Quais conflitos mundiais tiveram a participação dos Estados Unidos?

O artigo analisa a posição dos Estados Unidos nas relações internacionais pós-Guerra Fria, tomando como referência as controvérsias sobre os alcances e limites da sua postura hegemônica, que adquirem maior impulso a partir da formulação da chamada "doutrina Bush", sistematizada no documento "A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA". No tratamento da temática proposta, enfatizam-se os seguintes aspectos: estabelecimento de um paralelo entre a transição dos séculos XIX-XX e XX-XXI, situando as características do imperialismo de cada época; uma análise da atual política externa dos Estados Unidos, enfocando o debate entre unilateralismo e multilateralismo, com destaque para as reações geradas pela intervenção no Iraque; uma discussão crítica das abordagens que visualizam na agenda de segurança da administração Bush um indicador de perda de hegemonia, que imporia a substituição da busca do consenso pela dominação aberta.

Bush; Unilateralismo; Multilateralismo; Hegemonia


This article analyzes the position of the United States in the post-Cold War world, considering as a reference the controversies on the extension and limits of its hegemonic posture, which acquires greater relevance after the formulation of the "Bush Doctrine", systematized in the document "The National Security Strategy of the United States of America". Our approach will lay emphasis on the following aspects: establishment of a parallel between the transition of the XIX-XX and XX-XXI centuries, from studies that point out the characteristics of imperialism at different times; an analysis of the current foreign policy of the United States, focusing on the debate between unilateralism and multilateralism, emphasizing the reactions caused by the intervention in Iraq; a critical argument of the approaches that visualize in the security agenda of the Bush administration an indicator of a loss of hegemony, which would impose open domination over the search of consensus.

Bush Doctrine; Unilateralism; Multilateralism; Hegemony


Os Estados Unidos e as relações internacionais contemporâneas

The United States in the present international relations

Luis Fernando Ayerbe

Professor do Departamento de Economia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e do programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp/Unicamp/PUC-SP

RESUMO

O artigo analisa a posição dos Estados Unidos nas relações internacionais pós-Guerra Fria, tomando como referência as controvérsias sobre os alcances e limites da sua postura hegemônica, que adquirem maior impulso a partir da formulação da chamada "doutrina Bush", sistematizada no documento "A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA".

No tratamento da temática proposta, enfatizam-se os seguintes aspectos: estabelecimento de um paralelo entre a transição dos séculos XIX-XX e XX-XXI, situando as características do imperialismo de cada época; uma análise da atual política externa dos Estados Unidos, enfocando o debate entre unilateralismo e multilateralismo, com destaque para as reações geradas pela intervenção no Iraque; uma discussão crítica das abordagens que visualizam na agenda de segurança da administração Bush um indicador de perda de hegemonia, que imporia a substituição da busca do consenso pela dominação aberta.

Palavras-chave: Bush - Unilateralismo - Multilateralismo - Hegemonia

ABSTRACT

This article analyzes the position of the United States in the post-Cold War world, considering as a reference the controversies on the extension and limits of its hegemonic posture, which acquires greater relevance after the formulation of the "Bush Doctrine", systematized in the document "The National Security Strategy of the United States of America".

Our approach will lay emphasis on the following aspects: establishment of a parallel between the transition of the XIX-XX and XX-XXI centuries, from studies that point out the characteristics of imperialism at different times; an analysis of the current foreign policy of the United States, focusing on the debate between unilateralism and multilateralism, emphasizing the reactions caused by the intervention in Iraq; a critical argument of the approaches that visualize in the security agenda of the Bush administration an indicator of a loss of hegemony, which would impose open domination over the search of consensus.

Key words: Bush Doctrine - Unilateralism - Multilateralism - Hegemony

O fim do mundo bipolar, que concentrou as principais atenções nos debates sobre a estrutura das relações internacionais da segunda metade do século XX, traz como um de seus desdobramentos intelectuais e políticos mais importantes o ressurgimento do imperialismo como foco de reflexão sobre a ordem mundial em formação.

Para diversos analistas, tanto conservadores como críticos em relação ao capitalismo, a atual supremacia desse sistema e a emergência dos Estados Unidos como única superpotência global, apesar de inquestionáveis, trazem como elemento de indagação seu significado histórico, seja como fase inaugural de um período de paz e prosperidade, seja como estágio final de um modelo civilizatório que teve no Ocidente seu grande impulsor.

Evidentemente, não é a primeira vez na história do capitalismo que essas questões se fazem presentes. O mesmo dilema acompanhou os debates sobre a longevidade do sistema e as possibilidades estruturais da hegemonia ocidental na transição do século XIX para o XX. Diante do impasse na II Internacional, decorrente de profundas controvérsias sobre os impactos das mudanças sistêmicas na estratégia da revolução socialista, as teses de Lênin sobre imperialismo fundamentam o programa político que orientou a vitória bolchevique na Rússia. Para Lênin, o imperialismo representa a negação, via expansão externa, das contradições internas do modo de produção capitalista nos países centrais. A partilha do mundo entre as grandes potênciaseaexpansão do capitalismo financeiro gera uma nova divisão internacional do trabalho, deslocando os sintomas agudos da gravida-de da crise do centro para a periferia do sistema. É aqui que se localizam os elos fracos da cadeia imperialista, junto com as condições objetivas da revolução.

Analistas da evolução mais recente do capitalismo, como Michael Hardt e Antonio Negri (2001), dão por encerrada a fase imperialista caracterizada por Lênin. Para eles, a expansão territorial impulsionada pelos Estados-nação deu lugar ao Império, abarcador da totalidade. Já não há lado de fora, instalou-se o reino do mercado mundial, tornando obsoletas as separações de países com base nas noções tradicionais de hierarquia dos mundos. Na nova ordem mundial, perdeu sentido a diferenciação entre espaços internos e externos.

Do ponto de vista das abordagens legitimadoras da nova realidade, o Império representa o fim da história; nesse sentido, os autores reconhecem as bases concretas que alimentam perspectivas como a de Fukuyama, para quem desapareceram definitivamente as alternativas ao capitalismo, eliminando as bases de conflito originárias de forças externas ao sistema. Para Hardt e Negri (idem), que se situam entre os críticos da ordem, o Império representa um avanço em relação ao imperialismo, da mesma forma que o capitalismo expressa um processo evolutivo sobre os modos de produção que o antecederam.

Diferentemente dos autores de Império, que questionam a relevância das perspectivas orientadas pela lógica do Estado-nação, Arrighi e Silver (2001) centralizam sua análise do capitalismo atual no papel exercido pela sua potência hegemônica, que consideram em estado de crise sistêmica. Analisando os períodos de transição hegemônica holandês-britânico e britânico-norte-americano, apontam para a existência de padrões comparáveis de crise e reorganização marcados por "três processos distintos mas estreitamente relacionados: a intensificação da concorrência interestatal e interempresarial; escalada dos conflitos sociais; e o surgimento intersticial de novas configurações de poder" (idem: 39).

Independentemente das especificidades de cada situação histórica, as três crises hegemônicas apresentam como elemento comum as expansões financeiras, que permitem ao líder dominante um acesso privilegiado aos recursos financeiros mundiais, contribuindo para adiar temporariamente o fim da sua liderança.

O atual contexto de expansão financeira, que tem como centro os Estados Unidos, representa para os autores um sinal de crise hegemônica que, no entanto, apresenta algumas peculiaridades em relação às fases anteriores:

1) A potência em declínio não tem concorrentes no campo militar, mas tornou-se dependente, na administração do seu poder, de recursos financeiros de outros centros de acumulação de capital, marcadamente Europa ocidental e Japão.

2) Diferentemente do processo de globalização das últimas décadas do século XIX, em que os Estados-nação eram protagonistas fundamentais da internacionalização do capital, há uma diminuição do seu poder em detrimento do setor privado transnacional.

3) Em comparação ao aumento dos conflitos sociais que acompanhou os períodos de transição holandesa e britânica, especialmente os vinculados à luta antiescravista e ao movimento operário, os autoes identificam uma perda conjuntural de poder dos movimentos sociais. No entanto, os efeitos estruturais desagregadores da atual configuração global criam novas fontes de conflito para as quais não existe capacidade adequada de resposta.

4) Nas transições hegemônicas anteriores, a emergência de uma nova potência precipitou o desmoronamento do antigo poder: Inglaterra em relação à Holanda, Estados Unidos em relação à Inglaterra. Embora os autores coloquem em evidência a crescente expansão econômica do Leste da Ásia, isto não configura uma ameaça ao poderio militar estadunidense. Esta situação impõe uma marca peculiar à atual mudança no sistema mundial, cujo desfecho poderá ser mais ou menos problemático dependendo da atitude dos Estados Unidos:

"[...] essa nação tem uma capacidade ainda maior do que teve a Grã-Bretanha, cem anos atrás, para converter sua hegemonia decrescente em uma dominação exploradora. Se o sistema vier a entrar em colapso, será sobretudo pela resistência norte-americana à adaptação e à conciliação. E, inversamente, a adaptação e a conciliação norte-americanas ao crescente poder econômico da região do Leste da Ásia é condição essencial para uma transição não catastrófica para uma nova ordem mundial" (idem: 298).

As respostas do governo dos Estados Unidos aos atentados de 11 de setembro de 2001 representaram um teste importante para os argumentos da crise de hegemonia. Sem rejeitar completamente as teses de Arrighi e Silver (idem), Ana Esther Ceceña (2002:181) sustenta que "a hegemonia estadunidense está em decadência ao mesmo tempo em que se encontra mais forte e consolidada do que nunca antes na história".

Em apoio a essa afirmação, aparentemente contraditória, Ceceña destaca os fatores que sustentam e comprometem a manutenção da posição hegemônica. Paralelamente à supremacia militar apontada por Arrighi e Silver (2001), adquirem relevância as dimensões econômica e cultural.

No plano econômico, verifica-se a

"Superioridade tecnológica em quase todos os campos estratégicos da concorrência [...]; superioridade no controle de fontes naturais de recursos estratégicos; rede produtiva de maior amplitude e densidade do mundo; manejo do mercado de trabalho mais diverso do ponto de vista cultural, geográfico e de níveis e tipos de conhecimento; capacidade de controle dos mecanismos de organização econômica mundial tais como políticas gerais (BM, OMC e outros), dívida (FMI, FED e outros), protocolos de regulamentação etc." (Ceceña, 2002:168-169).

No âmbito cultural, reconhece a

"Capacidade para generalizar, ainda que com contradições, um paradigma cultural correspondente ao american way of life - e ao que este significa traduzido a outras situações e culturas - que coincide com a homogeneização de mercados, a estandardização da produção e a uniformização das visões sobre o mundo" (idem:169).

No interior do governo dos Estados Unidos, consolidam-se as posições favoráveis ao aprofundamento da hegemonia, conduzindo a um intervencionismo que incorpora no seu discurso as três dimensões apontadas por Ceceña (idem): as invasões do Afeganistão e do Iraque, anunciadas como resposta militar às novas ameaças terroristas, em países situados em uma área geográfica estratégica em termos de acesso a reservas petrolíferas, governados por regimes políticos emblemáticos da oposição ao "modo de vida ocidental".

Em relação aos fatores limitantes da hegemonia, a autora coincide com Arrighi e Silver (2001) na caracterização dos impasses sociais gerados pelo sistema, não deixando aos setores populares outra alternativa fora da sua negação. "Um sistema sem opções, sem saídas, sem soluções para as imensas maiorias negadas que não têm maneira de se sustentar e criam, como dizia Marx, as condições da sua autodestruição" (Ceceña, 2002:182).

Choque de Civilizações: Uma Ideologia Nacional

O reconhecimento de que a hegemonia dos Estados Unidos se tornou uma realidade incontestada da Nova Ordem Mundial abre espaço para um processo de debates no interior do establishment vinculado à política externa do país sobre a caracterização da nova etapa e a formulação de uma estratégia internacional adequada. A substituição do paradigma da Guerra Fria requer uma redefinição dos interesses nacionais, desafios e ameaças a enfrentar.

A partir de uma perspectiva conservadora, Samuel Huntington chama a atenção para as conseqüências negativas do unilateralismo da política externa norte-americana do pós-Guerra Fria. Diferentemente de Arrighi e Silver (2001), que situam na história do capitalismo as referências do que consideram uma crise da atual potência hegemônica, Huntington preocupa-se com os fatores que podem corroer a continuidade da civilização ocidental e, conseqüentemente, dos Estados Unidos como nação.

Em artigo publicado em 1993 na revista ForeignAffairs, Huntington (1993) propõe uma nova abordagem sobre a dinâmica das relações internacionais, desencadeando um amplo debate. Na sua caracterização da Nova Ordem Mundial, quatro aspectos são destacados: 1) a derrota do socialismo, promotor de um sistema econômico que questionava a propriedade privada dos meios de produção; 2) a disseminação global da lógica do mercado; 3) o controle das instituições econômicas multilaterais (FMI, Banco Mundial, OMC) pelos países do capitalismo avançado; 4) a conquista da superioridade militar por parte da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

O autor considera que as principais fontes de conflito na ordem em configuração não serão políticas, ideológicas ou econômicas, elas virão das linhas que separam as diversas culturas e civilizações: ocidental, confuciana, japonesa, islâmica, hindu, eslava ortodoxa, latino-americana e africana.

Da perspectiva de Huntington (1997), a noção de que a derrota do inimigo soviético elimina o último obstáculo ao avanço triunfal da democracia liberal, do capitalismo de mercado e dos valores da civilização ocidental é questionável. Colocando-se na contramão das posturas ufanistas, explicita sua oposição às teses do fim da história, destacando os genocídios que emergem após a queda do muro de Berlim, de freqüência mais comum do que em qualquer período da Guerra Fria: "O paradigma de um só mundo harmônico está claramente divorciado demais da realidade para ser um guia útil no mundo pós-Guerra Fria" (idem: 33).

Em uma ordem mundial em que as principais fontes de conflito são de origem cultural, a afirmação de identidades adquire especial relevância, implicando em desdobramentos específicos na definição do interesse nacional. Referindo-se aos Estados Unidos, Huntington destaca a necessidade de se estabelecer um consenso sobre as bases constitutivas da cultura do país, antes de definir quais são seus interesses. No entanto, como o próprio autor reconhece, "nós só sabemos quem somos quando sabemos quem não somos e, muitas vezes, quando sabemos contra quem estamos" (idem: 20).

Com o fim da Guerra Fria, desaparece o "outro" que encarnava a negação do modo de vida americano e justificava a necessidade de uma postura nacional coesa e militante. As transformações demográficas, com novas ondas migratórias de população de origem predominantemente hispânica, influenciam mudanças raciais, religiosas e étnicas que podem colocar obstáculos à tradicional capacidade do país de assimilar outras culturas. Nessa perspectiva, a afirmação da identidade requer uma nova demarcação das fronteiras em relação aos outros.

Essa tarefa tem dimensões internacionais e domésticas. O mundo das civilizações é um campo de muitas incertezas, em que a ação dos atores responde a diversos tipos de racionalidades, muito mais complexas do que a lógica bipolar da Guerra Fria. Conhecer-se e conhecer os outros exige cautela. Na política externa, Huntington recomenda uma postura não intervencionista. Os Estados Unidos devem reconhecer os espaços civilizacionais e os seus respectivos Estados-núcleos, evitando o envolvimento nos conflitos internos das outras civilizações.

Analisando a inserção internacional do país após o fim da Guerra Fria, Huntington (2000) identifica três etapas: 1ª) um breve momento unipolar, tipificado na ação unilateral na Guerra do Golfo; 2ª) um sistema unimultipolar em andamento, que prepara a transição para a terceira etapa; 3ª) etapa multipolar. No contexto atual, o autor percebe uma contradição entre o sistema unimultipolar e a política externa adotada a partir do governo Clinton, que mantém características típicas da unipolaridade, com uma postura imperialista que provoca a insatisfação dos aliados tradicionais e estimula a solidariedade entre os adversários. Essa política se expressa em ações bastante evidentes como

"[...] pressionar outros países a adotar valores e práticas norte-americanas no que diz respeito aos direitos humanos e à democracia; evitar que outros países adquiram capacidade militar que possa constituir um desafio à superioridade de seu arsenal de armas convencionais; impor o cumprimento de suas próprias leis fora de seu território a outras sociedades; atribuir classificações aos países de acordo com seu grau de aceitação aos padrões norte-americanos no que concerne a direitos humanos, drogas, terrorismo, proliferação de armas nucleares e de mísseis ou, mais recentemente, liberdade de religião; aplicar sanções aos países que não atendam tais padrões; promover os interesses empresariais norte-americanos sob a bandeira do livre comércio e da abertura de mercados; influenciar as políticas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional segundo esses mesmos interesses corporativos; intervir em conflitos locais de pouco interesse direto para o país; impor a outros países a adoção de políticas econômicas e sociais que beneficiarão os interesses econômicos norte-americanos; promover a venda de armas para o exterior ao mesmo tempo procurando evitar vendas de natureza semelhante por parte de outros países" (idem:15).

Referindo-se ao contexto posterior ao 11 de Setembro e ao debate sobre as posições que deverão ser assumidas na defesa dos interesses nacionais do país, Huntington (2004) sistematiza três abordagens diferentes: 1) cosmopolita, que envolveria a renovação das concepções favoráveis à abertura ao mundo antes do ataque terrorista; 2) imperial, vinculada aos setores neoconservadores presentes no governo Bush, que defendem a estruturação do mundo à imagem e semelhança do american way of life; e 3) nacional, próxima da sua própria perspectiva, que busca preservar e enaltecer os valores, princípios e qualidades que estariam presentes nas origens da construção da nação. Dessa perspectiva, o "cosmopolitismo e o imperialismo procuram reduzir ou eliminar as diferenças sociais, políticas e culturais entre a América e as outras sociedades. Uma abordagem nacional reconheceria e aceitaria aquilo que distingue a América de outras sociedades" (idem: 364).

A grande repercussão das teses de Huntington nos debates sobre a nova configuração das relações internacionais após o fim da bipolaridade não esteve isenta de controvérsias, com críticas que destacam desde a ausência de rigor conceitual na caracterização das civilizações existentes até a adoção de um culturalismo com nítidas conotações ideológicas, que enaltece as virtudes da "civilização ocidental" em detrimento do "resto" e influencia posturas isolacionistas na política externa, animadas por argumentos discriminatórios em relação às outras civilizações (Ayerbe, 2003).

Sem desconsiderar a validade desses questionamentos, se avaliada à luz da sua intencionalidade explícita de defesa dos interesses nacionais dos Estados Unidos, a análise de Huntington apresenta uma racionalidade estratégica de longo alcance que nos parece relevante.

Para o autor, a derrota da União Soviética colocou o Ocidente em uma situação de inquestionável supremacia global. Na ausência de uma superpotência inimiga do sistema, os apoios incondicionais e a noção de "guardião do mundo livre" perdem significado. Os assuntos mundiais ganham outra dimensão. Perdas e danos na concorrência por mercados, ou situações de desequilíbrio político geradoras de conflitos regionais, deixam de ser vistos com lentes ideológicas. Nesse contexto, assumir perspectivas missionárias pode levar a última superpotência a um processo de isolamento. A administração da hegemonia exige um cuidadoso trabalho de geração de novas alianças e tratamento negociado das divergências, buscando amenizar ou, no melhor dos casos, eliminar o caráter antagônico das contradições, o que torna contraproducentes as posturas arrogantes e intervencionistas. Na raiz do seu culturalismo, está a crescente preocupação com novas fontes de conflito que, embora não coloquem em questão o sistema, podem afetar a governabilidade. Para Huntington, após as vitórias da Guerra Fria, não há nada decisivo a ser conquistado.

Nesse sentido, há uma diferença substancial em relação à análise de Arrighi e Silver (2001), que situa na história do capitalismo as referências atuais do que consideram uma crise da hegemonia norte-americana. A principal preocupação de Huntington não é com as ameaças externas. Embora chame a atenção para o crescente poderio da China, não vê possibilidades de riscos que ponham em questão a existência do sistema. O principal dilema é a continuidade dos fundamentos culturais que colocaram a civilização ocidental, e os Estados Unidos, na liderança do mundo. Uma vez atingido o ápice dessa trajetória, como evitar os sinais de declínio presentes em alguns valores e comportamentos que tendem a minar a identidade nacional?

No âmbito internacional, a crescente ampliação do abismo entre a riqueza e a pobreza, uma das tendências da atual realidade mundial sobre a qual existe bastante consenso, sinaliza que a prosperidade anunciada pela vitória do capitalismo liberal é estruturalmente restrita. Deste ponto de vista, qual o sentido de estimular expectativas sobre a inevitável disseminação global do american way of life?

Diferentemente de Hardt e Negri (2001), Huntington não deixa dúvidas sobre o caráter imperialista da ação integrada envolvendo o Estado, o setor privado e os organismos multilaterais. A imposição de modelos econômicos que, em nome da liberdade de mercado, promovem basicamente a maximização dos lucros das empresas norte-americanas no exterior, pode ter conseqüências danosas nos países e regiões com menor capacidade de adaptação à competição global, acentuando as disparidades entre ricos e pobres e contribuindo para inflamar sentimentos fundamentalistas.

É com base nesses pressupostos que critica explicitamente a abordagem do "fim da história", típica da tradição imperial do Ocidente, que prescreve ao resto do mundo modos universais de convívio humano. Se bem considera essa perspectiva válida em outros contextos, ajudando a promover sua expansão, deixou de ser aconselhável. No plano internacional, pelas conseqüências antes mencionadas, internamente, porque estimula um clima intelectual propício à acomodação no desfrute da vitória e à perda de vigilância em relação aos inimigos.

Para Chalmers Johnson (2004), um crítico da política externa de George W. Bush, a atuação internacional dos Estados Unidos aparenta adotar a tese do Choque de Civilizações, embora em um sentido oposto do isolacionismo prescrito por Huntington, recriando um "missionarismo" fundamentalista cristão. Apesar de avaliar negativamente os custos econômicos da dominação militar do mundo, que desvia recursos da economia privada e contradiz o espírito de livre iniciativa, Johnson (idem: 310) não assume uma posição definitiva sobre o futuro: "deve-se reconhecer que qualquer estudo sobre o nosso império é um trabalho em andamento. Mesmo que possamos conhecer seus resultados eventuais, não está totalmente claro o que vem depois".

Unilateralismo/Multilateralismo: A "Doutrina Bush"

Na era das armas nucleares, não é possível imaginar a emergência de novas superpotências como resultado da derrocada militar das anti-gas. Como mostra a experiência da ex-União Soviética, a implosão pode resultar da incapacidade do sistema de responder às pressões originárias de um cenário internacional cuja dinâmica se torna incompatível com a manutenção da ordem vigente.

A Rússia apresenta-se como o elo fraco das crises que inauguraram e fecharam o curto século XX delimitado por Hobsbawm. A revolução vitoriosa de 1917 gerou um modelo de desenvolvimento que transformou o país em protagonista central das relações internacionais, cabendo-lhe papel de destaque na vitória dos aliados na Segunda Guerra e compartilhando com os Estados Unidos o statusde superpotência nas décadas da Guerra Fria. No entanto, sucumbiu perante os desafios da radicalização de antagonismos promovida pelo governo Reagan. Os crescentes esforços econômicos exigidos pela manutenção do equilíbrio de poder minaram a capacidade de sustentação do sistema, em um contexto em que os rápidos avanços no campo tecnológico aprofundam as disparidades entre os países que lideram o processo de inovação, marcadamente as potências capitalistas, e aqueles como a antiga URSS, cujo crescimento permanece fortemente dependente da disponibilidade de mão-de-obra e de recursos naturais.

No caso dos Estados Unidos, é possível caracterizá-lo, na perspectiva de Arrighi e Silver (2001), como o atual elo fraco da cadeia imperialista? Como bem mostra Ceceña (2002), a hegemonia do país não se dá apenas no campo militar, mas também no econômico e cultural.

Do meu ponto de vista, o unilateralismo da política externa de George W. Bush não é uma resposta improvisada aos atentados de 11 de setembro, é uma marca característica da sua gestão. Desde a posse, redefine a posição do país frente a importantes tratados internacionais, sinalizando várias diferenças em relação à administração anterior, como as decisões contrárias à ratificação do protocolo de Kyoto, à criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) e à proposta de revisão do Tratado Anti-mísseis Balísticos (TAB).

Os atentados contribuem para consolidar no interior do establishment as posições favoráveis à entronização dos Estados Unidos como principais responsáveis pela vigilância e punição dos inimigos da ordem, já não como guardiões do "mundo livre", mas como protetores das fronteiras que separam a "civilização" da "barbárie", dotando a guerra declarada ao terrorismo de contornos bem amplos. A caracterização dos grupos patrocinadores do terrorismo é suficientemente ambígua, como que para justificar a inclusão ou exclusão de organizações ou movimentos de acordo com os interesses conjunturais do país. Conforme explicitou Colin Powell (2001), secretário de Estado no primeiro mandato de Bush: "Qualquer organização que esteja interessada em operações terroristas para subverter os governos legítimos, democraticamente eleitos, ou governos que representam a vontade de seu povo, é uma ameaça".

A despeito do apoio internacional recebido pelos Estados Unidos no ataque ao Afeganistão, a rápida vitória militar contribuiu para fortalecer o unilateralismo. O resultado foi a formulação de uma nova concepção na orientação das relações internacionais do país, que passou a ser conhecida como "Doutrina Bush", cujo alvo imediato foi o regime iraquiano de Saddam Hussein.

Conforme explicita o documento "A Estratégia de Segurança Nacional dos EUA" (NSC, 2002), dado a conhecer pela Casa Branca em setembro de 2002, a contenção e a dissuasão, que nortearam a política externa nas décadas da Guerra Fria, perdem centralidade para a preempção e a prevenção, justificando ataques contra Estados e organizações suspeitos de planejarem atos de hostilidade contra o país e os seus aliados.

"Na Guerra Fria, especialmente no contexto da crise dos mísseis cubanos, nós geralmente enfrentamos um statusquo, um adversário com aversão ao risco. A contenção era uma defesa eficaz. Mas a contenção baseada somente na ameaça da retaliação tem menos probabilidade de funcionar contra líderes de Estados fora-da-lei com maior disposição para assumirem riscos, jogando com as vidas de seus povos e a riqueza de suas nações. Para prevenir ou impedir tais atos hostis por parte dos nossos adversários, os Estados Unidos, se necessário, atuarão preventivamente" (idem:15).

A nova postura está animada pela exaltação das virtudes do capitalismo e da democracia liberal, pilares de um modo de vida que se pretende universal: "Os grandes conflitos do século XX, travados entre a liberdade e o totalitarismo, terminaram com a vitória decisiva das forças da liberdade - e com um único modelo sustentável para o êxito de uma nação: liberdade, democracia e livre iniciativa" (idem:1).

A opção pelo unilateralismo, apresentado como custo inevitável do combate às novas formas de terrorismo, recebe críticas de funcionários da administração anterior, que se posicionam em favor de uma concepção multilateral das relações internacionais. De acordo com Joseph Nye Jr. (2004), secretário adjunto da Defesa no governo Clinton, o unilateralismo estaria solapando as bases do poder brando (soft power) do país, pautado pela atração exercida por seus valores, instituições e ideologia, levando a uma exacerbação pouco inteligente do poder duro (hard power), associado à capacidade de induzir a determinados comportamentos.

Na era informacional, a distribuição global do poder entre as nações não pode ser reduzida ao plano militar. Nye Jr. identifica três dimensões. No topo, o militar, que é nitidamente unipolar; no meio, uma economia em que vários pólos disputam o jogo e os Estados Unidos vêem limitada sua hegemonia diante de atores do porte da União Européia; e na base, relações de caráter transnacional: "o poder está disperso de forma caótica e não tem sentido utilizar termos tradicionais como 'unipolaridade', 'hegemonia', ou 'império americano'" (idem:137). Se o governo dos Estados Unidos concentrar sua estratégia em um jogo unilateral basicamente direcionado à dimensão militar, descuidará das duas dimensões em que o poder tende a diluir-se em uma gama ampla de atores. De uma perspectiva de amplitude global, essa postura pode redundar em perda crescente de influência. Para Nye Jr. (idem: 146-147),

"A administração de Bush identificou corretamente a natureza dos novos desafios que enfrenta a nação e reorientou conseqüentemente a estratégia americana. Mas tanto a administração, como o Congresso e a população, dividiram-se entre diversas abordagens sobre a posta em prática da nova estratégia. O resultado tem sido uma mistura de êxitos e falhas. Estamos tendo mais sucesso no domínio do poder duro, em que investimos mais, treinamos mais, e temos uma idéia clara do que estamos fazendo. Temos acertado menos nas áreas do poder brando, em que a nossa diplomacia pública tem sido preocupantemente inadequada e a nossa negligência com os aliados e instituições têm criado um sentimento de ilegitimidade que desgasta nosso poder de atração".

A lógica do governo Bush foi bem sintetizada por Paul Wolfowitz (apud Gardels, 2002), secretário adjunto da Defesa no primeiro mandato, para quem os Estados Unidos estariam exercendo um papel de liderança no resguardo de interesses que envolvem a comunidade internacional, combatendo os países hostis que fomentam o terrorismo.

"Para nós, poder militar é muito mais um meio de defesa. A grande força dos EUA não é seu poderio militar, mas seu poder econômico. E mais potente ainda é nossa força política - aquilo que significamos. No mundo todo, mesmo em países cujos regimes nos odeiam, o povo admira o nosso sistema [...]. Claro que há diferença de interesses entre países, mas por causa do modo como definimos nossos interesses existe uma compatibilidade natural de interesses entre os EUA e os outros países" (idem: A25).

De acordo com Wolfowitz, não há unilateralismo, mas exercício legítimo do poder por parte de um Estado que utiliza sua força em nome do interesse geral. Para ele, o poderio militar norte-americano é "uma espécie de cerca protetora em torno da liberdade. Permite-nos fixar certas fronteiras; não admite que exércitos numerosos atravessem fronteiras" (ibidem).

O (Novo) Imperialismo Norte-americano

Ivo Daaler e James Lindsay (2003), ex-funcionários do Conselho de Segurança Nacional no governo Clinton e pesquisadores da Brookings Institution1 1 . A Brookings Institution é considerada o mais antigo Think Tank dos Estados Unidos. Fundada em 1916, atua nas áreas de educação, economia, política externa e governança. Em termos políticos, assume uma opção explícita pelas posições moderadas, acima de definições partidárias, embora seja considerada tradicionalmente próxima ao Partido Democrata. William Cohen, secretário da Defesa, Lawrence Summer, secretário do Tesouro, e Joan Edelman Spero, subsecretária do Departamento de Estado para Economia, Negócios e Agricultura do governo Clinton, pertenceram à instituição. 2 . O Project for the New American Century, criado em 1997, tem entre os membros fundadores intelectuais conservadores, como Norman Podhoretz e Francis Fukuyama, e figuras que têm forte protagonismo na administração de George W. Bush, como Elliott Abrams, Jeb Bush, Dick Cheney, Paula Dobriansky, Zalmay Khalilzad, Lewis Libby, Donald Rumsfeld e Paul Wolfowitz. 3 . O neoconservadorismo tem uma forte presença intelectual nos Estados Unidos, que envolve principalmente a participação em Think Tanks como o American Enterprise Institute e The Project for the New American Century,e a veiculação de idéias por meio de publicações periódicas, em que se destacam Commentary, The Public Intereste The Weeckly Standard. Em termos de influência política, adquiriu grande visibilidade durante o governo Reagan, que se ampliou na administração de George W. Bush, especialmente após o 11 de Setembro de 2001, quando os neoconservadores assumiram a liderança na formulação das novas diretrizes da política externa.

Quais conflitos tem a participação dos Estados Unidos?

RESPOSTA: Os conflitos presentes no Iraque, Afeganistão, Síria, Paquistão, Palestina e Israel. As principais estratégias utilizadas pelos Estados Unidos são intervenções militares, com a mobilização de tropas das forças armadas, e o apoio político e econômico aos países aliados.

Quantas guerras Os EUA já participou?

Lista de duração da participação dos Estados Unidos em guerras.

Qual foi a participação dos EUA na 1 Guerra Mundial?

Entrada dos EUA na guerra Em 1917, os EUA decidiram entrar efetivamente (com soldados e presença física nos campos de batalha) na Primeira Guerra ao lado da Inglaterra e França. A presença dos EUA foi decisiva para a vitória da Entente, pois pegou os alemães e italianos desgastados, após 3 anos de guerra.

Em quais conflitos mundiais Estados Unidos e a URSS participaram indiretamente um contra o outro?

Exemplos dessas guerras foram a intervenção norte-americana no Vietnã, durante as décadas de 1960 e 1970, a intervenção soviética no Afeganistão, final dos anos 1970 a meados dos anos 1980 e o envolvimento direto ou indireto dessas superpotências em praticamente todas as guerras no Oriente Médio, especialmente a luta ...