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Paulo Freire e a proposta de uma educação que valoriza a igualdade respeitando as diferençasRelease de Margareth Artur para o Portal de Revistas da USP O filósofo e pedagogo Paulo Freire é o educador brasileiro mais prestigiado e conhecido mundo afora por inovar o ensino com a proposta de aplicação de um método de alfabetização cujo objetivo principal é o de estimular (as)os alun(as)os a refletirem sobre a realidade vivida. A revista Educação e Pesquisa traz o artigo “Paulo Freire e o valor da igualdade em educação”, pondo em pauta o debate sobre sua frase “ninguém é superior a ninguém”, buscando explicar essa afirmação com um enfoque filosófico da palavra “igualdade“, exposta pelo educador como “condição de uma educação libertadora para a qual aceitar e respeitar a diferença“. O que significa igualdade na relação entre quem se dispõe a ensinar e quem se dispõe a aprender? O artigo enfatiza “a importância de educadores e educadoras se colocarem em pé de igualdade e saberem escutar educandos e educandas” com respeito, tolerância, disponibilidade à mudança, e, sobretudo, humildade, “como virtude pedagógica“, segundo Paulo Freire, cujo conceito de igualdade está implícito em sua afirmação “ninguém é superior a ninguém”, uma exigência para uma educação emancipadora. Paulo Freire entendia a igualdade como princípio, como natureza, como realidade e como existência. No texto o autor apresenta também o conceito de um pensador francês muito respeitado, Joseph Jacotot, sobre a questão da emancipação na educação, o qual no século 19 defendeu “a igualdade intelectual dos seres humanos como princípio de uma educação emancipadora, do povo“. Para ele, a emancipação intelectual e individual é baseada no princípio da igualdade das inteligências. Paulo Freire, no entanto, entende a igualdade como emancipação social e como conscientização. Nesse contexto, de acordo com o filósofo francês Jacques Rancière, em O mestre ignorante, Freire e Jacotot estavam preocupados com o compromisso político, com a “emancipação/libertação do povo“, a favor de uma pedagogia “a favor dos excluídos e excluídas“. No que se refere às diferenças, Jacotot afirma que a igualdade é impossível de ser institucionalizada ou propagada como forma de emancipação social, ao contrário de Freire que afirma ser importante não nos esquecermos da igualdade como condição social necessária da diferença. A igualdade precisa estar na vida, dentro e fora da escola, pois o educador ensina, mas também aprende com os alunos. Paulo Freire defende um “saber libertador“que reflita a realidade do(a) aluno(a), no respeito às experiências e realidades diferentes de cada um. A igualdade é parte de “uma prática educacional como seu princípio político é uma condição para que as diferenças sejam enriquecedoras e não aniquiladoras“, o que determina a verdadeira contribuição da educação, conclui o artigo. ____________________________________________________ Artigo KOHAN, W. Paulo Freire e o valor da igualdade em educação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 45, n. e201600, p. 1-19, 2019. ISSN: 10.1590. DOI: https://doi.org/10.1590/s1678-4634201945201600. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ep/article/view/157832. Acesso em: 18 maio 2019. Contato Walter Omar Kohan – Professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e cientista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). e-mail: Miguel Arroyo A educação no Brasil está num momento muito rico hoje. Entretanto, a educação popular foi por muito tempo marginalizada pela escola oficial. É um movimento que começa no final da década de 50, se estende pela de 60 e nunca foi esquecida fora da escola (movimentos de Igreja, educação de jovens e adultos, movimentos sociais urbanos e rurais). Ou seja: há uma história de Educação Popular. Não estamos começando do zero. Assim como temos uma herança de luta neste país, temos também uma herança cultural, uma verdadeira pedagogia de luta, transformação, libertação. Paulo Freire é símbolo disso tudo. Faz parte desse movimento histórico-educativo. Toda a América Latina considera-o um dos nomes mais importantes e renovadores na área de educação nos últimos 50 anos. Cuja tarefa pedagógica tem a ver com o título deste encontro: “Formar para Transformar”. Só é possível entender Paulo Freire dentro deste contexto histórico. No período que vai dos fins de 50/pré-64, Paulo foi o único pedagogo que soube captar aquele momento. Teve uma intuição da dimensão pedagógica daquele momento (isto é que é ser pedagogo). Ele sempre tinha muito a aprender, escutar, dialogar. Redescobrí-lo na prática atual é a única forma de não esquecer sua prática, seu pensamento. Paulo não gostava de ser lembrado como mito, mas como um educador concreto, histórico. Se queremos ser educadores neste momento histórico brasileiro, precisamos captar a sua dimensão pedagógica. Temos que aprender com as experiências concretas. Lembro-me que, pouco antes de morrer, Paulo Freire nos chamou para um seminário onde exporíamos a experiência da Escola Plural (BH), da Escola Cidadã (P.Alegre) e as experiências que estavam sendo desenvolvidas em Brasília. Ele, sentado na primeira fila, anotava tudo. Paulo sempre achou que tinha muito a aprender; sempre respeitava o trabalho dos outros. Sempre chamava outros educadores para dialogar, nunca para dizer isto está certo, isto está errado. Pensando na tarefa que me foi dada, falar sobre “Paulo Freire e a Construção do Projeto Popular para o Brasil”, organizei minha exposição em 9 pontos:
Paulo foi na contra-mão do tecnicismo, do que vinha acontecendo na área de educação. Ele não admitia educação como método ou técnica neutra. Ele nega esta neutralidade. Para ele, educação é ato político. Temos que construir uma nova cultura pedagógica que reinterprete o povo brasileiro. A cultura política do Brasil há 500 anos foi sempre fazer da educação uma grande bandeira, mas sempre a deixou reduzida. Para os dominantes, o povo é analfabeto, é ignorante, é bárbaro; e a educação viria então para resolver estes “problemas”. Esta cultura política dominante invadiu a cultura pedagógica. Uma prova concreta de que esta cultura ainda permanece foi uma reportagem que saiu outro dia a respeito da regulamentação de venda de armas. Estas só deveriam ser vendidas para pessoas instruídas, informadas que vão saber usá-las e não para o povo ignorante, bárbaro, perigoso. Esta é a idéia que está posta na sociedade. Paulo Freire sempre se contrapôs a esta cultura política e pedagógica; a esta idéia de educação do bárbaro para “conter” a violência (educação para domá-los, assim como se faz com os cavalos). Isto não é educação, é adestramento. E muitos professores pensam assim: o povo carente é ignorante, sem cultura, sem educação, não tem valores, são bárbaros, são perigosos. O problema da miséria está em tornar o povo violento, por isso ela incomoda; não pelo que há de desumano nela própria, mas pelas suas conseqüências. Isto já era pregado por Adam Smith, o pai do liberalismo no mundo: o povo precisa ser educado, caso contrário ele representa perigo. É a idéia de Estado tutelando o povo através da educação. Paulo Freire se contrapõe a esta cultura elitista sobre o povo. Amargou 16 anos no exílio porque ousava dizer como vocês “viva o povo brasileiro”. Ele tinha uma visão positiva do povo e isto era e é subversivo, perigoso para a classe dominante. Aquela idéia arraigada nos contamina. A esquerda fala em educar para a cidadania consciente. Tem aí uma idéia de que o povo tem falsa consciência ou que ele é “lamentavelmente inconsciente”. Esta é uma forma “progressista” de se aproximar dessa cultura política da direita. Justificamos porque achamos que as pessoas simples estão dominadas pela cultura ideológica dominante. Nossa função de esquerda ilustrada, iluminada, consciente é então mostrar os caminhos para os ignorantes, como se fôssemos donos da verdade. Consciência, em Paulo Freire é algo muito mais totalizante.
Mudamos os conteúdos, mas mantemos a postura. Isto é errado! Trocamos as mentiras da burguesia pelas nossas verdades, nossos “saberes revolucionários”. É por isso que a academia não suporta Paulo Freire, porque ela é símbolo e proprietária dos “conhecimentos historicamente acumulados”. Transmitir conhecimentos científicos é instrução, informação, não educação. Para Paulo Freire, educação é outra coisa. Busquemos em Paulo Freire uma nova concepção de povo, um novo olhar diante dele. Ele reinterpreta radicalmente o povo, o que não é fácil. Por tudo isso Paulo Freire é considerado lá fora (do Brasil), o educador mais importante da segunda metade do século XX.
Ser educador, era o modo de ser de Paulo Freire (não apenas estar professor). Sua figura recuperou essa dimensão permanente da prática educativa. Vão ao povo como gente, sejam vocês mesmos, estejam abertos ao diálogo, aprendam com o povo. Este deve ser o “método” de construção do Projeto Popular para o Brasil. Não leve ao povo uma mensagem, seja essa mensagem. Quais são as conseqüências deste pensamento?
O povo não é desestruturado. Há um tecido social pedagógico-educativo, onde seres humanos se constróem, se destróem, constróem suas identidades, seus valores. Temos que entender os pontos de encontro destas redes, não para destruí-los, mas para reforçá- los, para construirmos o Projeto Popular.
O que fazer então para que o Projeto Popular dê certo?
Por que o MST incomoda tanto? É pelos gestos que ele faz. Isto é pedagógico, não os conteúdos (aprender o ABC na cartilha da liberdade e não o contrário).
Temos que dar dimensão de continuidade histórica ao nosso projeto. Há muito mais positividade no povo brasileiro do que pensamos; a esquerda perdeu uma década falando do neoliberalismo (quando na verdade ele nada tem de liberal, mas sim do que existe de mais retrógrado na sociedade) e não buscou no povo o que há de positivo em suas lutas pela sobrevivência. Há muitas possibilidades no povo, nós é que não sabemos enxergar. Nos preocupamos mais em ver as negativades da elite e esquecemos de ver as positividades do povo. Pra que educar? Exigem 2º grau para varrer rua. Este é o projeto do mercado. Enquanto as políticas educacionais do MEC distraem os professores dos problemas fundamentais, os Movimentos Sociais colocam a educação vinculada às grandes questões, às lutas populares. Aquele é o projeto do mercado, este é o projeto popular. O projeto pedagógico popular têm que descobrir o tecido social educativo, onde as gerações aprendem umas com as outras. O povo tem projeto de futuro para si, para seus filhos. É preciso dialogar com ele, descobrir seus sonhos. Ele tem memória. Quem são seus contadores de história? O povo comemora, celebra a memória coletiva. Todo projeto educativo tem que ser um projeto de humanização; isto implica reconhecer a desumanização, ainda que seja uma dolorosa constatação. Juntar os cacos triturados pela injustiça, fome, provocadas pela brutalidade do capitalismo. Buscar a viabilização da sua humanização no contexto real, concreto, do Brasil. Este é o desafio do Projeto Popular: RECUPERAR A HUMANIDADE ROUBADA DO POVO. RESPOSTAS AOS BLOCOS DE QUESTÕES LEVANTADOS PELAS BRIGADAS
[1] Miguel Arroyo, “mineiro da Espanha” (está há 40 anos no Brasil) é professor aposentado da UFMG/Faculdade de Educação; foi Secretário de Educação Adjunto do Governo Patrus em Belo Horizonte de 93 a 96, quando desenvolveu na rede municipal a proposta de Escola Plural; presta assessoria a projetos de educação aos governos populares; acompanha de perto o Setor de Educação do MST; tem muitos livros publicados; assumiu em 1999 a Cátedra Paulo Freire na PUC/SP. [2] Ler “O Tecido da Rede” (ou algo parecido), poema de Carlos Rodrigues Brandão. [3] Ler o livro “Escola é mais que escola na Pedagogia do Movimento Sem Terra”, da Roseli Caldart. Quais são as principais contribuições de Paulo Freire para a educação?Freire é pernambucano e um dos mais respeitados intelectuais de todos os tempos da pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento pedagogia crítica. Criou a Pedagogia do Oprimido, método de alfabetização de adultos implementado no Brasil e em diversos países no exterior.
Qual foi a maior contribuição de Paulo Freire para a educação?Uma das principais contribuições de Paulo Freire é a sua crítica à educação tradicional, conceituada na obra “Pedagogia do Oprimido” como educação bancária.
Qual é a proposta de educação de Paulo Freire?Desenvolvida pelo educador brasileiro Paulo Freire, a proposta pedagógica Freireana utiliza como ponto de partida a linguagem e o diálogo, e se caracteriza por ser dinâmica, que se faz e refaz a partir da interação coletiva (entre professores e estudantes).
Quais são as contribuições das obras e da pedagogia de Paulo Freire para a educação de jovens e adultos?A proposta educacional de Freire tem como concepções metodológicas o respeito ao educando, o diálogo e o desenvolvimento da criticidade. Mas sua pedagogia fundamenta-se sobre dois princípios essenciais: a politicidade e a dialogicidade.
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