Quais os fatores que auxiliaram na industrialização de São Paulo na primeira metade do século 20?

Introdução

1A principal função da geografia histórica é se debruçar sobre mudanças e permanências geográficas ao longo do tempo e em um determinado recorte espacial (Carneiro, 2013). Pode ser considerado um campo de investigação que atua na interface entre a geografia e a história em busca da caracterização de ambientes geográficos do passado (Carneiro & Matos, 2012). Como método científico, compreende um rol de princípios que se configuram como chave epistemológica de leitura e interpretação da genealogia de processos socioespaciais passados e presentes (Soares, 2013).

2Soares (2013) relaciona alguns marcos orientadores para a realização de estudos legitimamente contextualizados na geografia histórica. Destacam-se os seguintes:

1. os lugares possuem participação irredutível na consecução de resultantes temporais, ou seja, os relacionamentos espaciais, a distribuição territorial dos fenômenos e a forma pela qual os fenômenos se combinam, fazem uma diferença crucial na dinâmica histórica;

2. é preciso voltar a atenção às diferenças, aos limites, às singularidades e aos relacionamentos espaciais, é necessário dar voz à história espacializada para retirar das geografias do passado elementos explicativos de acontecimentos históricos fundamentais;

3. fatos históricos não resultam de necessidades inelutáveis, dependem em boa parte de fatores aleatórios, culturais, psicológicos, políticos e econômicos etc., isto é, a incerteza e as trajetórias inesperadas fazem parte do mundo;

4. causas próximas e causas distantes, horizontalidades (estruturas internas) e verticalidades (estruturas externas), processos de ordem local e processos de ordem vasta articulam-se de forma tensional, e essa tensão relacional entre escalas processuais dá ocasião a espaços estruturais de autonomia, iniciativa, diferenciação e singularidade em face de estruturas escalares mais amplas; assim, a Geohistória, que tem no conhecimento da gênese dos processos sua preocupação primeira, obriga-se necessariamente a examinar a natureza da relação espaço/sociedade na estrutura do devir (Soares, 2013: 52).

3David Harvey é definitivo: “as experiências espaciais e temporais são veículos primários da codificação e reprodução das relações sociais” (2011: 225). A reunião da geografia com a história e a utilização da historicidade como via para a compreensão de objetos e processos sociais é útil à reconstrução das geografias do passado (Silva, 2007; Moraes, 2012; Corrêa, 2016). Sem dúvidas, a reflexão histórica é parte constituinte da geografia humana, ainda que seja preciso admitir, ensina Abreu (2000), a incapacidade de se recuperar todas as evidências do passado. O autor ressalta, no entanto, que tal incapacidade não deve desencorajar os esforços de se aproximar de realidades passadas e de analisar geograficamente seus vestígios, materializados em documentos, objetos, arquitetura e no traçado de estradas, entre outros. Ao citar Le Goff (1990), pondera a necessidade do cuidado com a análise de tais vestígios, principalmente ao se admitir que os objetos mais duráveis e as próprias instituições de memória são, via de regra, criação de classes poderosas, e geralmente preservam lembranças seletivas do passado. Nesse sentido, tais atestados de memória seriam também atestados do poder.

  • 1 Define-se como reestruturações territoriais “as transformações verificadas no espaço geográfico del (...)

4É no contexto da reconstituição do passado que se situa a importância de se expandir o olhar sobre o território de Minas Gerais, unidade geográfica de análise deste estudo. O artigo em tela tem por objetivo apresentar uma narrativa sobre as modernizações que Minas Gerais experimentou desde o século XVIII, sem se prender a aspectos empíricos, tarefa já empreendida em outros trabalhos realizados e que dão suporte a essa narrativa-síntese. Intenciona-se, de maneira específica, evidenciar que o território mineiro passou por importantes mudanças estruturais e modernizadoras desde o século XVIII, as quais denotaram pioneirismo no processo de modernização urbana, reestruturação econômica e territorial.1

5O artigo é dividido em três seções. Na primeira, são examinados – sob a perspectiva da geografia histórica em suas clivagens transdisciplinares – os conceitos e elementos teóricos dos quatro principais fatores a que atribuímos as modernizações e reestruturações mineiras: o território como fator indispensável à compreensão das dinâmicas socioeconômicas; a modernidade e seus fatores de impulsão; as elites; e o fator urbano ou urbano-industrial.

6A segunda seção, denominada "a peculiar trajetória mineira rumo à modernização", traz uma coleção de argumentos, apresentados em ordem cronológica, que demonstram como as reestruturações econômicas e territoriais assistidas em Minas Gerais evidenciam o pioneirismo mineiro nos processos de modernização assistidos no Brasil ao longo de 250 anos. Cabe observar que a literatura sobre o tema é vasta e, por isso, foram selecionadas as principais obras que apontam a concretude do fenômeno descrito.

7A terceira e um última seção do artigo é composta pelas considerações finais, onde são retomados os quatro fatores explicativos enunciados, articulados aos principais argumentos que corroboram a hipótese sobre a modernização e reestruturação econômica mineira.

8Diante desse escopo disciplinar, convém iniciar nossa revisão conceitual pelas questões epistemológicas.

1. Elementos teórico-conceituais

9Os elementos teórico-conceituais serão abordados a seguir em quatro subseções, por sua vez baseadas em quatro conceitos-chave deste artigo – território, modernização, elites e urbanização –, na perspectiva de que são basilares para a compreensão das reestruturações verificadas em Minas Gerais desde 1750.

1.1. O território como fator indispensável à compreensão da dinâmica socioeconômica

10Para Maurício de Abreu (1998), o passado é uma dimensão singular que se materializa na paisagem, que é percebida no cotidiano dos lugares e preservada em instituições, e que acompanha o processo de desenvolvimento da sociedade: é parte do presente e da idealização do futuro. Por pensar assim, ele afirma que qualquer pesquisa sobre o passado deve buscar recuperar não apenas as suas formas materiais, mas também aquilo que não deixou marcas na paisagem e que pode ser reavivado nos acervos das instituições de memória.

11O espaço tem papel relevante no estabelecimento da totalidade, que interfere e repercute na moldagem das relações sociais, na medida em que, por sua conformação física, política e ideológica, define a criação, permanência ou extinção de determinados usos e ocupações (Carneiro, 2013). Reis (2005) e Soares (2013, 2016) apontam que as realidades do espaço possuem incontáveis origens e são frutos de processos de larga escala. Em sua essência, ambos buscam a compreensão de sua capacidade de atração ou repulsão de determinados processos socioespaciais, colocando-o como parte componente das realidades socioeconômicas que se desenvolvem, por excelência, em circunstâncias concretas e diferenciáveis.

  • 2 São muitos os trabalhos que versam sobre a origem e uso da categoria de análise geográfica “territó (...)

12Nesse sentido, apresentam uma sofisticação da ideia de território,2 que deixa de ser mero receptáculo – utensílio descritivo – das relações de dominação e mobilidade (Raffestin, 1993), e passa a ser interpretado como parte orgânica e de natureza ontológica da genealogia dos processos, emprestando a eles caráter de imprevisibilidade e volatilidade. Assim, para Reis (2005),

(..) o que está aqui em causa não é o território como conjunto físico de paisagens materiais, mas o território como expressão e produto das interações que os atores protagonizam. O território, nestas circunstâncias, é proximidade, atores, interações. E é também um elemento crucial da matriz de relações que define a morfologia do poder nas sociedades contemporâneas. (Reis, 2005: 59)

13Reis (2005) não perde de vista que o território é dinâmico, heterogêneo e que circunscreve relações de poder. Mas vai além: identifica-o como elemento definidor da morfologia das relações de poder que, por não serem lineares, requerem atenção e investigação particulares. Soares (2013) sistematiza as concepções de Reis sobre o território em três ideias-chave:

1. os territórios não são a simples expressão da produção de escalas do Estado, do mercado, dos sistemas socioeconômicos mais amplos; não são apenas canais de reprodução de ordens mais vastas. Eles possuem (...) condição própria e lugar específico nas ordens (e nas desordens) societais (Reis, 1995: 3), daí sua materialidade, seu significado ontológico, não são anulados pela produção social das escalas;
2. a relação entre mobilidades e territorializações é muito mais do que uma justaposição de fatores que influenciam as dinâmicas econômicas; é uma tensão que reclama o polimorfismo estrutural, que sugere a existência de espaços estruturais de autonomia e iniciativa, que reafirma a [...] noção de que a incerteza e as trajectórias inesperadas são também parte do mundo. (Reis, 1995: 10); e
3. para entender o poder, é preciso [...] contrapor às visões lineares do poder a ideia de morfologia do poder e ao desenvolvimento funcionalista a noção de polimorfismo social. (Reis, 1995: 18 apud Soares, 2013: 41-42)

14Soares (2013) assevera que as estruturas materiais não são passivas, mas integram o mundo onde se dão as relações e as trocas. Assim, conclui que a epistemologia territorial contribui para o reconhecimento de que o território é detentor de preciosas informações sobre a estruturação e dinâmica das sociedades, suas formas de reprodução e idiossincrasias.

15Em síntese, o território, como categoria de análise espacial, é testemunha e veículo das transformações (Haesbaert, 1990). Ali encontram-se marcas de guerras, monumentos de culto e memória, enfim, signos de permanência e de mudança com múltiplos sentidos e múltiplas possibilidades de vivência. Por isso, a prática geográfica demanda do analista a capacidade de realizar sínteses através de conexões espaciais em diferentes escalas, e exige que tais conexões não se restrinjam ao tempo presente, mas que incorporem a interconexão entre recuperação do passado e a prospecção do futuro (Abreu, 2000).

1.2. Modernidade e fatores de impulsão

16A modernidade como processo histórico, como etapa específica da trajetória histórica, abre-se em diversas dimensões, admite inúmeras caracterizações, periodizações, conceituações. Trata-se de um processo aberto, pluridimensional, polissêmico, com diversas interpretações, tais como técnico-materiais, político ideológicas, religiosas, ético-comportamentais, econômicas ou geográfico-espaciais. Por isso, tem sido a referência essencial de diversas disciplinas e campos teóricos, de variados matizes filosóficos-ideológicos (De Paula, 2000: 15).

17Haesbaert (1990) explica que a modernidade estabelece um movimento permanente de interação e substituição do antigo pelo novo, e marca a vivência conjunta de uma diversidade de transformações em diferentes tempos e intensidades que podem ser confrontadas em múltiplas escalas e contextos espaciais. Segundo Gomes (1996: 48), o fato moderno é marcado pelo “caráter de ruptura, a imposição do novo e a pretensão de alcançar a totalidade”. Seu movimento permanente de negação da tradição e do passado conferem a sensação de progresso regular e consecutivo, que Berman (1986) caracterizará como um modo de experiência vital.

18Na interface com a história, Carvalho (2008) afirma que

Qualquer definição de modernidade ocidental incluirá a ênfase na liberdade do indivíduo, em sua independência do Estado (cidadania) e da Igreja (secularismo), no espírito de iniciativa, no desejo de mudança ou progresso. O ambiente histórico que a gestou e que ela ajudou a gestar foi o do crescimento das cidades pós-medievais, da ciência, da indústria e da sociedade de mercado. (Carvalho, 2008: 25)

19Da modernidade decorre a noção de modernização, que Habermas (2002) associa às ideias de revolução, progresso, emancipação, desenvolvimento, crise, entre outras, que exprimem o incontido desejo por extrair de si mesma sua normatividade, em clara negação a modelos antigos, como forma de se auto afirmar. Segundo Castilho (2011), a modernização incorpora em si tanto transformações nas bases técnicas da produção quanto transformações ideológicas. Expressa-se necessariamente nos lugares e promove conexões.

20Soja (1993) enxerga a modernização como um processo de reestruturação da sociedade decorrente da dinâmica histórica e geográfica dos modos de produção, que se desenvolve no espaço de maneira desigual. Por natureza, é imprevisível tanto em sua gênese quanto em seus resultados, tem intensidade variável, pode implicar reformas ou revoluções, e geralmente desencadeia embates pelo controle do poder sobre as relações de socialização e de produção, manifestando-se nos mais variados contextos e escalas. Parte dos processos de reestruturação são, historicamente, conduzidos por elites econômicas e políticas. Um território – um país, por exemplo – dificilmente experimenta processos de modernização na sua estrutura produtiva sem a participação essencial do Estado.

1.3. O fator elite

21A elite ou as elites de uma região ou país podem ser pensadas como um fator capaz de impulsionar ou retardar processos de modernização. Em momentos históricos nos quais o povo está ausente das lutas sociais, as elites econômicas e políticas são determinantes como agentes de transformação de aparatos produtivos, sobretudo quando ocasionalmente se encontram unidas, perfiladas em objetivos mais ou menos consensuais.

22As primeiras formulações acerca da existência de elites surgiram no século V a. C., a partir de uma crítica elaborada por Sócrates ao observar que, no momento em que homens comuns passaram a dirigir os negócios da cidade, a organização social pela vontade divina teria sido suplantada pelo surgimento da política e da democracia (Holanda, 2011). É a partir daí que, posteriormente, Platão identificaria em certos estratos da sociedade grega indivíduos capazes de serem condutores ideais das decisões políticas no interior da Polis (Saraiva, 2016).

23Segundo Bottomore (1974), o termo “elite”, propriamente, surge na França no século XVII como referência a produtos de alta qualidade. Posteriormente, no século XVIII, foi expandido para designar determinados grupos sociais que exerciam relações de superioridade no seio dos grupos. Ao final do século XIX e início do século XX, alguns pensadores elaboraram reflexões sistêmicas sobre o que denominaram de Teoria das Elites. Formulada inicialmente por Gaetano Mosca nos Elementi di Scienza Política (1896), a teoria foi aprimorada, em ordem cronológica, por Vilfredo Pareto, Robert Michaels e Wright Mills, cujo entendimento fundamental é de que em todas as sociedades havia, minimamente, um grupo de governantes e outro de governados.

24Barnabé (1999) identifica que uma elite é formada por grupos de indivíduos que concentram poderio econômico, político e ideológico, e que compartilham o interesse comum pelo controle do poder local, ainda que, internamente, lidem com contradições (via de regra, há, no bojo dos grupos dominantes, elites e contra elites, definidas pelo momento político em vigor). De maneira complementar, Silva (2004) enumera critérios que são recorrentes na definição das elites, geralmente balizados pela distribuição desigual de bens, ou ainda, pelas diferentes intensidades em que se manifestam determinadas virtudes individuais. Assim, podem ser arrolados a propriedade de terras e riquezas, intelecto, carisma, poder e influência política, aspectos que em maior ou menor proporção seriam capazes de dar coesão às relações estabelecidas em uma determinada sociedade, bem como de determinar as formas de acesso aos lugares de poder.

25Norberto Bobbio et al. (1998) propuseram, em seu Dicionário de Política, uma síntese dos elementos comuns à origem e à configuração das elites:

1) em toda sociedade organizada, as relações entre indivíduos ou grupos que a caracterizam são relações de desigualdades; 2) a causa principal da desigualdade está na distribuição desigual do poder, ou seja, no fato de que o poder tende a ficar concentrado nas mãos de um grupo restrito de pessoas; 3) entre as várias formas de poder, o mais determinante é o poder político; 4) aqueles que detêm o poder, especialmente o poder político, ou seja, a classe política propriamente dita, são sempre uma minoria; 5) uma das causas principais por que uma minoria consegue dominar um número bem maior de pessoas está no fato de que os membros da classe política, sendo poucos e tendo interesses comuns, têm ligames entre si e são solidários pelo menos na manutenção das regras do jogo, que permitem, ora a uns, ora a outros, o exercício alternativo do poder; 6) um regime se diferencia de outro na base do modo diferente como as Elites surgem, desenvolvem-se e decaem, na base da forma diferente como se organizam e na base da forma diferente com que exercem o poder; 7) o elemento oposto à Elite, ou à não-Elite, é a massa, a qual constitui o conjunto das pessoas que não têm poder, ou pelo menos não têm um poder politicamente relevante, são numericamente a maioria, não são organizadas, ou são organizadas por aqueles que participam do poder da classe dominante e estão portanto a serviço da classe dominante (a teoria da sociedade de massa é a contrapartida da teoria das Elites e ambas se desenvolveram neste último século paralelamente). (Bobbio et al., 1998: 391)

26Codato (2015) propõe métodos de análise para identificação de posições de elite baseado em três aspectos que a definiriam: poder, influência e decisão. De maneira simples, o primeiro deles, denominado “método posicional”, identifica como membros da elite aqueles indivíduos que ocupam posições formais de poder em uma determinada sociedade. O segundo, “método decisional”, busca identificar indivíduos que, mesmo não estando em cargos formais, são capazes de decidir estrategicamente sobre temas de interesse social. O terceiro e último é chamado de “método reputacional”, que identifica membros da elite em uma sociedade a partir da indicação, por especialistas, de um pequeno número de indivíduos presentes em uma ampla lista de lideranças pré-selecionadas.

  • 3 Define-se por reestruturação territorial “as transformações verificadas no espaço geográfico delimi (...)

27Embora bastante discutido, Heinz (2006) alerta sobre a imprecisão permanente do conceito de elite, entre outros aspectos, conferido por seus determinantes subjetivos. Ainda assim, revela que há atualidade no debate das elites, e que é possível identificá-las em diferentes escalas, bem como determinar sua articulação em redes em diferentes recortes espaço-temporais. À guisa do estudo que se desenvolve, é preciso estabelecer um prudente alerta: as elites se organizaram de maneira distinta nos diferentes momentos da história, possuem alta capacidade de perpetuação no poder (por meio de relações familiares), e isso é verificável em Minas e no Brasil – tanto nas características dos indivíduos, como em relação aos objetivos comuns. São, portanto, passíveis de comparação em face de seu caráter de minoria dirigente organizada, e a análise de sua atuação é relevante para o entendimento de processos de reestruturações territoriais.3

1.4. O fator urbano e urbano-industrial

28A compreensão da urbanização como processo perpassa a relação entre campo e cidade, aspecto central das sociedades humanas, cuja diferenciação geográfica tem forte nexo com a paulatina divisão do trabalho manual e intelectual (Monte-Mór, 2006). Segundo Monte-Mór (2006), o termo urbano – em desuso por séculos – voltou a ser utilizado no século XVI em referência à cidade-império e no século XVII em referência à cidade-sede do Império Britânico. Já a palavra cidade tem seu uso recuperado no século XIII, em referência à representação de poder emanadas por cidades bíblicas ou ideais, e depois passou a ser utilizada em referência às localidades dotadas de sedes episcopais, geralmente, caracterizadas por serem localidades centrais. Atualmente, compreende-se que as cidades são resultantes da intensificação massiva da divisão socioespacial do trabalho, pela intensificação das bases regulares de trocas baseadas tanto em cooperação quanto na competição, e pelo fluxo constante de bens e indivíduos, que caracterizam o processo de urbanização. É este processo que vai resultar na progressiva e irreversível perda do protagonismo do campo sobre a cidade no século XVIII, quando as cidades criaram condições de mercado capazes de alterar a lógica produtiva do campo.

  • 4 A esta justaposição David Harvey dará o nome de Palimpsesto Urbano.

29O espaço urbano das cidades constitui-se, conforme Corrêa (1989), a partir da justaposição4 de diferentes usos da terra – comercial, industrial, residencial, entre outros –, que evidenciam o caráter difuso da urbanização. Para o autor, o espaço urbano é “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social, um conjunto de símbolos e campo de lutas. É assim a própria sociedade em uma de suas dimensões, aquela mais aparente, materializada nas formas espaciais” (Corrêa, 1989: 1). Os usos da terra a que Corrêa se refere são caracterizados por Singer (1976) como funções urbanas (como, por exemplo, a administração pública, a devoção religiosa e os serviços de instrução), que fornecem aos indivíduos do campo a contrapartida pela negociação de seus excedentes.

30Via de regra, as cidades historicamente se organizam e se articulam em redes cuja hierarquia pode ser lida espacialmente. Tal qual organismos vivos, as cidades estão sujeitas a modificações estruturais capazes de alterar sua função e posição na articulação urbana, e podem ser mais ou menos susceptíveis à penetração de elementos de novas dinâmicas econômicas, o que é refletido em sua fisionomia e paisagem (Geiger, 1963). A industrialização foi um dos processos que provocou esse fenômeno mundialmente. A Revolução Industrial e sua criação – a indústria fabril – deram origem à urbanização tal qual conhecida na atualidade. Até meados do século XVII, poucas eram as cidades em que a concentração de mercado e/ou poder geravam processos de urbanização (Monte-Mór, 2006). O processo de industrialização fez surgir a cidade industrial, que se proliferou e modificou as relações de troca e poder, tendo como facilitador a revolução dos transportes operada pelo surgimento e expansão de ferrovias e de navios à vapor, que imprimiram uma nova lógica de produção do espaço.

31De maneira sintética, a industrialização pode ser definida como um processo não espontâneo de transformação das bases de produção de uma sociedade, oriundo de uma vontade consciente de desenvolvimento, com modificações sensíveis na configuração das esferas políticas e sociais de decisão, cuja marca principal é a transição de uma economia baseada na agropecuária (setor primário) para outra fabril (setor secundário) (Bobbio, 1998). Segundo Dantas et al. (2013: 21), a indústria “é definida pelo grupo de empresas voltadas para a produção de mercadorias que são substitutas próximas entre si e, dessa forma, fornecidas a um mesmo mercado”; por sua vez, o mercado a que se refere é caracterizado como “demanda por um grupo de produtos substitutos próximos entre si”.

32Em escala global, a industrialização tem como marco histórico a Revolução Industrial Inglesa do século XVIII, cujos reflexos foram imediatos no resto do mundo, sobretudo nas nações de maior desenvolvimento que dali importaram um novo modelo econômico. O momento marca a substituição da produção manufatureira pela maquinofatureira, que caracteriza a transição do capitalismo comercial para o industrial. As fábricas – genericamente definidas como prédios ou instalações onde um conjunto de indivíduos e máquinas realizam a transformação de matérias-primas em mercadorias de alto valor agregado com a maior eficiência possível – foram uma inovação chave e, no entanto, controversa: ao mesmo tempo em que deu origem a modelos inéditos de produtividade, disseminou novas formas de exploração da mão-de-obra.

33Tais definições revelam a importância de não se perder de vista questões relacionadas à escala. Fábricas podem ser instalações com pessoal e maquinário que podem variar da unidade ao milhar, bem como a indústria pode ser definida por um pequeno conjunto de estabelecimentos fabris primitivos quanto por grandes parques industriais de alta tecnologia. Em outras palavras, os conceitos revelam níveis de complexidade espaço-temporais que suscitam o aposto sociedade “urbano-industrial”.

2. A peculiar trajetória mineira rumo à modernização

  • 5 A síntese ora apresentada é oriunda de um extenso levantamento bibliográfico que é discutido nos tr (...)

34Desde o século XVIII desenhou-se em Minas Gerais um conjunto de reestruturações capazes de evidenciar seu protagonismo na formação do Brasil moderno.5 Ao longo de sua história, revelaram-se processos que apenas poderiam se deflagrar por suas excepcionalidades geo-históricas, sobretudo nos diferentes contextos políticos que enfrentou em sua trajetória. Sua diversidade mineral, em que se destacam, além do ouro e do ferro, suas grandes extensões de solos férteis, deu o tom para a ocupação e formação de sua rede de cidades. Com efeito, a paisagem da mineração era composta por um mosaico em que se mesclavam a exploração do ouro e o cultivo de gêneros de primeira necessidade (Wirth, 1982; Moraes, 2007; Meneses, 2007; Carrara, 2007; Almeida, 2010). A enormidade de riquezas que circularam por seu território viabilizou o surgimento de uma elite letrada e influente que se metamorfoseou ao longo dos séculos e que, apesar de suas inúmeras discordâncias internas, foi capaz de manter a unidade territorial mineira. O conjunto de obras analisadas permitiu revelar algo que parecia pairar, sem, contudo, aterrissar: a busca pela modernidade foi a linha que costurou as reestruturações territoriais de Minas.

35O entendimento do perfil urbano-industrial de Minas no início do século XXI só pode ser interpretado corretamente se forem consideradas as atuações de suas elites letradas que buscaram desenvolver no estado paisagens de modernidade semelhantes às europeias. Desde o século XVIII, os homens ricos de Minas compreendiam que a aproximação com as letras seria o meio ideal de ascensão social e participação na vida política. Parte da primeira elite letrada mineira era filha desses homens. Ao estudarem na Europa, trouxeram consigo ideias de modernização como possibilidade, propiciada pelas vivências em prósperas cidades europeias que favorecia o contato com os ideais iluministas; com as ciências naturais; com a racionalidade na ocupação territorial; com ideias de reformas urbanas; com as experiências de liberdade (como a dos Estados Unidos, muito comentada à época); e, posteriormente, com o positivismo, a república e a democracia, entre tantas outras experiências (Barretto & Paim, 1989; Boschi, 1991; Villalta, 2007).

36Todavia, o que era fluido no pensamento norte-ocidental tornava-se viscoso no teatro político ao sul do equador. Para além das letras, foi o desenvolvimento de uma forma relativamente coesa de se fazer política entre as elites mineiras que viabilizou que Minas Gerais mantivesse-se sempre como uma das três mais relevantes economias do território brasileiro. Os aspectos que comprovam esta afirmação serão passados em revista.

2.1. Século XVIII: a modernização precoce irradiada pela região central de Minas Gerais

37No século XVIII, a exploração de metais preciosos propiciou o surgimento de uma economia diversificada entrelaçada a uma rede de povoações de alta capilaridade. Nas principais vilas, as marcas da modernidade estavam presentes em sua paisagem, na arquitetura caracteristicamente portuguesa, nas estratégias de ordenamento urbano e nas sofisticadas mercadorias e vestuário importados, algo sem precedentes em territórios portugueses que distavam 400 quilômetros da costa atlântica (Rodrigues, 1986; Monte-Mór, 2001; Rodarte, 2004; Lemos et al., 2006; Carrara, 2007; Moraes, 2007; De Paula, 2007; Fonseca 2012; Santos, 2015).

  • 6 Recuo colonial conservador deflagrado em Portugal após a queda do Marquês de Pombal, o ministro mod (...)

38O rápido crescimento demográfico e a diversidade da população que afluía para a região da Minas contribuiu para a difusão de informações e ideias, muitas das quais subversivas, que acarretaram a formação de uma cultura urbana rebelde e na mudança do perfil dos já recorrentes atos de sedição. Além disso, fortalecia-se uma elite urbana esclarecida, cônscia dos percalços da condição colonial do território e do atraso de Portugal em relação aos países em processo de industrialização, tais como Inglaterra e França. A noção das capacidades de autossuficiência da capitania, o desejo pela liberdade e o senso de emancipação pela industrialização ganharam força após a “Viradeira”6 em Portugal e culminaram no movimento da Inconfidência Mineira. Embora tenha fracassado, desenhou-se, entre os mineiros, uma moderna consciência de nação que teria influência em outras sedições pela Colônia e na declaração de independência em 1822. Os ideais progressistas dos inconfidentes mineiros adentraram no século XIX e foram aclamados, após a independência, nos mais variados circuitos republicanos que se espalharam pelo território (Novais, 1981; Dias, 1985; Wehling, 1986; Barretto & Paim, 1989; Maxwell, 1989; Anastasia, 1998; Gonçalves, 2001; Focas, 2002; Figueiredo, 2005; Carvalho, 2005; Carvalho, 2008; Viscardi, 2013; Moreira, 2013; Furtado, 2014; Figueiredo, 2016).

39Geograficamente, a região central de Minas viabilizou, por sua condição mineral e enorme capacidade de atração populacional nos Setecentos, a interiorização dos caminhos do Brasil. Da região central, seguiam aventureiros pelo caminho de Goiás em busca de novas oportunidades, o que marca o início da conquista do oeste brasileiro. Por sua vez, a necessidade de proteção das riquezas e o combate aos descaminhos do ouro fortaleceram a posição do Rio de Janeiro que, por causa disso, se tornou capital em 1763. Os laços do Norte de Minas com a Bahia foram mantidos pela hidrovia do rio São Francisco e pelo caminho dos currais, e a região sul se dinamizava como centro abastecedor de alimentos da região central e de São Paulo. Com efeito, formaram-se cidades especializadas na produção de bens de consumo, cujo desempenho econômico na segunda metade do século XVIII gerava ganhos comparáveis aos das cidades mineradoras. Consolidou-se uma hierarquia urbana mineira nos Setecentos cujos traços permaneceriam até a segunda metade do XIX (Geiger, 1963; Libby, 1988;1989; Maxwell, 1989; Monte-Mór, 2001; Costa, 2007; De Paula, 2007; Cunha, 2007; Matos et al., 2007; Andrade, 2010; Fonseca, 2011; Fonseca, 2012; Matos, 2012; Valle et al., 2014).

40O escasseamento do ouro de aluvião e de encostas inviabilizou a prática do garimpo e provocou mudança no perfil da exploração, que passou a ser subterrânea e capitaneada por companhias inglesas, que possuíam o capital e a tecnologia para tanto. O consequente arrefecimento das economias urbanas da região mineradora central, por sua vez, fez com que uma parcela da população a abandonasse e buscasse áreas de terras férteis e agriculturáveis. A produção de gêneros alimentícios e o comércio, que já eram relevantes na pauta econômica mineira (mais da metade dos homens ricos não tinham a mineração como ocupação principal), deixou de ser ofuscada pela extração aurífera e passou a figurar como principal economia da capitania. Logo, transmutaram-se as elites e as formas de se fazer política. As Minas, até então caracterizadas pelas liberdades e conflitos ligados ao ouro, passam à tradição e à estabilidade da terra (Lanna, 1986; Libby, 1988; Lenharo, 1993; Queiroz & Braga, 1999; Carvalho, 2005; Meneses, 2007; Carrara, 2007; Godoy, 2009).

2.2 Século XIX: a articulação das elites mineiras em prol do projeto industrializador de Minas Gerais

41No século XIX, o mundo assistiu à difusão da primeira Revolução Industrial, cuja invenção da máquina à vapor e seus incontáveis desdobramentos fizeram diminuir os tempos de deslocamento e proporcionaram novas formas de produção e consumo. Em Minas Gerais as condições físicas e a presença de recursos naturais ainda eram determinantes para a localização dos núcleos de produção, bem como da sua rede de caminhos. Tais características revelavam-se em uma grande diversidade interna, com sistemas econômicos regionais de autonomia variável e que dificilmente se conectavam, característica que levou ao brasilianista John Wirth (1982) a denominar a província de “mosaico mineiro”. O caráter insular da província exigia que vários de seus núcleos populacionais fossem autossuficientes, mesmo porque as grandes distâncias e a qualidade dos acessos seriam fatores gravosos em situações de escassez local (Wirth, 1982; Martins, 1980; Lanna, 1986; Libby 1988, 1989; Slenes, 1988; Pires, 2004; Lenharo, 1993; Paiva, 1996; Rodarte, 1999).

42Os diferentes núcleos sobreviveram e prosperaram em razão de um conjunto de particularidades que nem sempre coincidiam, entre as quais suas características urbanas, a oferta de uma gama de serviços especializados, a eficiente produção de bens de consumo, a presença de alguma indústria de transformação, ou sua localização em entroncamentos de grande circulação e comércio. Muitas áreas, por outro lado, permaneceram inabitadas ao longo dos Oitocentos e algumas até a primeira metade do século XX por dificuldades das mais diversas, como a distância dos maiores centros, a inviabilidade de escoamento de produção, o intricado manejo do solo, ou os conflitos com as populações nativas, entre outras, mesmo que existissem incentivos do governo provincial para a sua ocupação e desenvolvimento. Esse conjunto de fatores justificam o fato de as áreas de maior dinamização serem justamente aquelas próximas aos centros mais desenvolvidos do Império, como as regiões Sul e Mata, cujas relações comerciais suscitaram, inclusive, movimentos separatistas e de anexação pelas províncias de Rio e São Paulo, sem lograr sucesso (Rodarte, 2008; Godoy, 2009; Cosentino, 2013; Dulci, 2013; Graça-Filho, 2013).

43Nos Oitocentos, Minas Gerais apresentou desenvolvimento econômico e se manteve integrada à economia nacional, principalmente, pela produção de alimentos e de mercadorias com algum nível de transformação. Por ter a maior população do Império, possuía também o maior colégio eleitoral e, por consequência, a maior bancada na câmara dos deputados. A bancada mineira, embora representasse as elites da terra, não era contrária às ideias de progresso via industrialização, porquanto era composta por deputados em geral letrados e egressos de educandários como a Universidade de Coimbra, o Colégio do Caraça e, ao final dos Dezenove, a Escola de Minas de Ouro Preto, entre outros liceus de menor vulto que também formavam quadros políticos para a atuação local. A circulação de centenas de jornais e a formação de partidos progressistas faziam difundir, entre outros, as vantagens da criação de indústrias (artesanais), que alimentavam os debates provinciais e nacionais. A chegada da geração Gorceix à vida política, já no último quartel dos Dezenove, intensificou o debate em prol do desenvolvimento e do progresso (Rodrigues, 1986; Carvalho, 2005; Barbosa, 2009; Matos & Mello, 2012; Carvalho, 2013; Viscardi, 2013; Moreira, 2013).

44Para além da agitação política e da crescente massa de letrados, assistiu-se no território mineiro iniciativas de expressiva modernidade e com inequívoco pioneirismo. Na contramão do perfil econômico agrário que se formou em Minas, alguns empreendedores trouxeram para o território parte das primeiras experiências fabris siderúrgicas e têxteis do país, a primeira usina de energia hidrelétrica e a maior rede ferroviária do Brasil. Tratam-se de empreendimentos heroicos e ousados, na medida em que faltava à gestão nacional maiores definições sobre as políticas territoriais, fiscais, de incentivos, créditos e proteção aduaneira, ausências que afastavam boa parte de potenciais investidores. Mesmo a questão do fim da escravidão, cujas vantagens já eram evidentes no mundo capitalista moderno, levou mais de 50 anos para ser resolvida. As realizações desses empreendedores e suas fábricas tiveram profundo impacto no campo das representações, sobretudo pelo exemplo de que outras perspectivas de desenvolvimento econômico eram não só possíveis como viáveis, uma vez que as crises de superprodução na cafeicultura começavam a preocupar os governos (Vaz, 1977; Wirth, 1982; Libby, 1988; De Paula, 2000; De Paula, 2006; Rodarte, 2008; Godoy & Barbosa, 2008; Baeta et al., 2012; Mello, 2010; Batista et al., 2012; Cosentino, 2013; Dulci 1999, 2013; Lima; 2015).

45Ao final dos Oitocentos o Brasil buscou desenvolver uma política concreta para atração e fixação de imigrantes, com a expectativa de suprir o hiato deixado no campo pelo fim da escravidão e, ao mesmo tempo, induzir a formação de uma cultura industrial. Embora tenha sido tardia, a relevante massa de migrantes contribuiu diretamente para o desenvolvimento de algumas regiões brasileiras, como as do Sul, São Paulo e a Zona da Mata mineira, que se tornou um caso exemplar. A fixação de mão de obra europeia que ali chegou empregada na construção de estradas de ferro foi primaz para a formação de uma classe assalariada urbana e livre. São relevantes as experiências modernas assistidas em Juiz de Fora – que se tornou a primeira cidade industrial de Minas Gerais (“A Manchester Mineira”) – tais como a instalação de diversas fábricas, bancos, sistema de bondes, fornecimento de energia hidrelétrica, entre outros, viabilizados diretamente pelo ambiente propício aos investimentos, sobretudo pelo novo perfil de consumo que se firmava e indiretamente pela presença maciça de capitais oriundos da cafeicultura regional (Singer, 1974; Lamounier, 2000; Pires, 2004; De Paula, 2006; Saraiva, 2008; Dulci, 2013; Lamounier, 2013).

46As experiências da Zona da Mata não foram compartilhadas pelas demais regiões mineiras, nas quais permanecia o desenvolvimento desigual e declinante. A exceção era a região central, que, com base no projeto de recuperação a partir de investimentos em prol da nova capital, concentrou a maior parte dos empreendimentos de caráter industrial no início do século XX. Outra exceção foi a região Sul, que desenvolveu uma sofisticada dinâmica produtiva para o abastecimento de Rio e São Paulo, cuja economia cafeeira, em sucedâneo à declinante cafeicultura da Zona da Mata, desenvolvia-se a passos largos (Lima, 1977; Diniz, 1981; Lanna, 1986; Negri, 1996; Queiroz & Braga, 1999; Cano, 2002; De Paula, 2006; Borges, 2011).

47Apesar de tais experiências, é inegável que a maior parte do extenso território mineiro permaneceu agrário e de baixo desenvolvimento. Os empreendimentos de maior vulto concentraram-se primeiramente na região central e depois ganharam força nas regiões Sul e Mata, onde o notável desenvolvimento urbano-industrial de Juiz de Fora a transformara em uma cidade efetivamente capitalista pioneira na província. A quantidade de riquezas geradas nas duas últimas regiões, associada à insatisfação com o governo provincial, foi motivo gerador de movimentos separatistas que, embora não lograssem êxito, revelavam a fragilidade da coesão regional do mosaico mineiro (Mata-Machado, 1987; Aguiar, 2006; De Paula, 2006; Barbosa, 2009; Matos e Mello, 2012; Dulci, 2013).

2.3 Século XX: recuperação econômica e consolidação da primazia do espaço urbano industrial em Minas Gerais

48O quadro econômico em fins do século XIX revelava a clara fragilidade territorial da província, cuja capital há tempos vinha perdendo prestígio e capacidade de polarizar os interesses dos mineiros. O advento da república e da federação acenavam para novas possibilidades, como a ideia de retomar as rédeas do desenvolvimento de Minas. Assim, no Congresso Constituinte Mineiro de 1891 deliberou-se pela transferência da capital e criação de um projeto urbano arrojado que colocasse o novo estado em sintonia com os centros mais prósperos da época e que fosse capaz de atrair a atenção dos investidores estrangeiros. A construção e inauguração da moderna Belo Horizonte, em 1897, e a realização do Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais, em 1903, foram norteadores de políticas que direcionariam o desenvolvimento mineiro no século XX (Singer, 1974; Schmidt, 1979; Mata-Machado, 1987; Matos, 1992; Dulci, 1999; De Paula, 2000; Carvalho, 2005; Aguiar, 2006; Saraiva, 2008; Barbosa, 2009; Matos & Mello, 2012).

49Ao longo da primeira metade do século XX, a despeito das enormes dificuldades de superar o atraso em relação a Rio de Janeiro e São Paulo, Minas Gerais seguiu uma pauta desenvolvimentista: investiu na implantação de indústrias de base, buscou desenvolver um sistema viário articulado, e formou um corpo técnico para auxiliar nos processos de tomada de decisão. A indústria siderúrgica desenvolvia-se a passos largos sob os cuidados de uma nova elite ansiosa em romper com o perfil agrário do estado. (Diniz, 1981; Crocco, 1996; Dulci, 1999; Queiroz & Braga, 1999; Cano, 1997;2002; Diniz & Azzoni, 2002; Barbosa, 2009; Matos, 2012).

50A guinada aconteceu na segunda metade do século XX, quando o processo de desconcentração industrial paulista, a metropolização de Belo Horizonte e a transferência da capital para Brasília favoreceram Minas Gerais como espaço econômico para os interesses do capital internacional. Ainda que tardiamente, Minas passaria então por um forte processo de modernização, cujas mudanças foram percebidas em suas centralidades históricas. Muito contribuiu a tradição desenvolvimentista mineira, por exemplo, nos governos de Benedito Valadares (1933-1945), que priorizou a atuação do setor público em prol do desenvolvimento econômico regional; e de Juscelino Kubitschek (1951-1955), que provocou o fim do mosaico mineiro, quando concretizou o “Binômio: Energia e Transporte”, que fez diluir as separações regionais a partir da integração de territórios longínquos e reforçou a polaridade que Belo Horizonte adquire na segunda metade do século XX. Por consequência, ocorre também a diminuição dos rompantes independentistas que eram abundantes ao final do século XIX (Diniz, 1981; Crocco, 1996; Dulci, 1999; Queiroz & Braga, 1999; Cano, 1997;2002; Diniz & Azzoni, 2002; Barbosa, 2009; Matos, 2012).

51A concentração urbana e econômica e a modernização da indústria mineira apresentavam nexos claros. Os municípios – em especial os que representavam centralidades – que foram beneficiados por intervenções estruturais estatais planejadas, ou que foram capazes criar autonomamente as bases para a sua própria industrialização, revelaram-se como atratores de investidores e de trabalhadores, e por consequência desenvolveram um setor terciário vigoroso. Aliás, as mudanças modernizadoras provocaram polarizações decorrentes dos processos de reestruturação permitiram que cidades se tornassem importantes centros comerciais, capazes de atrair população e centralizar serviços de toda ordem. O crescimento de São Paulo, a fundação de Brasília, a criação do parque siderúrgico do Vale do Aço e a metropolização de Belo Horizonte foram os principais balizadores dessas polarizações (Diniz & Crocco, 1996; Azzoni, 2002; Queiroz & Braga, 1999; Costa, 2015).

52O sonhado processo de recuperação econômica aconteceu. A produção industrial superou a agropecuária, desvinculou o destino de muitos municípios de sua histórica vocação e promoveu na segunda metade do século XX um estado de forte articulação econômica e rede urbana coesa, mais ou menos como almejavam as elites do final do século XIX.

Considerações finais

53Grandes processos de modernização não ocorrem sem a participação do Estado. Mas a modernização incipiente, inicial, que aconteceu em Minas Gerais no século XVIII, não foi deflagrada pela Coroa Portuguesa, mas sim por setores da elite que, ao instruírem-se em Portugal, tiveram contato com as ideias do iluminismo (independência, república, progresso, industrialização). São numerosos os exemplos em que indivíduos notáveis se anteciparam às ações do Estado, tais como Wilhelm Eschwege, João Monlevade, Bernardo Mascarenhas, entre outros. Quando o país conquistou a sua independência e o estado progressivamente se fortaleceu, foi possível, ainda que modestamente, a instalação de infraestruturas produtivas que auxiliaram o desenvolvimento econômico. Estruturas, aliás, que a iniciativa privada era incapaz criar à época. Mais tarde, o Brasil da Era Vargas cria as condições para o surgimento de uma burguesia industrial consistente.

54Na narrativa-síntese apresentada foram focalizadas as modernizações que Minas assistiu, várias delas com desdobramentos econômicos e territoriais nos quais o urbano em mudança destaca-se século XVIII e depois, no século XX, a partir da afirmação do capitalismo industrial e do protagonismo da moderna Belo Horizonte. As evidências de que houve um processo de modernização e reestruturação econômica sustentam-se pela passagem, em poucas décadas, da primazia dos setores extrativista e agroexportador para o setor industrial de proeminência nacional.

55Frações da elite foram extremamente relevantes no processo de desenvolvimento de Minas Gerais. Sabidamente, as elites não eram homogêneas, mas aquelas que mais se destacaram em defesa da ideia de progresso também eram as mais escolarizadas. No passado, vale a pena frisar, vários dos integrantes da elite política eram certamente muito mais bem preparados, idôneos e dedicadas a um projeto de desenvolvimento nacional do que mais tarde os governantes de Minas se mostraram. Essas elites foram desaparecendo, provavelmente porque, entre outras razões, migraram para centros políticos e econômicos mais dinâmicos e sucumbiram ao ideal neoliberal imposto pela globalização. Diante dessas circunstâncias, nos últimos 40 anos, o estado foi administrado por diversos políticos inexpressivos, despreparados, pouco instruídos e até mesmo corruptos.

56Toda maneira, convém observar que, desde o início da ocupação portuguesa a região das minas se mostrou de difícil exploração e seus recursos naturais (notadamente os minerais preciosos), como mostrado anteriormente, é que a tornaram não só populosa, mas também uma importante unidade colonial no século XVIII. Aos recursos abundantes e atraentes, como a madeira, a água e ouro, foi agregado no início do século XIX um outro recurso estratégico de desenvolvimento, o minério de ferro, explorado por mineradoras inglesas e por pequenas fundições nacionais, que ao longo de dois séculos se consolidaram na grande siderurgia mineira.

57Ao longo do século XX, Minas permanece extraindo minério de ferro e passou a produzir de ferro gusa a aço, além de derivados metalúrgicos e siderúrgicos mais complexos em escala industrial. Tudo isso articulado pela Estrada de Ferro Vitória à Minas (EFVM). Solidificou-se na região central mineira um complexo exportador de commodities com grande densidade de capitais e intensa capacidade de explorar/extrair os recursos minerários. Convém observar que a cadeia produtiva da mineração, que envolve mina, ferrovia e porto, ganhou visibilidade internacional ainda quando tinha o nome de Companhia Vale do Rio Doce. Ao ser privatizada, seu crescimento foi globalmente desmesurado, o que a tornou inalcançável do ponto de vista de controle e fiscalização governamental. O cenário econômico favorável à mineração do início no século XXI fez com que as demais mineradoras passassem a mimetizar o modus operandi da Vale, o que contribuiu decisivamente para a ocorrência de grandes desastres tecnológicos como os de Herculano em Itabirito (2014), da Samarco em Mariana (2015) e da Vale em Brumadinho (2019).

58Do ponto de vista territorial, o mosaico mineiro se fez presente durante boa parte de sua história. Minas era composta por enclaves territoriais pertencentes a potentados donos de terras e homens. As cidades se mantinham praticamente independentes umas das outras com um comércio pouco vigoroso. Os processos de integração territorial pulverizaram essas relações personalistas e dissolveram esse mosaico em uma grande unidade territorial coesa. Isso foi feito às custas de investimentos governamentais e atividades econômicas de grande porte. Juscelino Kubitschek foi um dos protagonistas dessas mudanças quando governador em 1950, que consolidou o projeto de integração de Minas proposto por João Pinheiro em 1903. Como presidente do Brasil, JK deu continuidade a essas metas, promoveu grandes reestruturações territoriais, e favoreceu significativamente o estado mineiro.

59No século XX, o processo de urbanização alcançou outra grandeza em Minas Gerais. Havia uma espécie de compreensão entre as elites mineiras de que a industrialização beneficiaria a todos e, por isso, os arautos do progresso e da modernização tiveram suas ações expandidas. Um dos resultados desse processo foi a concentração urbana em favor de uma metrópole. Posteriormente, após a sua consolidação nos anos de 1970, verificou-se um processo de saturação e desconcentração espacial. Por consequência, houve a interiorização da urbanização no estado que fez emergir cidades médias, atores centrais do processo de integração territorial contemporâneo.

60Assim, o urbano assume o protagonismo sobre o rural em Minas nos últimos 40 anos. Atualmente, essa urbanização já não tem a mesma característica da urbanização do início do século, que era revestida dos efeitos da industrialização. A indústria continuou tendo um papel relevante, mas se afastou das cidades em razão da grande dimensão das novas plantas industriais. Nesse momento, em que há industrialização, mas não como um fator engastado no processo de urbanização, é o setor de comércio e serviços que ganha maior desenvoltura nas cidades mineiras. Não é demais reforçar: a concentração urbano-econômica mineira do século XXI é oriunda de uma tradição mineira desenvolvimentista, cujas origens remontam ao ideário de liberdade e progresso dos inconfidentes.

Quais os fatores que auxiliaram na industrialização de São Paulo na primeira metade do século XX?

Durante esse período, tanto o capital privado, proveniente sobretudo dos antigos cafeicultores, quanto o capital estatal foram importantes para o crescimento da indústria no país, assim como para a ampliação da infraestrutura utilizada no transporte de mercadorias, como foi o caso das ferrovias e portos.

Quais foram os fatores que favoreceram a industrialização em São Paulo?

A gênese do desenvolvimento industrial no Estado de São Paulo iniciou-se em meados das décadas de 1880-1890, por meio dos capitais advindos da superprodução produção cafeeira e das iniciativas dos imigrantes europeus, que impulsionaram aqui o processo de industrialização (MAMIGONIAN, 1976).

Quais foram os principais fatores que levaram a industrialização brasileira a partir da metade do século XX?

Vários fatores contribuíram para o processo de industrialização no Brasil no começo do século XX: a exportação de café gerou lucros que permitiram o investimento na indústria; os imigrantes estrangeiros traziam consigo as técnicas de fabricação de diversos produtos; a formação de uma classe média urbana consumidora.

Como ocorreu a industrialização brasileira na primeira metade do século 20?

A industrialização no Brasil ocorreu de forma tardia por meio da política de substituição das importações no contexto de ocorrência da Primeira Guerra Mundial. Os capitais oriundos de cultivos agrícolas, com destaque para o café, foram primordiais para o desenvolvimento da indústria brasileira.