Resumo
No Brasil as águas são classificadas de acordo com suas condições ambientais e de saúde e associadas aos diversos usos. Podem ser desde classes especiais, quando não alteradas por atividades humanas, bem como adequadas para abastecimento e outros fins, e até somente usadas para navegação. A Diretiva Quadro da Água Europeia (DQAE), por sua vez, tem como objetivo principal alcançar o bom estado ecológico para os corpos hídricos. O enquadramento de corpos hídricos, como instrumento diretamente ligado com a qualidade e quantidade da água, possui uma certa comodidade na elaboração de diagnósticos, na definição dos parâmetros base e na preparação de cenários. Entretanto, há ainda carência de informações nos processos de concessão de outorgas e licenças ambientais. Este artigo avalia o uso de diretrizes europeia como itens complementares da gestão hídrica brasileira nas formas de enquadramento de corpos hídricos no Brasil. A integração das diretrizes de gestão de recursos hídricos brasileiro e europeu fortalece elos responsáveis da sociedade com os recursos ambientais, com a efetiva aplicação dos princípios de participação comunitária e a proteção ecológica das águas.
Introdução
A água é um bem natural e essencial para a existência e permanência da vida, e com o desenvolvimento das sociedades humanas, é utilizada para diversos fins, e assim considerada como um dos principais recursos ambientais. Com vistas a garantir atendimento aos seus diversos usos e o acesso a todos, as nações aplicam instrumentos de gestão de suas águas para delinear as atividades humanas de forma a garantir a preservação e os níveis da qualidade das águas. Assim, uma boa gestão de recursos hídricos está associada à disponibilização de água de qualidade adequada a determinado uso humano (ANA, 2020).
Por outro lado, o desenvolvimento das sociedades culmina em múltiplas demandas pelos recursos hídricos que, consequentemente, comprometem a disponibilidade adequada da água (PAZ et al., 2000). Nesse sentido, a avaliação da qualidade dos recursos hídricos é de grande importância para a identificação dos ecossistemas mais ameaçados, pois possibilita a aplicação de medidas de proteção mais eficazes (PIO; HENRIQUES, 2000).
Autoras: Claudia Padovesi Fonseca e Rafaela Silva de Faria.
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Um dos países com maior disponibilidade de recursos hídricos do mundo, o Brasil tem problemas com seus indicadores de água. O atendimento da rede de abastecimento foi de 83,5% da população em 2017, em média, segundo os dados mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), do Ministério do Desenvolvimento Regional. Em 2013, esse valor era de 82,5%.
A evolução é considerada pequena pelo presidente-executivo do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos, já que quase 35 milhões de pessoas permanecem sem acesso. Ele explica que, embora esse tenha sido o indicador que mais avançou, os números têm se mantido em níveis similares nos últimos oito anos.
A queda nos investimentos é um dos fatores que explica esse cenário, segundo o especialista. Em 2013, foram investidos R$ 13,2 bilhões. Em 2017, foram R$ 10,96 bilhões.
O acesso à água tratada e à coleta e tratamento de esgoto no país é desigual. As áreas urbanas tendem a ter índices melhores, enquanto áreas irregulares e afastadas são mais prejudicadas. Além de políticas públicas que assegurem o atendimento, que é dificultado pela distribuição desequilibrada da água e da população no território brasileiro, outro imbróglio é a conservação do próprio recurso, que enfrenta desafios.
Falta de saneamento
Um dos maiores vilões da qualidade da água no Brasil é a oferta de saneamento básico. Pouco mais da metade da população brasileira, 52,4%, tinha coleta de esgoto em 2017, e apenas 46% do esgoto total é tratado, de acordo com o SNIS.
Dessa forma, um grande volume de esgoto não coletado ou não tratado é despejado em corpos d'água, provocando problemas ambientais e de saúde. "Essa falta de infraestrutura de saneamento básico tem um impacto brutal na qualidade das águas de todo o país", diz Carlos.
Não só a carência de coleta e de tratamento de esgoto é problemática, mas também a poluição causada por indústrias e pela agricultura, como o lançamento de agrotóxicos.
Desmatamento, em especial no Cerrado
O desmatamento de matas ciliares, que acontece em todas as bacias hidrográficas do Brasil, altera a quantidade e a qualidade dos corpos hídricos. Essa vegetação protege o solo, ajuda na infiltração da água da chuva e na alimentação do lençol freático e permite a recarga dos aquíferos.
Sua retirada aumenta o assoreamento, a perda do solo, a erosão e a taxa de evaporação da água. Segundo José Francisco Gonçalves Júnior, professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), todos esses impactos reunidos podem levar a uma indisponibilidade natural de recursos hídricos.
Em outra frente, o desmatamento do Cerrado, considerado a "caixa d'água do Brasil" por causa de sua posição estratégica na formação de bacias hidrográficas, vem sendo devastado pela expansão da fronteira agrícola. "Qualquer alteração no Cerrado pode levar a uma degradação de inúmeras bacias hidrográficas de extrema relevância para obtenção de recursos hídricos brasileiros", afirma Gonçalves.
Para o professor, o uso do solo do bioma teve um efeito positivo na produtividade agrícola, mas a falta de uma regulação mais firme tem levado a uma superexploração, com vários danos. "Perda de território, de recarga de aquíferos, uma perda muito grande de nascentes e uma degradação e diminuição da disponibilidade de água", enumera.
Desperdício e perdas na distribuição de água
As perdas físicas e comerciais de água são outro grande problema. Elas são causadas por vazamentos nas tubulações, fraudes e erro de leitura nos hidrômetros e ficaram em torno de 38%, em média, em 2017, de acordo com o SNIS. A média em países desenvolvidos é inferior a 20%.
Um estudo conduzido pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria GO Associados revelou que o volume desperdiçado equivale a cerca de sete mil piscinas olímpicas por dia e representa prejuízos da ordem de R$ 10,5 bilhões anuais.
A ineficiência se reflete na tarifa, cria uma demanda artificial de água na natureza para compensar as perdas e traz outras consequências. "Existe também a perda econômica pela tarifa não paga pela água que se perdeu e um problema social porque, em momento de crise, as linhas de distribuição perdem pressão, e as pessoas que moram longe, normalmente as mais pobres, são as primeiras a sofrer com a falta de água", diz Carlos.
Mudanças climáticas
Um agravante para a conservação da água são as mudanças climáticas, que podem provocar alterações no regime de chuvas. Essa é uma das alterações previstas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), assim como uma maior duração dos períodos de secas e com temperaturas mais altas.
As chuvas que se infiltram no solo são as de baixa intensidade e de tempo prolongado, eventos que estão ficando mais raros, segundo o professor da UnB. Quando uma grande quantidade de chuva cai em um pouco tempo, há uma tendência ao escoamento superficial porque o solo atinge sua capacidade de saturação e para de absorver.
"Da perspectiva de recursos hídricos, o grande problema é que não é possível absorver o que a atmosfera devolve para a crosta", diz Gonçalves. Do ponto de vista governamental, ele afirma que os gestores devem se qualificar para lidar com "as novas características que o planeta vem apresentando" e investir em um banco de dados sólidos sobre as bacias hidrográficas e ecossistemas aquáticos.
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