grande bandeira que aglutinava as forças de oposição, à frente das quais se encontravam os tenentes, durante toda essa década de 20, até a Revolução de 30. Voto secreto, que visava justamente desestruturar o funcionamento do pacto oligárquico em vigor na Primeira República.

            No pacto oligárquico, como vocês sabem, a oposição não tinha condição de ganhar a eleição, justamente porque o voto era a descoberto, manipulado, o chamado voto “bico de pena”.

            Então, o voto secreto era a grande bandeira, e, não por acaso, aqueles Governos da República Velha jamais admitiram introduzir o voto secreto. Isso só vai ser introduzido só na já chamada Era Vargas, no pós-30.

            As outras bandeiras do Movimento Tenentista, e que o Prestes estava incluído nelas — nessa época ele não conhecia marxismo, não tinha a menor noção de marxismo, nem de socialismo, nem nada disso, nos próprios depoimentos dele ele revela isso —, eram moralização dos costumes políticos, representação e justiça.

            Era um programa em que, em nenhum momento, como eu mostro na minha pesquisa, se levantava um problema social. As reivindicações sociais do próprio movimento operário — a jornada de 8 horas de trabalho, o descanso semanal — estas questões estavam inteiramente fora da cogitação dos tenentes.

            Era um movimento bastante elitista, bastante substitutivo do povo. Quer dizer, qual era a visão dessa juventude militar? O golpe militar. Eles davam o golpe, derrubavam, no caso, era o Arthur Bernardes, e colocavam no seu lugar quem? Não um militar, mas um político. Pretendia-se que fosse um político civil, que fosse honesto, que fosse probo — eles gostavam muito desse palavreado — e que cumprisse a Constituição Republicana de 1891. Era esse o ideário, o objetivo deles. Nada mais além disso.

            O Prestes vai se tornar comunista, vai aderir ao marxismo, depois de terminada a Coluna. A Coluna percorre o Brasil, durante 2 anos e 3 meses, e atravessa a fronteira com a Bolívia em fevereiro de 1927, porque tinha chegado à conclusão de que até podia continuar o movimento. A guerra de movimento, introduzida na Coluna pelo Prestes, permitia-lhe driblar as forças governistas, inclusive jogar forças governistas umas contra as outras e ir sobrevivendo. Mas isso aí levava a que as forças governistas, as tropas governistas, causassem grandes danos à população. Então, a Coluna resolveu né...

            E o Prestes também já estava com uma outra visão. Existem vários depoimentos dele em que ele diz isso. Naquele período final da Coluna, em que ele tinha tomado conhecimento da miséria assustadora das massas trabalhadoras do interior do Brasil, das massas rurais — eles, elementos criados na cidade, educados na cidade, não imaginavam o que fosse o interior do Brasil —, eles ficaram profundamente chocados. E o Prestes foi mais longe que outros colegas dele, que outros companheiros do comando da Coluna. Ele se perguntava: “Um país tão rico como o Brasil e uma miséria tão assustadora para o seu povo? Deve haver alguma causa social”. E ele reconhecia que não sabia qual era essa causa e que precisava, portanto, estudar.

            Vocês vejam que não chegou aos tenentes, nem mesmo ao Prestes, a questão da reforma agrária. Na época, no Brasil, os únicos que falavam em reforma agrária eram os comunistas, o Partido Comunista, pequeno, fraquinho, extremamente perseguido, clandestino. E o Prestes não tinha conhecimento disso, e os outros tenentes muito menos; não tinham.

            Então, eles resolvem se exilar, atravessam a fronteira e vão para a Bolívia. É  a partir da Bolívia, a partir da visita do então Secretário-Geral do Partido Comunista do Brasil, como se chamava, o Astrogildo Pereira, um grande intelectual brasileiro, que vai à Bolívia e leva uma maleta de livros marxistas para o Prestes, que ele começa a estudar, em condições muito precárias, evidentemente, no exílio, tendo que trabalhar de sol a sol para sobreviver e para assegurar a sobrevivência dos soldados da Coluna, que tinham chegado em um estado de miséria extrema na Bolívia.

            Eles vão trabalhar em uma companhia inglesa sediada na Bolívia de abertura de estradas. Então, é um trabalho muito pesado, de sol a sol. Mas, de noite, debaixo do mosquiteiro — tinha mosquito que não acabava mais lá, era uma coisa terrível a quantidade de mosquitos —, ele, em uma barraca muito precária — há fotos até dessa barraca —, começou a estudar marxismo. Aí que ele começou a estudar marxismo e se entusiasmou. E depois, já em 1928, um ano depois, quando ele, afinal, vai para Buenos Aires — Buenos Aires realmente era uma grande Capital, na época, com livrarias muito boas, com livros marxistas, coisa que no Brasil era muito raro, muito difícil de encontrar —, aí ele vai ler  O Capital, de Marx, vai ler obras de Engels, obras de Lenin. Aí que ele vai, é evidente, em contato inclusive com comunistas latino-americanos, avançar para o marxismo, vai se tornar adepto do marxismo e procurar ingresso no Partido Comunista. Esse é um processo que vai até 30, em que ele lançou o famoso manifesto, de maio de 30. E já era um manifesto — embora ele não diga que estava aderindo ao comunismo nesse manifesto — na realidade as bandeiras eram as mesmas do Partido Comunista.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E aí a gente chega a um ponto que eu gostaria que a senhora fizesse um esclarecimento. Não sei se isso é verdade, mas corre né, que os líderes da Revolução de 30 que derrubaram Washington Luís ofereceram a liderança do movimento ao Luís Carlos Prestes.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Não é bem assim, né!

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E que ele teria recusado, porque os cabeças do movimento não teriam aderido ao ideário comunista.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Não é bem isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ou seria uma revolução comunista, ou ele não... É verdade isso? O que tem de verdade nisso?

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Não, não é bem assim, não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Houve uma troca de carta entre ele — está publicado isso — e o Juarez Távora.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - É. Isso já depois do manifesto dele. Existem várias cartas.

            Mas, retrocedendo um pouco, antes de 30, naquele período do exílio, já em Buenos Aires, nos anos de 28, 29, ele tinha sido escolhido pelos tenentes o chefe militar da revolução tenentista que se pretendia realizar no Brasil, que era, nada menos nada mais, que mais um golpe. Já tinha tido em 22, tinha tido em 24, tinha tido a Coluna e agora os tenentes conspiravam de novo. Uns estavam no exílio — era o caso do Prestes, que estava no exílio —, outros estavam no Brasil. Iam e vinham esses que estavam no Brasil. O grande centro era Buenos Aires, onde todos se encontravam.

            Então, ele foi nomeado, escolhido, porque realmente, naquele momento, o prestígio do Prestes era muito grande. Quer dizer, terminada a Coluna, na medida em que acabava a censura à imprensa, Washington Luís, no dia 1º de janeiro de 1927 — ele tinha tomado posse em novembro —, suspendeu a censura à imprensa e o estado de sítio.

            Aí há o que eu chamo de uma verdadeira explosão na imprensa a respeito da Coluna. São caravanas e caravanas de jornalistas que se deslocaram do Rio de Janeiro e de São Paulo para a Bolívia, para entrevistar o Prestes e outros comandantes da Coluna. Há reportagens. Se a gente pega os jornais da época, são páginas e páginas de reportagens documentadas com fotos e que revelam o grande prestígio da Coluna, do Prestes e do Tenentismo, principalmente do Prestes, como o grande líder. Foi a época em que ele, na imprensa do Rio de Janeiro, mais precisamente num jornal chamado A Esquerda, passou a ser denominado de o “Cavaleiro da Esperança”. É nesse período. Quer dizer, foi a imprensa do Rio de Janeiro que criou esse mito do Cavaleiro da Esperança. E o prestígio dele efetivamente era muito grande. A gente vê isso não só na imprensa, como também pelas memórias da época. Então, foi nesse clima que os tenentes escolheram Prestes chefe militar da nova revolução que se preparava, dessa conspiração.

            Ao mesmo tempo, as oligarquias dissidentes, que acabaram sendo lideradas por Getúlio Vargas, com a campanha da Aliança Liberal, em 29, e depois já na preparação propriamente do movimento armado de 30 — isso já durante o ano de 30 —, as oligarquias dissidentes viram no Prestes uma liderança importante de ser trazida para o seu lado.

            Por esse motivo, a pressão era muito grande. Os políticos mais variados iam a Buenos Aires visitar o Prestes. Ele trabalhava para sobreviver, porque a sua situação econômica era muito difícil. Mas o tempo todo ele era assediado por políticos e jornalistas que iam do Brasil para tentar conquistá-lo. E, sob essa pressão muito grande, ele acabou concordando em atravessar clandestinamente a fronteira com o Rio Grande do Sul e teve duas entrevistas com Vargas, que era a grande liderança da Aliança Liberal.

            E, nessas entrevistas — que ele relata detalhadamente em vários depoimentos, e eu transcrevo nesse meu livro sobre A Coluna Prestes —, ele já não tinha muita ilusão com Vargas não. O que ele estava pretendendo, principalmente... Não imaginava que Vargas fosse efetivamente liderar um processo revolucionário, porque, nesse processo, o Prestes já tinha-se convencido de que aquele programa liberal dos tenentes não ia resolver os graves problemas do Brasil, a miséria que ele tinha visto. Ele achava que o caminho era o caminho apontado pelos comunistas, o caminho apontado pelo marxismo; o caminho, na época, do programa dos comunistas, da revolução agrária e anti-imperialista.

Então, ele chegou lá e fez um discurso bastante sectário, porque ele era um cristão novo no comunismo, segundo ele mesmo contava ao Getúlio, e disse para o Getúlio: “Me disseram que o senhor quer liderar uma revolução. Então, se o senhor quiser liderar uma revolução eu estou disposto a participar desta revolução. Só preciso de armas. Preciso de dinheiro para comprar as armas”. E o Getúlio, que era uma pessoa muito hábil, um político muito hábil, prometeu tudo, concordou com tudo, ainda elogiou o Prestes. Disse que ele tinha a qualidade da eloquência. Enfim, ele saiu dali, e os tenentes acreditando que, realmente, iam poder participar junto com Getúlio.

O que aconteceu, procurando resumir, é que a maior parte desses tenentes ficou inteiramente a reboque de Vargas, tanto na Aliança Liberal como depois, no movimento de 30. E o Prestes não concordou com isso. Há cartas dele, ainda de 29, que depois foram publicadas na imprensa, em que ele se correspondia com colegas tenentes — Cordeiro de Farias, Silo Meireles e outros que estavam no Rio de Janeiro —, expondo suas ideias e dizendo que ele não ia participar da Aliança Liberal, porque achava errado participar. Só que os meios de comunicação, na época, não eram os de hoje. Então, ele mandava telégrafo ou carta. E a opinião pública não ficava sabendo disso, porque os tenentes que estavam no Brasil não estavam interessados em difundir as posições do Prestes de crítica à Aliança Liberal, de ruptura com a Aliança Liberal, de não apoio às candidaturas de Vargas e de João Pessoa, enfim, de se colocar contra aquele programa, como ele chamava, o programa anódino da Aliança Liberal, que não ia resolver os problemas do Brasil.

Então, ele marcha para uma ruptura. Mas, ao marchar para a ruptura, ele faz um esforço hercúleo no sentido de conquistar o maior número possível daqueles antigos colegas, antigos tenentes, para as posições dele, até porque ele tinha uma grande amizade com Siqueira Campos, Cordeiro de Farias, o próprio Miguel Costa. Ele queria convencer esses camaradas da justeza das suas novas posições, da necessidade da revolução agrária e anti-imperialista, que não era a revolução comunista ainda não; era a revolução agrária e anti-imperialista.

Mas ele não consegue convencê-los, até porque eles estão todos já, com a exceção de um ou dois de menor importância como era o caso do Silo Meireles e do Emídio Miranda, os outros todos aderem ao Getúlio — João Alberto Lins de Barros, todos eles aderem a Getúlio —, aderem à Aliança Liberal, participam da Aliança Liberal, e depois vão participar do movimento de 30.

O Prestes, que havia sido escolhido comandante militar da Revolução de 30, fica sozinho em Buenos Aires. Evidentemente, ele perde esse cargo. E quem vai ser convidado, no caso, concretamente, pelo Osvaldo Aranha, que é o braço direito de Getúlio, para ser o comandante militar da Revolução de 30, é um antigo militar legalista que tinha combatido a Coluna Prestes, o general Góes Monteiro, que na época, como tenente-coronel, num cargo meio obscuro, comandava uma unidade em São Luiz Gonzaga, no Rio Grande do Sul, e foi convidado pelo Osvaldo Aranha para ser o comandante, chefe militar da Revolução de 30.

Não por acaso existe uma foto muito conhecida daquele trem no qual Getúlio vem do Rio Grande do Sul para o Rio de Janeiro. Ao lado dele está quem? Góes Monteiro, comandando as tropas. Quer dizer, ocupou o lugar do Prestes um homem que sequer era revolucionário. Muito pelo contrário, tinha combatido de forma extremamente ativa a Coluna e os tenentes, tanto no Paraná como depois já na Bahia, em Minas, enfim, em grande parte do trajeto da Coluna Prestes.

Esse homem é que vai ser o comandante da chamada Revolução de 30, com a qual o Prestes já havia rompido antes. Em maio de 30, ele lança o seu famoso manifesto, que cai como uma bomba no Brasil, chamado de manifesto comunista, mas que não era comunista. Ele levantava a bandeira da revolução agrária e anti-imperialista, denunciando o programa da Aliança Liberal, denunciando as propostas daquelas oligarquias dissidentes, às quais os tenentes haviam aderido — com Getúlio; com Osvaldo Aranha; com o Governador de Minas, cujo nome me fugiu...

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Antônio Carlos de Andrade.

A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - ...Antônio Carlos Ribeiro de Andrade, que tinha dito: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”; com João pessoa, que morre, nesse meio tempo, é assassinado.

Então, Prestes vinha rompendo aos poucos, tentando conquistar os seus antigos camaradas. Na medida em que não consegue fazer isso, ele lança o manifesto, deixando clara a sua posição. Porque dizia ele que não podia concordar em compactuar com algo com que ele não concordava e estava contra, porque achava que era uma forma de ludibriar o povo brasileiro, as grandes massas trabalhadoras no Brasil. Ele já tinha-se colocado...

Essa era uma das questões que eu tinha anotado para falar: a posição de Prestes em 30, que foi muito criticada, não só pelos tenentes, pelo Juarez Távora, que era o que mais escrevia — escreveu cartas, repudiando a posição do Prestes  —, como até hoje muitos historiadores que escrevem sobre o assunto não entendem a posição do Prestes e dizem: “O Prestes devia ter participado do movimento, porque ele tinha tudo para ir para a dianteira e, depois, no poder, ele ia fazer as transformações que ele achava”. Era a tese, por sinal, de um grande amigo do Prestes, o Siqueira Campos.

O Siqueira Campos discutiu, ardorosamente, com Prestes, em Buenos Aires, durante 15 dias de discussão, dia e noite; o Prestes tentando convencê-lo de que ele não participasse daquele movimento de 30, e o Siqueira Campos tentando convencer o Prestes de que ele devia participar. A tese do Siqueira Campos era justamente esta: “A gente toma o poder, a gente vai junto com eles, e depois, estando lá, os fuzila”.

Siqueira Campos, como dizia meu pai, era meio anarquista. Era um grande revolucionário, um homem de grande talento, mas ao mesmo tempo meio anarquista. E o Prestes dizia: “Antes de você os fuzilar, quem vai ser fuzilado vai ser você”.

E, efetivamente, eu acho que a história posterior nos revela que, se o Prestes tivesse aceito participar do movimento de 30, das duas, uma: ou ele ia ser conivente com Vargas, ia fazer o que fizeram o Juarez Távora... O Siqueira Campos morreu, nesse momento; quando ele estava voltando para o Brasil, o avião caiu e ele morreu tragicamente. Mas se formos olhar, Juarez Távora, Cordeiro de Faria, João Alberto Lins de Barros, Miguel Costa, todas aquelas lideranças tenentistas, depois de 30, o que fizeram? Ficaram subordinados à política varguista.

Há uns dois anos, publiquei um livro Tenentismo pós-30, no qual, justamente, resultado de uma pesquisa que fiz, mostro como o Tenentismo pós-30 é outra coisa totalmente diferente daquele movimento dos anos 20. Quer dizer, esses tenentes ficaram inteiramente subordinados a Vargas e Góes Monteiro, o famoso Góes Monteiro, que vai ser um dos grandes ideólogos desse pós-30.

Então, o destino do Prestes seria ou fazer isso, aderir — todos eles acabaram marechais —, ou seria alijado, cairia no ostracismo, ou provavelmente encontrariam uma maneira de se desfazer dele, de matá-lo ou liquidá-lo fisicamente. Provavelmente, aconteceria exatamente isso.

            E essa atitude que o Prestes tomou em 30 eu acho que é realmente algo extremamente inédito na história brasileira. Um político da envergadura dele... Ele, naquele momento, realmente, como o senhor estava dizendo, podia ter ocupado o lugar de Vargas. O prestígio de Prestes em 28, 29, aqui no Brasil, era muito maior do que o de Vargas.

Uma informação interessante pude perceber nos jornais, quando eu estava pesquisando, como no jornal Correio da Manhã, que era um jornal de oposição muito importante aqui no Rio de Janeiro, nos anos de 28, 29. Ele fez o seguinte tipo de pesquisa de opinião, chamemos assim, colocando essa questão das eleições. O Correio da Manhã, cuja sede era na Avenida Rio Branco, se não estou enganada, montava uma urna e conclamava a população a ir lá votar no seu candidato a presidente no Brasil. Depois, no dia seguinte, publicava o resultado, dia a dia, de qual havia sido a votação na véspera. Dias e dias, Luiz Carlos Prestes era o primeiro colocado. Quer dizer, o seu prestígio era muito grande.

Então, um político que está nessa posição e que rompe com a classe dominante e se coloca do outro lado da barricada, assume a posição dos oprimidos, dos explorados, dos trabalhadores, coloca-se ao lado dos trabalhadores, contra as classes dominantes. É um fato inédito na história do Brasil. Isso geralmente não é valorizado nem considerado pelos historiadores.

Há agora um jovem historiador que até escreveu um artigo interessante em que lança essa ideia, o Edgar Leite, meu colega professor-doutor da UERJ. É interessante essa ideia de que o Prestes foi o único político na história do Brasil que, tendo tudo para estar inserido e solidário com a classe dominante, pulou a barricada, se colocou do outro lado da barricada.

As consequências disso são muito grandes. Não por acaso as classes dominantes no Brasil até hoje não perdoam a Prestes essa atitude. Até hoje a figura dele é deturpada, é caluniada. Essa pergunta que a Ana Maria fez, toda a propaganda, toda a construção ideológica da história oficial das classes dominantes é no sentido de denegrir a figura de Luiz Carlos Prestes. E não por acaso, exatamente pela atitude que ele tomou, pelo fato dele ter se descompromissado com os poderosos, com os donos do poder e ter-se colocado ao lado dos trabalhadores, ao lado dos oprimidos e explorados. Pois não.

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida) - Ele teve a oportunidade de ter o poder nas mãos, por vários momentos, na questão do Tenentismo e depois até, quando ele rompe com o PCB...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Mas ali não tinha condição de ter poder na mão. O PCB não tinha o poder nas mãos de jeito algum!

            A SRA. ENTREVISTADORA (Ana Maria Lopes de Almeida)- Mas ele tinha, até mesmo pelo carisma. Enfim, acho que ele poderia ter chegado. Eu não entendo por que não chegou.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Acho que a senhora está enganada. Ele poderia ter chegado em 30, nessas condições em que ele se posicionasse subordinado àquele grupo que se articulou em torno de Getúlio Vargas, que era composto, principalmente, por Vargas, Góes Monteiro, grande ideólogo do Estado Novo, e Osvaldo Aranha. Esse grupo, com alguns outros que se articulam em torno de Vargas, é que vai dar as cartas a partir de 30. E quem não rezasse de acordo com essa cartilha seria excluído como foi, por sinal. Foram sendo excluídos. Góes Monteiro fez uma limpeza no Exército. Só foram promovidos a generais aqueles que concordavam com a doutrina Góes Monteiro. Hoje em dia, inclusive, existe esse enunciado da doutrina Góes Monteiro. Eu tenho inclusive um ex-aluno que está terminando uma tese de doutorado sobre a doutrina Góes Monteiro.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora permite eu fazer uma pergunta um pouco longa, só para dar uma explicação. Há hoje na Esquerda e também na Direita uma ideia, no Brasil, de que o Prestes, com o COMINTERN, promoveu um dos maiores erros históricos da Esquerda do mundo, quando tentou — aliás, eles vão celebrar agora no dia 27 de novembro...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Atualmente, quase não celebram mais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu não estou tomando o partido deles não...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Eu sei, o senhor está perguntando. Até era um assunto que tinha anotado também para falar aqui, 35.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Estou provocando a história. Porque quem conta a história são os vitoriosos.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Sem dúvida, a história oficial.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Esse negócio tem milênios.

            Estávamos entrevistando há pouco um general um pouco truculento, mas eu, por exemplo, e outras pessoas que não temos compromisso com eles, como não temos com o Prestes, tendemos a achar que foi um erro, porque só é bom para ganhar, para perder não é bom. Então, que foi um erro trágico foi, não há dúvida. A senhora sua mãe sofreu penosamente as consequências desse erro, como muitos outros sofreram no Brasil — demitidos, perseguidos. Foi uma grande tragédia política. E a Esquerda pagou posteriormente demais isso. O Exército ficou com uma posição muito contra a Esquerda no Brasil, e a Esquerda brasileira sofreu muito com isso. Um amigo meu me mostrou depois uma coisa, quando alguns elementos de esquerda, em 64, perto do golpe, diziam ao Prestes: “Cuidado que o Exército pode nos massacrar”. E ele dizia: “Não, as nossas armas estão com o Exército”. Isso ocorreu em 35...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não, foi em 64.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Foi em 64. Então, essas coisas todas são arroladas como uma crônica de erros. Não estou dizendo que foi. Estou apenas colocando para a senhora, que é uma militante da causa, a fim de que dê sua visão, que é só da senhora, claro.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Erro, sem dúvida, houve. O meu pai era o primeiro a reconhecer os erros. Aliás, existe um ditado popular que é muito verdadeiro: Só não erra quem não faz nada. Quem faz, quem age está sujeito a errar, ainda mais na política. É complicado.

            Agora, sobre 35, existe uma série de deturpações maldosas, inclusive o próprio nome de Intentona, é um nome que na época não existiu. Foi criado um ano depois, nas comemorações, se se pode dizer assim, de um ano, pelo Governo Vargas, já, portanto, em 36, em que ele cria esse nome de Intentona, justamente para denegrir o movimento.

            Há algumas coisas. Não vou poder falar sobre todos os aspectos, porque é muito amplo. Aliás, publiquei um livro também sobre esse assunto, que se chama Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora.

            Há um engano no que o senhor está dizendo. Parece que a repressão contra a Esquerda no Brasil começou depois dos levantes antifascistas de novembro de 35. Na realidade, a repressão já vinha de longe. Em 34, se a gente pesquisa esse período — é só ler os jornais da época —, a repressão já era violenta. Em 35, idem. Em abril de 35, é aprovada a famosa Lei de Segurança Nacional, aprovada no Congresso e sancionada por Getúlio Vargas, lei que não por acaso ficou conhecida na época como “lei monstro”. Contra quem estava dirigida essa lei de segurança, essa “lei monstro”? Contra os comunistas, contra os lutadores, contra os democratas. Não era só contra os comunistas, não, era contra todos os antifascistas e democratas.

            Então, no Brasil, desde 32, foi criada a Ação Integralista Brasileira — AIB, por Plínio Salgado, um movimento que imitava o fascismo italiano e o alemão, principalmente o italiano. Esse movimento fascista no Brasil progredia. E foram as forças democráticas, entre as quais os comunistas tinham um papel importante, que começaram a lutar contra esse movimento, esse ascenso do integralismo no Brasil.

            Então, os anos de 33, 34 e 35 foram anos de grandes lutas, de grandes manifestações, em que esse movimento antifascista e democrático, muito amplo, vinha crescendo. Figuras muito amplas das camadas médias urbanas e intelectuais participavam desse movimento. A repressão ao movimento era tão grande que, no final de 34, as pessoas desapareciam — fala-se pouco, hoje, nisso —, mas as pessoas desapareciam, eram torturadas, eram  presas. A repressão era tão grande que, quando chegou o final de 34 — agora não me lembro do exato mês, acho que foi em outubro ou novembro — é criada a chamada Comissão Popular Jurídica de Inquérito. Essa Comissão tem um papel muito importante. Era formada por advogados, dentre os quais alguns comunistas, outros não comunistas, democratas, e visa justamente ajudar a encontrar as pessoas que estão desaparecidas, dar assistência aos presos, às famílias dos presos, arrecadar fundos para conseguir manter as famílias dos presos, que perderam seus chefes de família ou desaparecidos, ou mortos, ou presos sem poderem trabalhar. Enfim, desse movimento democrático, antifascista, contra a repressão, que vinha crescendo...

O Filinto Müller era chefe de polícia nesse período todo. Aliás, ele já era chefe de polícia. Acho que em 33 ele é nomeado, se não estou enganada. Não tenho a data exata, mas acho que é 33.

            Então, desse movimento da Comissão Popular Jurídica de Investigação é que vai surgir, já em março de 35, a Aliança Nacional Libertadora, um movimento muito amplo que abarcava militares. Grande parte daqueles jovens tenentes que não tinha aderido a Getúlio ou que estava decepcionado com Vargas...

            Por exemplo, o Hercolino Cascardo, que, num primeiro momento — tinha sido tenente nos anos 20 —, tinha apoiado Vargas e o movimento de 30, estava profundamente decepcionado com os resultados da Revolução de 30. Tem uma carta dele no CPDOC muito citada — eu também a cito — em que ele mostra toda a sua decepção. O Hercolino Cascardo justamente vai ser o presidente da Aliança Nacional Libertadora. O Prestes é aclamado presidente de honra, num momento em que ele nem estava no Brasil, ainda não tinha nem chegado ao Brasil, estava na União Soviética. Logo depois, ele chega, clandestino, e é aclamado num grande ato público, que se realiza no Teatro João Caetano, no dia 30 de março de 35, presidente de honra.

            Mas a Aliança Nacional Libertadora era um movimento que abarcava figuras bastante amplas, tanto militares quanto civis, inclusive o movimento de mulheres. Foi um momento de grande efervescência política, de grande participação de setores muito amplos, seja das camadas médias urbanas, seja do movimento operário. Muitos sindicatos participaram. Pois não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora sabe que não era só Hercolino Cascardo que tinha decepção com a revolução...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Não, muita gente...

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mesmo a Direita tinha. O Pedro Aurélio de Góes Monteiro, em seu livro intitulado O General Góes Depõe, diz claramente que a revolução não deveria ter acontecido, tais os erros que cometeu.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Certo, mas aí são duas visões diferentes, uma de esquerda, outra de direita. Havia quem criticasse o Getúlio pela Esquerda, que era o caso de todos esses setores que acabaram se aglutinando na Aliança Nacional Libertadora, e havia quem criticasse pela Direita, como era o Góes Monteiro, que vai inclusive conseguir empurrar o Getúlio e todo esse grupo do qual ele faz parte para o Estado Novo. Quer dizer, o Góes Monteiro é o grande artífice do Estado Novo, indiscutivelmente. Hoje, isso está bastante claro pelas pesquisas mais recentes.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O José Augusto Ribeiro, por exemplo, só para ilustrar, sustenta uma tese diabólica que alguns setores da Esquerda já aceitam hoje, a de que Getúlio se antecipou ao golpe que estava sendo tramado pelos generais, como esse de 64, naquele tempo, pelo Góes e o Dutra.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Certo.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Quando ele sentiu, através daquele Plano Cohen, que os militares iam dar um golpe, ele se antecipou para evitar o pior. Seria uma saideira para...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Eu discordo disso. Acho que toda a documentação que eu conheço não revela isso. Revela que os militares precisaram do Getúlio. À frente dos militares estava o Góes Monteiro com o Dutra, que era seu braço direito, e precisaram do Getúlio Vargas até para unificar o Exército. Existe a tese até do próprio Prof. José Murilo de Carvalho de que o Getúlio foi muito importante naquele momento do golpe do Estado Novo, exatamente para conseguir unificar o Exército. Nenhum general tinha condições, naquele momento específico, de unificar o Exército. E o Getúlio a tinha. E ao Getúlio interessava, porque ele não queria sair do poder. Naquele momento, só tinha um jeito de ficar: o golpe. Porque ele não conseguiu em 37 o que o Fernando Henrique conseguiu agora: a reeleição. Ele tentou de todo jeito a reeleição, mas ele não conseguiu. Então, o único jeito era dar o golpe, porque não tinha como ficar. A ele interessava o golpe, e aos generais interessava o Getúlio, porque tinha carisma, já estava lá e unificava o Exército. Acho que é muito mais por aí.

            Mas hoje existem muitos estudos. Inclusive, eu disse que tenho um ex-aluno que deve, em breve, defender a tese de doutorado sobre a doutrina Góes Monteiro. É uma pesquisa de fôlego e muito interessante, que nos mostra o quanto Góes Monteiro foi efetivamente o grande ideólogo e artífice do Estado Novo. E o Getúlio aderiu, porque estava interessado.

            Mas, voltando ao que eu estava dizendo...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Eu queria só fazer uma colocação. A senhora disse que o próprio Luiz Carlos Prestes fazia uma autocrítica em relação aos acontecimentos que envolveram a Coluna em 35. Eu queria saber em que aspectos ele fazia...

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES – Pois é! Eu vou chegar lá.

            Ele reconhecia que foi um erro de desconhecimento da realidade. Em 35... Eu estava falando do movimento antifascista. Esse movimento antifascista veio crescendo, a repressão já era muito grande. Não é que a repressão começou porque houve os levantes de novembro. Ela já era grande essa repressão. E se a Aliança Nacional Libertadora foi fechada em julho de 35, com poucos meses de existência, foi não tanto porque fosse deslanchar uma luta armada — isso veio depois —, mas muito mais porque ela representava um perigo de unidade das forças democráticas e antifascistas no Brasil, o que não interessava a Vargas.

            A Aliança Nacional Libertadora abarcava amplos setores: da juventude estudantil, que estava se organizando; o movimento feminino, que naquele momento crescia — existia uma federação de mulheres brasileiras que começava a ter peso político —; os militares — havia setores importantes, principalmente da juventude militar, que estavam decepcionados, à esquerda, com Getúlio Vargas. Aquele era um momento de renascimento muito grande do prestígio do Prestes.

            Quando se dá o manifesto de 30, do qual já falei aqui, e o Prestes se torna comunista, embora não fosse membro do Partido Comunista, isso leva a que seu prestígio caia violentamente. Há uma grande decepção, generalizada, com essa posição política dele.

            Mas depois, na medida em que a decepção com Getúlio vai crescendo, naqueles anos de 31, 32, 33, que as promessas de 30 não se realizam, o prestígio do Prestes renasce de forma impressionante. É possível acompanhar isso pela imprensa, pelos documentos da época.

            Então, em 34, 35, o prestígio do “Cavaleiro da Esperança” é muito grande novamente. Não por acaso ele é aclamado presidente de honra da Aliança Nacional Libertadora. É só consultar aquela documentação, os jornais da época, para ver como isso aconteceu.

            Esse movimento é muito importante. Ele cresce muito e atemoriza as forças de direita. Daí o fechamento da Aliança Nacional Libertadora.

            Onde está o erro? Sem ter percebido a real correlação de forças existentes no País, os comunistas — e o Prestes estava incluído nisso, e a Internacional Comunista, da qual participava o PCB, também — não percebem que não existe situação revolucionária no Brasil.

            Os comunistas diziam que havia uma situação revolucionária no Brasil. Superestimavam a mobilização popular. Pensavam que, a um apelo, a massa se levantaria. Pensavam que a classe operária entraria em greve a um apelo.

            No fundo — é o que eu digo no meu livro, é uma das teses que eu defendo  —, o golpismo está profundamente arraigado na sociedade brasileira, inclusive entre os comunistas.

            Golpismo em que sentido? Aquela mentalidade de que, como é muito difícil organizar, e realmente o povo brasileiro sempre foi desorganizado, porque as classes dominantes nunca deram chance de se organizar, sempre reprimiram com muita violência...

            Se a gente olhar para o século XIX está lá. Todos aqueles movimentos em que houve tentativa de organizar povo foram esmagados a ferro e fogo. Seus líderes foram enforcados, fuzilados e por aí afora. Vejam Pedro Ivo, Frei Caneca e tantos outros.

            Então, a repressão sempre foi muito grande das classes dominantes no Brasil. Isso impediu a organização popular. Qual é o resultado disso? O Sérgio Buarque de Holanda, o grande historiador, fala nisso também. Essas massas desorganizadas voltam seus olhares para quem? Para um salvador. E quem é o salvador? É quem tem as armas nas mãos e pode agir em nome delas. Daí a ideia do golpe militar.

            Nos anos 20, o Tenentismo é típico disso. Depois de 30 isso continuou. E essa mentalidade sempre está esperando um salvador, que, através de um golpe militar, resolva os problemas, sem a necessidade da participação popular. Quando muito o povo vai aderir depois está profundamente.... E acho que ainda continua bastante arraigado no Brasil. Naquela época, então, nem se fala.

            E esta mentalidade, essa concepção, também contagiava os comunistas, sem dúvida alguma, e o Prestes entre eles. Todos estavam contagiados por essa mentalidade.

            Embora escrevessem nos documentos — a gente pega os documentos do partido, os documentos do Prestes, e em todos se diz que é preciso combater o golpismo porque é um mal, prejudica —, mas na prática, é muito diferente o que se escreve e a prática, não é? Na prática, era difícil organizar. Organizar povo, organizar camponês, isso é muito difícil! Naquela época, então, mais difícil ainda.

            O caminho mais rápido parecia ser, justamente, aqueles militares que estavam tão descontentes, por vários fatores, darem o golpe, e as massas aderirem. Essa era a concepção que estava presente e acabou predominando. Pois não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Muita gente, naquele tempo, estranhou. E a Direita explorou muito o fato de o Prestes ser submetido a grande sofrimento na cadeia....

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Isso já é depois, não é!

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Tanto que o Sobral Pinto chegou a pedir para ele...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Isso é depois, não é?

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Isso é depois.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ...chegou a pedir para ele a proteção da lei dos animais.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Não, não foi para ele. Foi para o Henry Berger, para o Ewert. Foi para ele que ele pediu.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Mas ele se aliou com o Getúlio, depois.

            A SRA. ANITA LEOCADIA PRESTES - Essa já é outra etapa. Aliás, eu tinha anotado também, porque todo mundo... Não tem perigo de eu dar uma entrevista e alguém não perguntar por que o Prestes se aliou com Getúlio. Essa é uma pergunta inevitável.

            Mas eu estava falando de 35. Então, erros houve sim! E o Prestes reconhecia isso! Foi um erro de avaliação da situação real existente no País.

            Sem dúvida, os comunistas, tanto os brasileiros como os estrangeiros que colaboravam e ajudavam, porque o movimento revolucionário era visto como internacional, não tinham conhecimento suficiente do Brasil. Aliás, ninguém tinha. O conhecimento do Brasil era bastante precário.

            Então, superestimou-se as possibilidades de organização e mobilização da classe operária e de outros setores da população e levou-se à precipitação das revoltas, que começaram lá no Nordeste, em Natal. Aqui, os revolucionários, no Rio de Janeiro, ficaram em situação muito difícil. Porque é o que o Prestes dizia: não fazer nada era deixar os companheiros do Nordeste, de Natal e de Recife isolados, sozinhos, abandonados. Se fizesse, seria o caminho certo para a derrota, porque o Governo já estava até avisado, porque já tinha começado lá. Então, era uma situação muito difícil, e eles assumiram uma postura, digamos assim, heróica de enfrentar, de fazer o que era possível. E foi realmente uma derrota que trouxe consequências sérias para toda a esquerda no Brasil, para os comunistas em particular, mas que não foi a causa do golpe de 37. Isso eu gostaria de destacar. O meu pai já dizia, e eu concordo com ele pelo seguinte: pesquisando toda a marcha dos acontecimentos, o desenrolar da história naquele período de 1930 a 1937, percebe-se perfeitamente que a doutrina Góis Monteiro, todo um conjunto de ideias que já vinha sendo elaborado pelo Góis Monteiro antes de 30 ainda — e ele escreveu muito, tem vários trabalhos publicados — é muito elucidativa de que era todo um projeto que estava sendo implementado. E o Getúlio deu mão forte ao Góis Monteiro para que ele implementasse esse projeto, que era um projeto autoritário e centralizador, o projeto do Estado Novo. Então, com levantes em 1935 ou sem levantes em 1935, marchava-se para o Estado Novo.

            É muito interessante. Existe uma carta, de janeiro de 1934, que na época era confidencial, evidentemente, e hoje em dia está aí nos arquivos aberta ao público, do Góis Monteiro ao Getúlio. É uma longa carta. Se não me engano, são 24 páginas em que o Góis Monteiro expõe todas as reformas que ele acha que tem de fazer no Exército e no País para dar certo. E é um projeto autoritário, centralizador, com alguns elementos inclusive de inspiração nazifascista. Essa carta o Getúlio recebeu. E qual foi a medida que ele tomou? Imediatamente nomeou o Góis Monteiro Ministro da Guerra para pôr em prática esse projeto. Era um projeto, e o Góis Monteiro era um sujeito extremamente competente, conhecedor, estudioso, conhecia o Brasil e conhecia a ciência militar da época, tinha lido os clássicos militares alemães, prussianos, franceses e sabia muito bem o que queria. E o Getúlio dá mão forte a ele, apoia e ele, com o apoio também do Dutra, que era principalmente um executor... Quer dizer, eram 2 braços que funcionavam extremamente articulados: o Góis Monteiro era a cabeça e o Dutra era o executor. Eles põem em prática esse processo que vai desembocar no Estado Novo. Quer dizer, era a aplicação, a implementação, na prática, do projeto Góis Monteiro, que visava o quê? Um salto no desenvolvimento capitalista brasileiro, via autoritarismo, sem dúvida nenhuma. Era a industrialização, assegurar a industrialização do Brasil por um caminho autoritário. Era isso. E esse projeto foi implementado, sem dúvida nenhuma, com ziguezagues, com problemas, evidentemente. Não foi, portanto, o movimento de 35 que desencadeou o Estado Novo. Isso eu gostaria de ressaltar.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Professora, só uma coisa. Nós acabamos de entrevistar o general que era, em 1947, quando o partido foi fechado, oficial de gabinete do Comandante Militar do Rio de Janeiro. Foi a pessoa que atendeu ao Getúlio, em 1945. Como era o nome dele?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - General Leônidas.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Não, estou dizendo o General......

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Ah! É o General Álcio Souto.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Ah! O Álcio Souto. Certo.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Ele foi chefe da Casa Militar.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Ele nos disse que Álcio Souto foi um dos grandes inspiradores dessa decisão do Dutra de pedir o fechamento do partido e a cassação dos Parlamentares.

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - O Álcio Souto? É possível.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Foi um dos grandes inspiradores, porque ele alegava que a revolta de 1935 deixou uma chaga aberta, uma ferida  aberta dentro do Exército, nunca cicatrizada e que indispôs o Partido Comunista com o Exército, ou com as elites do Exército, de uma maneira definitiva. Isso aconteceu em 1945 e aconteceu em 1964 novamente. Quer dizer, essa resistência do Exército à atividade política...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Olha, isso não é bem verdade, porque o Partido Comunista sempre teve uma penetração bastante grande dentro do Exército.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)- Mas dentro das...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Das Forças Armadas, do Exército.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Essa penetração, quando chegava nos comandos das Forças Armadas, ela era...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Depende. Vocês vejam, o Brigadeiro Teixeira era Brigadeiro em 1964, comandava um setor importante no Rio de Janeiro, era comunista membro do partido.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Em 1964 isso tornou a ocorrer. Os sargentos, essa coisa toda, havia uma penetração do partido, mas quando...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Olha, em 1964, não tenho muita certeza na cifra, mas parece que chegou a 10 mil expurgos nas Forças Armadas, não é! Quer dizer, não era todo mundo comunista, evidentemente, mas tinha muitos comunistas e muitos aliados e já tinha havido outros expurgos anteriores. Então, até 1964, pelo que conheço, o Partido Comunista até que teve sempre uma penetração bastante grande.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Isso é o que eu queria saber, como é que seu pai analisava as consequências, porque, pelo que a senhora falou: “Olha, foi um erro, houve uma superavaliação da capacidade de mobilização do povo, mas acabou.” E eu acho, pelo Getúlio podia estar vendo....

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, não acabou.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - …..que isso foi uma coisa que teve consequências no correr do tempo, durante um longo tempo e até muito recentemente!

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, eu acho que isso foi utilizado. A direita utilizou bem a chamada Intentona para quê? Para combater não só os comunistas como toda as forças de esquerda e democráticas do Brasil. Durante anos, eu me criei, depois que vim para o Brasil, com 9 anos, todo 27 de novembro, que por sinal coincide com o meu aniversário, era dia de grande repressão, de grandes homenagens aqui na Praia Vermelha. A direita e, depois, os governos da ditadura também sempre aproveitaram bem esse acontecimento, deturpando bastante, de acordo com os interesses deles, para combater o Prestes, o comunismo e todas as esquerdas. Isso é uma coisa, agora, dizer que os acontecimentos de 1935 são responsáveis por tudo o que aconteceu depois, aí eu discordo. Não me parece que seja correto. Acho que é uma história oficial que foi criada atribuindo à chamada Intentona — já o próprio nome ajuda para esses objetivos —, que procurou criar uma visão de que os comunistas... Até porque os comunistas não eram tão perigosos assim. A realidade é essa também. Quer dizer, exagerava-se o papel dos comunistas para poder melhor combater nem tanto os comunistas, combater qualquer movimento popular, qualquer força de oposição, porque os comunistas mesmo eram bastante débeis e não representavam um perigo de tomada do poder. Se em 1935 não representavam esse perigo, depois muito menos. Então, não me parece que isso corresponda à realidade, agora, é uma história oficial criada, sem dúvida. É um mito que foi criado.

            Mas eu tinha que voltar, antes de 1947, para 1945, os anos 40, à questão do apoio a Vargas. Em primeiro lugar, não foi a aliança, porque uma aliança de Prestes com Vargas teria sido não um acordo. Eles não se encontraram nem mesmo através de intermediários, não houve acordo nenhum. O que houve foi quando meu pai ainda estava preso, diante da posição assumida por Getúlio... Getúlio, como eu já falei aqui e é reconhecido por todos, era um político extremamente hábil, Getúlio Vargas. Na medida em que a situação mundial, no desenrolar da 2ª Guerra Mundial, vai mudando e vai ficando cada vez mais favorável para as forças democráticas, para a União Soviética, principalmente a partir da Batalha de Stalingrado, a primeira grande derrota dos exércitos nazistas. Quer dizer, a situação mundial está mudando. Aqui no Brasil, o movimento antifascista cresce. Quer dizer, a partir de 1938, 1939, 1940, vem crescendo. Também pesquisei esse período e é muito interessante a gente perceber como há um movimento de opinião pública, grandes manifestações, os estudantes tendo uma participação muito grande, os intelectuais também, de luta contra o fascismo no Brasil, um movimento antifascista de luta para que o Brasil rompesse relações com os países do eixo e para que o Brasil entrasse na guerra e enviasse soldados brasileiros para lutar contra o nazifascismo. Quer dizer, esse movimento popular no Brasil é bastante expressivo.

Então, essas pressões sobre o Getúlio o levam a ir mudando de posição. Se em 1936, em 1937 o namoro com Hitler e Mussolini era muito forte, o Brasil estava todo voltado para lá, inclusive do ponto de vista econômico, esperando inclusive que a Krupp, a grande empresa metalúrgica alemã, construísse a siderúrgica brasileira... Depois a pressão dos americanos também tinha uma importância muito grande, do Governo Roosevelt. E o Brasil era um país estrategicamente situado de forma muito importante. Quer dizer, o Nordeste brasileiro era muito importante para os americanos no cenário da guerra mundial.

Então, todas as pressões levam o Getúlio a ir mudando de posição. Ele vai cada vez se afastando mais das potências do eixo, se aproximando dos americanos e acaba rompendo relações com o eixo, isso em janeiro de 1942, depois entrando na guerra ao lado dos países democráticos e enviando as tropas brasileiras para combaterem a febre na Europa.

Então, diante dessa mudança de posição de Vargas é que o Prestes e os comunistas que estão fora da cadeia e os que estão presos também assumem uma posição de apoio a essa política de Getúlio Vargas. É diferente de uma aliança. É apoio à posição de lutar contra o nazifascismo, o que o Prestes escrevia, inclusive, na época. Há escritos dele nesse sentido, de que o principal inimigo da humanidade na época era o nazifascismo. O mais importante naquele momento era unir todas as forças no mundo para ajudar a derrotar o nazifascismo. E, se o Getúlio assumisse essa posição, era necessário apoiá-lo. E, na medida em que o nazifascismo fosse derrotado na arena internacional, a democracia no Brasil também seria conquistada. Essa era a posição dos comunistas.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Agora, era uma posição internacionalista.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Sem dúvida.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não era só nacional. Porque, diante da dificuldade do Estado, os comunistas defendiam a terceira frente.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - A segunda frente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A segunda frente, que era a que o Estado defendia, a Rússia defendia.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não entendi a sua pergunta, francamente.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Não, eu digo que não era só uma posição no Brasil, era uma posição internacional.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, eu falei uma posição internacional de unificar todas as forças no mundo para derrotar o nazifascismo, os países do eixo concretamente. Era essa a posição. Claro, a União Soviética era a força principal nessa luta. Sem a participação da União Soviética de forma decisiva não se teria aberto a segunda frente, que demorou muito a abrir. Por quê? Porque as potências ocidentais relutavam, queriam que Hitler e Stalin lá se digladiassem e se liquidassem mutuamente. Na hora em que as potências ocidentais perceberam que o exército soviético poderia chegar até Paris ou Londres, aí eles resolveram correr e abrir a segunda frente ao desembarque na Normandia.

Então, o Prestes e os comunistas brasileiros, nessa época, assumem a posição de apoio à política de Vargas, de apoio a Vargas nesse sentido, apoiar para garantir a derrota do inimigo principal, a vitória da democracia em nível mundial.

Realmente, depois, a prática, a vida mostrou que eles tinham razão, porque, na medida em que se teve a vitória em maio de 1945, e uns meses antes o clima já era de vitória das forças democráticas mundiais, o que vimos no Brasil? O próprio Getúlio é obrigado a abrir, a fazer uma abertura.

Então, são convocadas as eleições, o partido comunista se legaliza, todos os partidos se formam e se tornam legais. Quem quer se organizar em partidos se organiza. Quer dizer, é um “momento de democratização”, digamos assim, entre aspas, do Estado Novo. O Estado Novo deixa de ser o Estado Novo. O Estado Novo se transforma. E é isso que muitos não entendem no momento e vão apoiar o Brigadeiro Eduardo Gomes, que naquele momento está conspirando junto com a direita militar, o Góis Monteiro, por sinal, conspirando junto com a Embaixada Americana para depor o Getúlio. A posição dos comunistas, a posição do Prestes é contra o golpe. Por quê? Porque se entendia que naquele momento o golpe, que acabou sendo vitorioso no dia 29 de outubro de 1945, não estava dirigido a favor das forças democráticas, e, sim, queria reter, deter, impedir aquele processo de democratização que vinha sendo feito com Getúlio. Ele tinha convocado, inclusive, eleições. Os comunistas estavam se batendo para que houvesse uma Assembleia Constituinte, que afinal é convocada já depois do golpe de 29 de outubro.

É verdade que aquele golpe, embora fosse um golpe que tentava, pretendia impedir o avanço democrático, a força democrática era muito grande naquele momento. A situação internacional era de tal ordem, a vitória das forças democráticas era de tal ordem, no Brasil o movimento democrático tinha tal pujança que foi impossível, com o golpe, reverter o processo. E vocês vejam, poucos dias depois do golpe, o que que acontece: nas primeiros dias de novembro o próprio Governo Café Filho, que substitui... Não, não é o Café Filho, é o ...não é o Café Filho não.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Não é o Linhares, não?

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - É o Linhares, desculpe. O Linhares é obrigado a convocar as eleições para a Assembleia Constituinte. Quer dizer, são convocadas as eleições para a Assembleia Constituinte, realiza-se uma grande campanha eleitoral, e os comunistas, que não participavam de campanha eleitoral há muitos anos, nunca tinham tido aquela oportunidade, conseguem, em poucos dias, eleger o Senador e uma bancada de 14 Deputados para a Assembleia Constituinte — foi o Senador mais votado da República naquela época — e lançar um candidato à Presidência da República, que foi o Yedo Fiúza, um aliado que vai obter 10% do eleitorado, o que foi muito significativo naquele momento. Foi uma campanha de 15 dias, com um candidato que era um candidato fraco, mas foi o candidato possível que o partido conseguiu naquele momento. Então, discordo do termo “aliança”. Acho que ele deturpa o que efetivamente houve.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Por que o Prestes não foi candidato a Presidente da República?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Porque considerava-se que não tinha condição. Era mais interessante se eleger Senador. Ele não se elegeria Presidente da República naquele momento. O Partido Comunista não tinha força para isso.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Coloca-se também outro problema, professora, que é um problema delicado, que, inclusive, o João Amazonas levantou, uma acusação que se faz ao Luiz Carlos Prestes, o que ele chamou de seguidismo, quer dizer, adotar no Brasil decisões políticas de conveniência da União Soviética automaticamente...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não havia isso, não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - ...às vezes sem considerar elementos da própria realidade brasileira. Como é que a senhora responde a esse tipo de acusação?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Eu até acho interessante que o João Amazonas diga isso contra o Prestes, porque o próprio João Amazonas também era tão responsável, praticamente, quanto o Prestes pela política do partido. Ele era um dos principais dirigentes. Os principais dirigentes do partido comunista, a partir de 45, quando o partido vai para a legalidade, são o Prestes, o João Amazonas, o Maurício Grabois, o Pedro Pomar e o Diógenes Arruda. São os principais.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ana Maria Lopes de Almeida) - O João Amazonas era o mais próximo.

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - É, o mais próximo era o João Amazonas. Então, ele é quase tão responsável. Claro, o Prestes era Secretário-Geral e ele não era. Então, isso é interessante, porque vemos hoje em dia muitos antigos dirigentes do partido, comunistas, que se livram inteiramente da responsabilidade. A responsabilidade é só do Prestes. Eles foram anjinhos que não tiveram nenhuma responsabilidade nos acontecimentos. Então, isso é uma questão. Agora, indo ao mérito da questão, sem dúvida...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Como era essa relação?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Essa relação era complexa. Não era assim: Moscou apertou um botão aqui, as coisas se realizavam. Embora não existisse mais a Internacional Comunista nesse período, porque ela havia sido dissolvida em 1943... Em 1943, ela é dissolvida, a Internacional Comunista, porque considerava-se que os partidos comunistas já haviam crescido bastante, já tinham bastante autonomia e que as realidades dos países eram muito distintas, que não devia haver um centro, mas a articulação existia. E, sem dúvida, o prestígio do Partido Comunista da União Soviética era muito grande, ainda mais no fim da guerra, depois que a União Soviética tinha tido um papel decisivo na guerra. Hoje se nega muito esse papel decisivo, mas, se formos estudar a história da época, vamos ver que quem aguentou firme o repuxo da 2ª Guerra Mundial foi a União Soviética. Foi depois que a União Soviética infligiu várias derrotas importantes a Hitler que entraram as outras potências ocidentais, temerosas, como eu já disse, de que o exército soviético chegasse ao Atlântico, ao Oceano Atlântico. Então, o prestígio era muito grande.

            Por outro lado, o desconhecimento do Brasil, como eu já falei aqui, era muito grande, por todo o mundo e pelos comunistas em particular, pelo Prestes. Pelo Amazonas, nem se fala, era uma pessoa de poucos conhecimentos. Enfim, conhecia-se pouco o Brasil. A própria pesquisa histórica, a pesquisa sociológica no Brasil praticamente não existia. Então, existiam o Caio Prado Júnior, com as suas ideias, e muito poucos, um Sérgio Buarque de Holanda, mas havia muito pouca análise, muito pouco estudo do Brasil ainda.

            Então, qual é a tendência em uma situação dessas, quando se conhece pouco a realidade? Copiar modelo estrangeiro. Qual era o grande modelo respeitado e admirado por todos? O modelo da União Soviética, sem dúvida nenhuma. Então, o prestígio do partido da União Soviética era muito grande. A tendência a seguir a orientação da União Soviética, a seguir o que eles diziam lá era muito grande, sem dúvida. Isso não quer dizer que não houvesse decisões internas e que as coisas fossem decididas aqui. Quer dizer, não era assim: Moscou mandou, os comunistas brasileiros fizeram. Não era isso. Realizavam-se reuniões, discutia-se e tomava-se decisões. Mas, realmente, a influência era muito grande.

            Essa influência, por um lado, tinha aspectos positivos, mas tinha aspectos negativos também, cópia de modelo. Esses partidos comunistas todos da América Latina sempre, na minha opinião, padeceram por esse mal de copiar modelo porque desconheciam muito a realidade de seus países. Então, se você não conhece, você vai copiar modelo.

            Vocês vejam: saindo dos partidos comunistas, a própria historiografia brasileira, a análise, digamos, da Revolução de 1930, dos acontecimentos do Brasil, na medida em que se conhecia pouco o Brasil, procurava-se imitar modelo. Qual? A Revolução francesa. Na França, tinha tido uma revolução burguesa; no Brasil, também tinha que ter havido. Onde estava a revolução burguesa no Brasil? Em 1930. Em 1930 ocorreu o que seria a revolução burguesa no Brasil. Então, teses que foram muito consagradas na historiografia, nos trabalhos de cientistas sociais. Fruto de quê? Da burrice dessas pessoas? Não, fruto do desconhecimento existente sobre o Brasil, do nível da pesquisa, do conhecimento existente que não permitia que se avançasse mais. Hoje é fácil a gente criticar. Mas na época não se tinha conhecimento mais profundo sobre isso.

            Então, não é que houvesse assim essa posição de seguidismo. Em alguns até podia haver, mas eu acho que não é isso o principal. Não passa por aí a principal explicação. A principal explicação passa pelo desconhecimento do Brasil. E, se você desconhece, você não tem condições de traçar uma política correta, acertada. Eu acho que é por aí. E aí envolve todo mundo, não só Prestes não, inclusive o João Amazonas também, que era um dos principais responsáveis pela política do PCB nesse período todo.

            Eu gostaria de falar um pouco, já que estamos falando sobre a história oficial, sobre a história que é feita pelos setores dominantes, no verbete Luiz Carlos Prestes, bastante extenso por sinal, publicado agora no Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro do CPDOC, da Fundação Getúlio Vargas. Esse dicionário é uma obra grande — acho que são 4 volumes, se não me engano — publicada agora recentemente, que tem alguns verbetes no site do CPDOC, na Internet. E um desses verbetes, considerado importante pela própria equipe do dicionário, é o verbete Luiz Carlos Prestes.

            E é lamentável que uma obra desse calibre, uma obra que é consultada e que vai ser muito consultada não só por pesquisadores, como por alunos, por estudantes tanto universitários como de 2º grau, contenha tantos erros. E alguns erros factuais, bastante fáceis de terem sido corrigidos a tempo. Isso é lamentável, porque esse dicionário levou vários anos sendo feito, com uma equipe muito grande. Evidentemente, não vou citar todos os erros aqui, mas eu gostaria de alertar os telespectadores, as pessoas que consultarem esse depoimento, para levarem em conta isso. Inclusive se o verbete Luiz Carlos Prestes está eivado de tantos erros, será que os outros também não estão? Em que medida os outros verbetes estão corretos? Erros factuais, por exemplo, a respeito da Coluna Prestes. Inúmeros erros. Poderiam ter consultado fontes que estão aí disponíveis, para não falar no meu livro, que é uma pesquisa bastante detalhada e com fontes documentais, precisas, que dão informações. Por exemplo, uma das manobras mais famosas da Coluna Prestes foi o chamado Laço Húngaro, porque dava a imagem do laço húngaro, que era o enfeite do uniforme dos militares. Foi uma manobra que, na época, teve grande repercussão e muitos anos depois ainda se falava nela. Ela foi dirigida pelo Prestes e aconteceu ali na passagem de Minas para a Bahia, quando a Coluna voltava. A Coluna desceu toda a Bahia, atravessou toda a Bahia e entrou no norte de Minas, chegou até perto de Montes Claros. Mas aí a resistência governista era muito grande e a Coluna teve, mais uma vez, que driblar o inimigo, porque o inimigo, salvo os governistas, pensavam que a Coluna fosse marchar sobre o Rio de Janeiro. Estava se aproximando, descendo para o sul, mas não tinha condição, a Coluna não tinha força para isso, nem armamento, nem condições de marchar sobre o Rio de Janeiro. Então, ela realiza essa manobra do Laço Húngaro, que deixa as forças governistas inteiramente baratinadas, porque pensavam que ia para o sul e ela foi para o norte, voltou para a Bahia e atravessou novamente toda a Bahia, foi ao Nordeste, depois é que marchou para Goiás, Mato Grosso e para a Bolívia.

            Então, essa manobra famosa, localizada exatamente... Inclusive no meu livro há mapas. Enfim, um episódio conhecido no verbete Luiz Carlos Prestes, do dicionário do CPDOC, foi parar lá no norte da Bahia, na passagem de Pernambuco para a Bahia, ou seja, na travessia do Rio São Francisco. Quer dizer, então um erro clamoroso que eu acho que não tem perdão.

            Sobre a Coluna há vários erros desse tipo. Por exemplo, o famoso cerco de São Luiz, que é quando nasce a Coluna, em São Luiz Gonzaga, ali no noroeste do Rio Grande do sul, em que 14 mil homens cercaram a Coluna, e a Coluna, utilizando pela primeira vez a tática da guerra de movimento, consegue furar esse cerco com 1.500 homens e marchar vitoriosa para o norte, enfim, atravessar Santa Catarina e chegar ao Paraná. Também o número das tropas governistas e as formas como se deu esse cerco também foram deturpadas no verbete, né!

Outro erro que é cometido frequentemente e que Prestes desmentiu várias vezes — e eu em carta que mandei ao CPDOC ainda criticando o verbete da edição anterior do dicionário, que é de quase 20 anos atrás, já procurava corrigir — é de que o Prestes, antes de encabeçar o levante de Santo Ângelo, em outubro de 1924, antes disso, ele tinha pedido demissão do Exército. Então, correu durante muito tempo a tese que é reproduzida agora nesse verbete de que ele teria se demitido por uma questão moral, de ética, porque ele não queria se revoltar fazendo parte do Exército. Então, por isso que teria se demitido. Não foi nada disso. Ele muitas vezes explicou que se demitiu para, dessa forma, ter mais liberdade de movimento, ficar menos vigiado e para poder melhor participar da conspiração e organizar o movimento.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Professora, outra coisa que também serve de pretexto para as forças conservadoras no Brasil atacarem a figura do seu pai refere-se aos episódios que a senhora contou aí, na sua explanação, que está muito didática...

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Obrigada.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - ... é a eleição para o Senado do Senador Luiz Carlos Prestes. Uma vez no Senado, ele foi provocado pelo Juraci Magalhães.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - É, aliás, eu tinha anotado também essa questão para falar aqui. (Risos.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Então, o Juraci perguntou... Aliás, o Leônidas hoje falou nisso.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Foi invocado pelo Leônidas como uma prova de que ele era um bom brasileiro.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - É, vou falar nisso. Pode deixar.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - E foi o seguinte: Juraci perguntou: “Senador, se o senhor for colocado diante de um desafio de uma guerra entre o Brasil e a União Soviética, de que lado vai ficar?” Ele disse: “Da União Soviética”.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não foi bem assim, eu vou falar nisso. Mas antes de chegar a esse ponto, vocês me permitam terminar uma apreciação rápida?

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Claro.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Eu não vou, assim, entrar em muitos detalhes a respeito desse verbete do Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro, que eu acho extremamente nocivo, porque os jovens que desconhecem a história do Brasil vão consultar, vão copiar com uma série de erros graves.

Então, sobre a Coluna há uma série de imprecisões, uma série de erros, mas há questões mais graves: o fato de os autores desses verbetes desconsiderarem totalmente uma série de trabalhos de pesquisas, trabalhos sérios publicados nos últimos anos e que tratam de uma série de questões que estão aí no verbete e que são inteiramente desconsideradas.

Quer dizer, o verbete fica (inaudível) em versões já superadas pela própria

biografia.Então, para dar um exemplo talvez mais gritante: a famosa 3ª Conferência dos Partidos Comunistas Latinos Americanos, que se realizou em Moscou em outubro de 1934. As delegações dos partidos latino-americanos tinham ido à Moscou para participar do 7º Congresso Internacional Comunista, que foi adiado para 1935, mas os meios de comunicação eram precários naquela época, ainda mais para os comunistas, né! Os brasileiros, por exemplo, viajavam, muitos deles, em porão de navio, na terceira classe, clandestinos, escondidos, para chegar à Europa, para depois, com muita dificuldade, chegar a Moscou. As viagens eram complicadas.

Então, como já estavam em Moscou, resolveu-se realizar essa 3ª Conferência. E nessa 3ª Conferência discutiu-se a situação no Brasil. E existe uma versão que durante muito tempo foi considerada a versão verdadeira e que é reproduzida, para surpresa minha, nesse verbete. Na época, o comunista peruano Eudocio Ravines, que depois publicou um livro, livro esse de arrependimento, foi um dos muitos daqueles antigos dirigentes comunistas que se arrependeram, que traíram e que, enfim, deixaram de lado e criticaram, não só criticaram como abjuraram de tudo que antes tinham professado. Então, o Ravines é um caso desses, de um traidor do movimento comunista internacional. Escreveu um livro e nesse livro ele relata o seguinte episódio, que depois todos os outros depoimentos e os documentos consultados não confirmam. O quê que dizia o Ravines: que nesses encontros da 3ª Conferência dos Partidos Latinos-Americanos teria havido uma discussão entre o dirigente da Internacional Comunista, o Jorge Dimitroff e o Dimitri Manuwils que também era dirigente da Internacional Comunista. Qual teria sido , segundo Ravines, a discordância. O Dimitroff defenderia as frentes populares que  ainda deveriam ser aprovadas no 7º Congresso da Internacional Comunista e oManuwils que defenderia a insurreição armada e que, então, teria se chegado, segundo esse mesmo autor, a uma solução digamos salomônica nessa (ininteligível.) No Chile, o Partido Comunista levaria adiante uma política de criação da frente única e no Brasil, o Partido Comunista prepararia uma insurreição armada que teriam sido os levantes de novembro de 35. Então, foi essa a versão que ficou durante anos e anos sendo repetida. Só que depois de muito tempo, foi desmentida  não só pelo meu pai, que disse que não era verdade,  como por outros participantes dessa conferência e, principalmente, os documentos. Hoje, esses documentos dessa 3ª conferência estão abertos não só em Moscou como, inclusive, o PPS aí....o Senador Roberto Freire conseguiu cópia, que está na UNICAMP, dessa documentação. Uma parte dessa documentação da Internacional Comunista que foi microfilmada e os microfilmes estão lá na UNICAMP. Quem quiser pode consultar. Muita gente consulta a documentação e a gente vê que não houve nada disso! E nem houve diretivas nesse sentido! O que estava acontecendo realmente era uma tendência da Internacional Comunista e dos partidos comunistas que fazem parte dela, cada vez mais, empenharem-se na formação de frentes únicas antiimperialistas (Falha na gravação.) ...em que ele foi processado e teve uma atuação brilhante e acabou tendo que ser libertado (Falha na gravação.), ...ele vai se empenhar de forma assídua, na Internacional Comunista, com essa política de frente única. Então, isso é que predomina nas gestões da 3ª Conferência e os dirigentes comunistas do  PCB que participaram dessa Conferência, quando voltaram para o Brasil voltaram com esta orientação e não com a orientação de desencadear uma luta armada no Brasil. E naquela época, na cabeça de todo comunista no mundo inteiro achava-se que toda luta pelo poder tem que ser armada.Então, isto estava presente na cabeça de todo mundo! Era uma contradição, sabe? Frente única e luta armada. Se a gente vê os documentos da Aliança Nacional Libertadora é interessante como está muito presente! A própria Aliança Nacional Libertadora não incluía a luta armada, ao contrário, achava que o caminho seria ter...não era para conquistar o comunismo, não! Era para conquistar um governo nacional, popular, revolucionário, enfim, um governo de caráter democrático e antiimperialista, que não era socialista. Poderia depois, no futuro, tornar-se socialista na perspectiva dos comunistas. Então, a perspectiva era essa! (Falha na gravação.) ....se a gente pega o livro de (ininteligível), pesquisador respeitado,ele não testa esta tese! Se a gente pega Marli Viana, com toda uma pesquisa sobre os acontecimentos de 35,  também contesta esta tese! A minha pesquisa também, não é! E não estou falando do principal, dos documentos que nos mostram que esta tese não é mais aceitável! Entretanto está lá no verbete do CPDOC. Enfim, uma série de outros fatos, termos impróprios utilizados....uma coisa inaceitável, algo inaceitável quando refere-se a minha mãe, Olga Benário, dizendo que ela faleceu na câmara de gás, quer dizer, isso não é termo que se usa, não é! Ninguém falece na câmara de gás, é assassinado na câmara de gás, no entanto, está lá. Quem quiser pode consultar. O uso dessa palavra, desse termo para se referir ao assassinato de Olga Benário Prestes. Enfim, o que eu queria era aproveitar esse espaço que tão gentilmente vocês estão me concedendo para (Falha na gravação) contra o perigo da leitura, vamos ler, mas é necessário ler com espírito crítico. Inclusive no verbete de Luís Carlos Prestes, como uma instituição como o CPDOC procura distorcer  (Falha na gravação) ...porque não é por falta de conhecimento. Podia até ser falta de conhecimento, mas, digamos assim, o espírito do verbete é no sentido de denegrir, de diminuir a imagem de Luís Carlos Prestes. Então, isso eu acho que é profundamente negativo numa obra que se pretende científica, se pretende feita por historiadores de peso.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Odiálogo do Juraci para Prestes no Senado......

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Agora vamos para 46 no Senado Federal (Falha na gravação) que se reportava aos episódios anteriores! Esse episódio não começou no Senado. É diferente! Houve uma sabatina, se não me engano, na ABI. O Prestes estava em uma conferência sendo sabatinado – naquela época usava-se só esse termo, sabatina. Hoje em dia até não se usa, não é? Usa-se palestra, conferência. Naquela época era uma sabatina na ABI. E um dos presentes fez essa pergunta a ele: No caso de uma guerra imperialista contra a União Soviética, que posição o Partido Comunista assumiria? De que lado ficaria?

A SRA. LÍGIA PRESTES (Interrompe para dizer:) “A pergunta foi: numa guerra contra a União Soviética, em geral, ......”

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Ah! Tem razão. Exatamente. Ela tem muito boa  memória, melhor do que a minha! Exato. Isso, inclusive.... existe documentação também a respeito disso. Mas, enfim, a resposta dele nessa ocasião, na sabatina, foi exatamente esta: uma guerra contra a União Soviética neste contexto de hoje só pode ser uma guerra imperialista, e se tratando de uma guerra imperialista os comunistas brasileiros vão agir da mesma maneira que os guerrilheiros da França, (Falha na gravação) …..os italianos, na Itália, vão levantar  armas contra o seu próprio governo. Vão se levantar em armas contra o seu próprio governo. Esta foi a resposta dele. Só pode ser essa a atitude dos comunistas brasileiros! (Falha na gravação)......transformar a guerra imperialista em uma guerra revolucionária. Era isso! (Falha na gravação).... Isso aí dava-se em um contexto limite de preparação para a guerra fria...(Falha na gravação)....cassava o registro do Partido Comunista. No Senado, então ele era Senador, dias depois – não me lembro quantos – poucos dias depois, um dia ou dois -  ele discursando no Senado, foi abordado, então, pelo Juraci Magalhães com esta pergunta e, novamente, ele deu a mesma resposta: de que uma guerra contra a União soviética é uma guerra imperialista e nós comunistas brasileiros vamos lutar contra o governo que resolver aderir a  (Falha na gravação), se o Brasil colocar-se com os Estados Unidos numa guerra (Falha na gravação). Esta é que é a resposta e isto está no discurso do Senado e do livro dele que foi publicado neste período, em 1947, (Falha na gravação)...e deve estar nos anais do Senado.

(Falha na gravação).

 ...portanto, direitos democráticos, que foram previstos alguns na Constituição, e muitos não foram regulamentados, como foi o caso (ininteligível.) Então, os comunistas (ininteligível) extremamente hostil, maioria esmagadora dessa assembléia constituinte reacionária, extremamente contrária a qualquer proposta comunista, (ininteligível) atuante.

            O Milton Caires de Brito, que era um dos Deputados comunistas, fazia parte da Comissão (ininteligível) de.....que agora tem o nome (ininteligível). Foi muito antes (ininteligível) tinha o apoio da fina flor da intelectualidade brasileira da época. Era o Caio Júnior, eram outros intelectuais (ininteligível), que eram...... da bancada comunista (ininteligível) para a elaboração....... (ininteligível) extremamente (ininteligível) de projetos importantes.

            E os discursos que o Prestes (ininteligível) são tão (ininteligível) quantidade enorme de discursos que bateram (ininteligível) (ininteligível) da terra (ininteligível) brasileiro.

            (Ininteligível), ele e os Deputados comunistas, porque (ininteligível) a grande maioria dos Deputados (ininteligível) (ininteligível) foi a prova, não é, eles (ininteligível) foi aparteado pelo Aliomar Baleeiro, (ininteligível) se era Deputado ou Senador; acho que era Deputado. Aliomar Baleeiro, ele mesmo latifundiário, ele (ininteligível) V.Exa. está (ininteligível) todos somos (ininteligível) ou filhos ou genros de (ininteligível) perdendo teu tempo.

            Então, quer dizer, o ambiente era extremamente desfavorável. Tendo sido uma boa parte das propostas (ininteligível) os comunistas contribuíram para (ininteligível) alguns (ininteligível) democráticos, inclusive o direito de greve. (ininteligível) conseguiu (ininteligível).

            Agora, no Senado, (ininteligível) Senador comunista (ininteligível) quantidade (ininteligível.) Os companheiros do partido (ininteligível) eu me lembro que (ininteligível) alguns desses companheiros (ininteligível) inclusive, que tinha carro (ininteligível) alguns inclusive (ininteligível) ficavam na bancada de Jorge (ininteligível) segurança do Prestes, não é.

            (Ininteligível) que houve (ininteligível) que a agressividade era tão grande que (ininteligível) a perna, porque (ininteligível) da bancada, (ininteligível) honra. Aí, já é o Senado. Para se atirar em cima (ininteligível), porque eles estavam vendo a hora (ininteligível) e fisicamente.

            (Ininteligível) ódio, ainda existe alguma (ininteligível) (ininteligível) desse discurso que foi (ininteligível) o tamanho (ininteligível) na mesa (ininteligível) que quebrou inclusive a mão. Era um ambiente de extrema hostilidade.

            Mas os comunistas (ininteligível) o dia que foi (ininteligível) o Prestes não (ininteligível) quando o partido achou (ininteligível) e a segurança para ele comparecer. (Ininteligível) nada (ininteligível) os Deputados todos compareceram e fizeram o maior barulho lá. O Gregório mesmo fez um discurso nessa ocasião. Tem uma foto, inclusive, ele todo (ininteligível) protestando (ininteligível) ...até o último dia, contra aquela medida arbitrária (ininteligível) (ininteligível) estavam ali participando (ininteligível) brasileira.

            (Ininteligível) falei (ininteligível.)

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - (Ininteligível) do (ininteligível) do Brasil, (ininteligível).

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - (Ininteligível) teve muito (ininteligível) nos meus livros (ininteligível) os erros. Mas eu preferi (ininteligível), porque os erros, muita gente fala nos erros.

            (Ininteligível) eu falei (ininteligível), aqui.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - (Ininteligível). Agora, em (ininteligível) (ininteligível) uma questão (ininteligível) Congresso (ininteligível.)

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - (Ininteligível) o XX Congresso (ininteligível)

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - (Ininteligível) comunista (ininteligível)? Então, eu queria que a senhora comentasse esses dois...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - A questão de 1956? É, 1956. O XX Congresso teve uma repercussão mundial — não foi só no Brasil — e deflagrou uma crise. Foi uma crise muito grave no PCUS, partido da União Soviética, que contagiou o movimento comunista internacional, e seria muito longo falar sobre isso.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora estava na União Soviética nesse tempo?

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Estava. Eu era estudante lá, na escola secundária, nesse período de 1956. Eu voltei em 1957; no final de 1957, nós voltamos, eu e a Lígia. Foi um momento muito difícil na vida do partido, sem dúvida nenhuma. Foi uma crise grave. Não dá para analisar isso em poucas palavras. O resultado dessa crise foi a famosa declaração de março de 1958, quando se conseguiu um certo acordo na direção do Partido e se partiu ... Se antes se tinha uma tática bastante esquerdista, caiu-se numa tática bastante direitista.

Na minha opinião, inclusive já escrevi há muito tempo um artigo sobre a política dos comunistas brasileiros, do partido, houve sempre uma estratégia política, a estratégia da chamada revolução nacional e democrática, ou seja, agrária e antiimperialista, que está presente na vida do partido desde os anos de 1928/1929, e fruto da orientação do VI Congresso da Internacional Comunista, uma orientação que pecava por uma série de erros, que não correspondia à realidade brasileira — aquela história de importação de modelo de que já falei. E uma orientação geral, uma estratégia, com erros, leva a que nas táticas também se cometam erros.

Se analisamos, se estudamos história do Partido Comunista no Brasil, verificamos viradas táticas — ora vai para a esquerda, ora vai para a direita. Dentro dessa orientação política, que acaba sendo errada, porque ela não via o desenvolvimento capitalista que estava acontecendo no Brasil e prognosticava a luta por um desenvolvimento capitalista, livre, autônomo, algo inteiramente impossível de acontecer, vemos hoje, mas na época as pessoas acreditavam nisso. Quer dizer, é fácil cairmos num anacronismo, querer que as pessoas pensassem como a gente hoje, com outro nível de informações e de conhecimento, pode pensar.

Então, esses erros na tática foram frequentes na política do partido ...

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Neste caso, pela primeira vez a liderança do Luiz Carlos Prestes foi contestada. Houve uma ...

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, já houve outras contestações anteriores; não foi só nessa ocasião que foi contestada. Mas, nesse momento, na realidade, o partido ainda se uniu em torno da figura do Prestes e em torno da declaração de março de 1958, que, como eu já disse, acabou sendo uma guinada do esquerdismo para o direitismo, digamos assim, simplificando um pouco.

Esta orientação política de 1958 conseguiu unificar o Partido, e alguns elementos que ficaram contra, ficaram bastante isolados. Ou saíram ou ficaram isolados, como foi o caso do João Amazonas, do Arruda, que estavam muito comprometidos com os erros anteriores, estavam extremamente comprometidos. Então, exatamente por isso ficaram numa situação muito difícil e não quiseram fazer autocrítica, não quiseram rever aquelas posições, coisa que o Prestes fez — o Prestes reviu as suas posições. Eles não estavam a fim e acabaram não ficando no Comitê Central, sendo excluídos do Comitê Central; depois, eles mesmos encontraram pretexto para romper, porque, na realidade, já estavam muito sob a influência das idéias do Partido Comunista da China. Então, encontraram o pretexto naquela mudança do nome, que era uma coisa apenas para conseguir o registro do partido. O Tribunal Eleitoral alegava que o Partido Comunista do Brasil significava que o partido estava submetido a um partido no exterior, a União Soviética, no caso. Então, para escapar desse pretexto, mudou-se o nome para Partido Comunista Brasileiro, porque, aí, era aceitável pelo Tribunal Eleitoral. E o grupo do Amazonas, Arruda, Grabois, que tinha saído já da direção do Partido, não tinha sido eleito, inclusive no V Congresso, realizado em 1960, eles não foram reeleitos, encontraram esse pretexto para justificar a formação do PCdoB. Na realidade, o que eles estavam era aderindo às posições chinesas, que foi a grande discussão, a grande divergência no movimento comunista internacional: as posições da União Soviética e as posições da China, houve quem se colocou de um lado ou do outro; depois, eles evoluíram para a Albânia; deixaram a China e foram para a Albânia. Isso foi em 1956.

            Depois, 1964. 1964 foi um dos grandes erros de avaliação do partido e da Esquerda em geral. Mais uma vez, superestimava-se as forças; mais uma vez, acreditava-se no golpe de Esquerda, acreditava-se no dispositivo militar do Jango; que, se a Direita tentasse um golpe, o dispositivo militar do Jango, com o apoio de todasas Esquerdas, conseguiria controlar a situação. A realidade era outra. Realmente, foi uma derrota muito séria, sem dúvida. Foi uma derrota muito séria.

            Agora, dentro daquela visão que se tinha, e aí eu já sou contemporânea dos acontecimentos; eu participava da direção do movimento estudantil, realmente, acreditávamos — não era só o Prestes que acreditava, todo mundo acreditava — que havia condições de barrar a Direita. Sem dúvida, havia um crescimento muito grande do movimento popular. Isso é indiscutível. Quem viveu aquela época lembra disso: havia um crescimento muito grande. A luta pelas reformas de base congregava, aglutinava muita gente, setores muito amplos.

            O que acontece é que não havia organização para conseguir impedir o golpe. E a Direita — isso não se soube na época, não se viu, deixou-se escapar; enfim, não se percebeu — estava se organizando. O IBAD/IPES que foram criados; a Direita e os grandes monopólios nacionais e internacionais articularam-se com o setor de direita do Exército e deram o golpe.

            Naquele momento, resistir seria suicídio realmente, porque não existia nada organizado. O único que teria condições de realmente resistir era o Jango. O Jango como Presidente da República, como Chefe Supremo das Forças Armadas, se ele convocasse, acho que teria sido possível começar uma resistência no Rio Grande do Sul, onde o Brizola o apoiava e para onde muitos de nós iríamos. Aí, provavelmente, iria desencadear-se uma guerra civil, da qual não sei quem seria o vitorioso. Acho que os americanos iriam intervir aqui no Brasil.

            De qualquer maneira, sem o Jango, não dava. Nas vésperas do golpe, a direção do partido e o Prestes falaram com o Jango nesse sentido, de resistir. Mas o Jango não estava a fim disso.

            Pois não.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - O que a senhora achou da resistência armada ao regime militar?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Ah! dos elementos chamados de “esquerdinhas” ou esquerdistas? Olha, na época, eu fui contra...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Os militares dizem que eles queriam ficar 4, 6 anos, no máximo, para dar o...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Hum, hum... É, isso é o que eles diziam...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - ... (ininteligível) ...  e que o advento da luta armada...

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Hum, hum... é que eles ficaram mais tempo...

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - ... exatamente, o que os obrigou a... A senhora concorda com esse tipo de tese?

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, não concordo, não concordo. Agora, essa luta dos grupos armados... Quer dizer, a Esquerda esfacelou-se bastante naquele período, inclusive setores do Partido Comunista saíram do partido e foram para a luta armada, inclusive alguns dirigentes, como Apolônio deCarvalho, Jacob Gorender, vários deles, o Marighella, talvez seja o mais famoso.

            Na época, eu discordei, eu fiquei no partido, achava esse caminho errado e hoje também discordo. Acho que não havia condições.

            Não é que eu seja, em princípio, contra a luta armada. Acho que, em determinadas ocasiões, é a solução. Mas, naquele momento, não havia condições no Brasil para levar adiante uma luta armada contra aquele regime militar. E a prática eu acho que revelou isso.

            Na realidade, eles foram dizimados, lamentavelmente. Muitos quadros de valor, muita gente valorosa, a começar pelo Marighella, muita gente de coragem, muitos revolucionários honestos foram liquidados fisicamente naquela luta. E isso, sem dúvida, deu pretexto para a repressão. Mas, como sempre, pretexto, porque a repressão já era grande.

            Eu não acredito, não concordo em dizer que foram essas tentativas de luta armada, que geralmente não passaram de tentativas, foram rapidamente desbaratadas, tenham levado a que a repressão se tornasse muito maior. A repressão foi necessária para liquidar aquele crescente movimento popular que existia no Brasil — o movimento sindical importante, o movimento estudantil, o movimento camponês, que estava crescendo, que estava num nível de organização que impedia a continuidade da política que tinha sido implantada com o golpe de 64, ou seja, uma política de favorecimento do grande capital nacional e internacional.

            Para poder levar à frente essa política, era necessário arrocho salarial, eram necessárias uma série de reformas na economia que, com democracia, não dava para fazer, porque havia uma resistência muito forte. Então, era necessário ditadura e repressão para poder implementar essas políticas. E foi o que foi feito.      

Agora, esses grupos de ultraesquerda, digamos, deram pretextos, ajudaram nesse sentido, criaram clima favorável à repressão, que foi exagerado, porque, na realidade, eles não tinham força nenhuma, grande parte deles. A maior parte desses grupos de Esquerda, mesmo o movimento do Araguaia, do PCdo B, era muito fraco. Tanto que foi dizimado com bastante rapidez. Os outros então, geralmente eram rapidamente liquidados. Foi um verdadeiro morticínio. Quer dizer, não tinham estrutura, não tinham condições. Entrou em moda. E, aí, era outro modelo, era o modelo cubano mas, mal aplicado, o chamado "foquismo" do Régis Debret, cujo livro foi muito difundido naquela época, nos anos 67/68, algo que empolgou os jovens — a grande maioria era jovem — e os levou a partir para uma luta sem futuro, um verdadeiro suicídio. Os setores operários, setores do campesinato no Brasil, trabalhadores rurais não estavam preparados para esse tipo de luta, não aceitavam aquilo. E sem apoio, não é! Por que o Fidel foi vitorioso em Cuba? Porque teve apoio popular. Sem isso não seria vitoriosa a revolução em Cuba. No dia em que o Fidel com os guerrilheiros desceram da Sierra Maestra e tomaram as cidades de Cuba, inclusive Havana, havia uma grande greve. A greve geral paralisou. O movimento operário parou, com o apoio e a participação do Partido Comunista. Havia entrosamento e participação popular nessa luta.

            No Brasil, não havia isso. Os setores populares não estavam sensibilizados para lutar contra a ditadura nesse nível. Pouco a pouco, muita gente, inclusive a classe média, que apoiou o golpe, começou a se desiludir e a procurar o caminho eleitoral, que foi a política do Partido Comunista — nesse sentido, eu acho que correta —, a política de tentar aglutinar setores democráticos na luta contra a ditadura.

            Por outro lado, acho que o partido cometeu erros, e não só em 1964, por não ter percebido a articulação da reação e não ter-se preparado devidamente para isso, como depois de 1964 também, por ter ilusões democráticas muito grandes, por achar que só por meio da aliança com forças parlamentares, com alguns grupos de militares de oposição, seria possível fazer avançar o processo democrático no Brasil.

            Isso criou clima propício — principalmente o golpe de 1964, a derrota de 1964 — para que jovens mais afoitos, mais dispostos à luta ingressassem nesse caminho armado, que foi um erro. Acho que houve erro das duas partes: houve erro nosso, do pessoal do PCB mas houve erro também do pessoal que foi para a chamada ultraesquerda.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - A senhora nos disse que, em torno de 1990, seu pai e a senhora saíram....

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Não, em 1980!

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Em 1980, desculpe-me....saíram do partido. Qual era a posição de Luiz Carlos Prestes no fim da vida? Qual era visão que ele tinha do Brasil e do movimento comunista aqui no Brasil?

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Olha, ele era uma pessoa por definição otimista. Então, apesar de todos os problemas, apesar de ele, evidentemente, sofrer bastante com a decadência do Partido Comunista, que acabou em PPS, ele acreditava que o povo brasileiro, os trabalhadores, o movimento operário, os trabalhadores rurais, movidos pela própria situação, pela própria miséria, pelas próprias condições de vida, encontrariam o caminho da organização, da luta e se aproximariam do marxismo, novas lideranças seriam geradas e que o socialismo seria vitorioso no Brasil.

            Esses últimos 10 anos da vida dele  — ele chegou no final de 1979 e morreu no início de 1990 —, ele se dedicou a viajar pelo Brasil, a todos os lugares para os quais era convidado ele ia para expor suas idéias, tentar mostrar a necessidade de se organizar, de não abandonar os ideais socialistas, de estudar a realidade brasileira para encontrar o caminho da revolução brasileira. Quer dizer, ele dedicou os últimos 10 anos da sua vida a esse objetivo, sempre com muita garra e com muito entusiasmo, tentando sempre apoiar aqueles candidatos às eleições que ele achava que tinha mais condições de contribuir para que o movimento popular e o movimento democrático avançasse, às vezes sofrendo decepções. Mas ele nunca se entregava à decepção, à desilusão. É outra coisa que há de errada no verbete do CPDOC, de que ele teria morrido desiludido. Nada disso. Ele era uma pessoa com muita garra, muito entusiasmo, sabe? tinha sofrido golpes muito fortes durante a vida e, como ele mesmo dizia, já tinha a casca grossa, né! Ele sempre saía otimista, indo em frente, procurando novos caminhos, tinha capacidade... Umas das acusações ou críticas feitas ao Prestes é que ele seria incapaz de mudar, seria de uma rigidez, seria de uma inflexibilidade, o que é de injustiça clamorosa. Ele era pessoa que facilmente, inclusive eu muitas vezes pude ver isso, mudava de posição, se convencido. Quer dizer, ele não tinha nenhum problema de, uma vez convencido de que a posição anterior era errada, ele abandonar aquela posição e partir para uma nova, como ocorreu em 2 momentos cruciais na vida dele em que mudou radicalmente: um, 1930, conforme já falei aqui; outro, foi em 1980, quando rompeu com o Partido Comunista, já com mais de 80 anos de vida, Secretário-Geral há muitos anos. E rompeu em uma situação muito difícil, em que ficou efetivamente sem recursos até para sobreviver. A sobrevivência dele foi assegurada como? Oscar Niemeyer deu-lhe um apartamento; os amigos compraram um carro; uma das irmãs dele, com a colaboração de vários amigos, faziam uma coleta mensal para ele poder sobreviver e sustentar-se. Mas nada disso impediu que ele rompesse na hora em que se convenceu que aquele Partido Comunista tinha, como ele costumava dizer, traído os interesses da classe operária, não era mais um partido revolucionário. Então, não ia mais compactuar com aquela situação, e nada o deteve. Ele rompeu sem medir as conseqüências.

            Então, era uma pessoa que tinha uma capacidade de mudança enorme. Com 82 anos de vida, tomar uma atitude dessas é uma coisa meio rara.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Como ele e a senhora viram a derrocada dos regimes do socialismo real no Leste da Europa, a queda do Muro de Berlim...

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - A queda do Muro de Berlim já foi posterior ao falecimento dele.

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - Foi posterior.

            O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) – Ah! Sim, sim.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Ele se entusiasmou muito com Gorbachev e com as reformas. Ele tinha morado na União Soviética vários anos e tinha muitas críticas ao que lá acontecia. Achava que mudanças importantes teriam que ser feitas. Na medida em que Gobarchev subiu, escreveu e disse que ia realizar uma série de reformas, ele se entusiasmou bastante com essa ideia. Agora, nem sempre as coisas acontecem como se pretende. É difícil, inclusive, hoje ainda, ter conhecimento mais profundo dos acontecimentos na União Soviética.

O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - A senhora acredita ainda no comunismo naquela forma concebida por Lenin e Stalin, da coletivização dos meios de produção, o Estado Soviético?

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Acho que as formas serão provavelmente outras. Agora que vai ter de haver algum Estado eu acho inevitável, porque a única maneira é um Estado entendido como um período de transição — a longo prazo, a tese marxista é a da extinção do Estado. Mas, enquanto existir mundo capitalista, como construir o socialismo num país sem Estado? Impossível. Está aí o exemplo de Cuba. Se não se tem um Estado, com forças armadas, com defesa, esse regime será rapidamente esmagado pelo capitalismo. Agora, na medida em que o capitalismo for derrotado no mundo inteiro e em que o socialismo expandir-se, é possível que chegue o momento em que não se precise mais de Estado. Essas são hipóteses teóricas. Eu acho que a prática revela, às vezes, muito mais do que a teoria.

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) - E o Brasil, como a senhora vê o futuro desse País, a senhora que traz no sangue essa história vivida tão intensamente?

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Eu concordo muito com o que meu pai dizia sempre, em seus últimos anos de vida, que há carência de lideranças — não só ele dizia, mas a gente vê essa carência de lideranças populares, de lideranças revolucionárias —, mas que elas surgiriam. Ele tinha confiança muito grande de que essas lideranças surgiriam da luta. Quer dizer, o povo não vai se deixar matar de fome, não é! Diante da opressão, novas lutas surgirão, como estão surgindo: Temos o Movimento dos Sem Terra e diversas lutas estão acontecendo. A partir dessas lutas, dizia ele, é que vão surgir as novas lideranças, que só vão conseguir realmente encontrar um caminho que garanta o avanço do processo de emancipação do povo brasileiro se marcharem para o marxismo, se, de alguma forma, chegarem perto do marxismo, se assimilarem as principais teses do marxismo, não de uma forma dogmática, mas de uma forma criativa. E eu acho que é isso que a gente está vendo. O Movimento Sem Terra, em certa medida, revela isso. Quer dizer, os sem-terra ficaram numa situação tão crucial, sem terra mesmo, sem ter onde cair morto, digamos, que nas suas lutas geraram lideranças interessantes. E essas lideranças têm evoluído num caminho que se aproxima de uma análise marxista. Se lemos os discursos, as declarações de algumas lideranças do Movimento Sem Terra, vemos isso! Ou é coincidência ou é realmente estudo, mas uma série de teses que marcham nessa direção. Agora, a luta é longa, é difícil, não vai ser rápida não. E, depois, temos uma tradição de derrotas, a história do povo brasileiro é uma história de muita repressão e de muitas derrotas. Então, isso pesa, e pesa muito.

Mas acho que o futuro deve ser visto com otimismo, apesar de todos os percalços, se avança! E, aí, parece-me que o Movimento Sem Terra talvez seja o melhor e o maior sintoma desse avanço.

O quanto os comunistas no passado se bateram no sentido de organizar os trabalhadores rurais?! Era muito difícil, não conseguiam. Não conseguiam porque não havia condições, por um lado, porque a orientação política não correspondia aos anseios desses trabalhadores. Uma série de fatores que fazia a coisa não dar certo. Entretanto, hoje vemos o Movimento Sem Terra já com certo peso, com certa importância, incomodando bastante a classe dominante e os latifundiários, o donos de terra. Então, eu acho que há um caminho que está sendo trilhado.

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Poxa! Falou-se bastante, não é?

(Intervenção fora do microfone. Inaudível.)

            A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Vocês vão fazer um compacto para a TV, não é?

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos)- Vamos fazer.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Quando irá ao ar? não sabem ainda...

 O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Isso demora algum tempo, porque haverá pesquisas...

 A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Demora...ah! sei.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES - Se for possível, me avisem....

            O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Ah! com certeza.

O SR. ENTREVISTADOR (Ana Maria Lopes de Almeida) – Ah! Com certeza e mandaremos uma cópia.

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Ah! Mandam uma cópia? Então tá.

 O SR. ENTREVISTADOR (Tarcísio Holanda) - Eu aviso à senhora também né!

O SR. ENTREVISTADOR (Ivan Santos) – Claro!

A SRA. ANITA LEOCÁDIA PRESTES – Pois é!

Qual foi a participação de Luiz Carlos Prestes?

Prestes participou do levante de 1922 no Rio de Janeiro, conhecido como a revolta dos 18 do Forte de Copacabana, com o objetivo de derrubar Epitácio Pessoa, então presidente, e impedir a posse de Artur Bernardes, devido a cartas, supostamente suas, que foram publicadas em jornais, nas quais atacava o exército e o ...

O que foi a Coluna Prestes e qual era o seu objetivo?

A Coluna Prestes foi um movimento liderado por Luís Carlos Prestes. A ação percorreu o interior do Brasil entre 1925 e 1927 denunciando os desmandos do governo de Artur Bernardes e propondo reformas sociais e políticas.

Qual era o objetivo da coluna?

Esse movimento percorreu o Brasil entre 1925 e 1927, combatendo as tropas do presidente Artur Bernardes. O objetivo central da Coluna Prestes era mobilizar a população do interior do país para lutar contra as injustiças e as desigualdades promovidas pelos governos oligárquicos da Primeira República.