Por quê doar medula dói


Este é um procedimento rápido, que não exige ao doador modificar sua rotina 

Por Natália Mancini

O processo de doação de medula óssea, ao mesmo tempo que é simples, enfrenta um grande dilema. É comum que os pacientes necessitem fazer o transplante o mais rápido possível, entretanto achar um doador compatível pode ser algo demorado. Por isso a importância de haver um grande número de pessoas inscritas no Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (REDOME) e que o cadastro esteja sempre atualizado. Uma vez achado um doador, seja ele um desconhecido ou membro da família do paciente, o procedimento para a doação acontece sem complicações.

O transplante de medula óssea (TMO) pode ser indicado como forma de tratamento para cerca de 80 doenças. Dentre elas, leucemias agudas, leucemia mieloide crônica, linfomas, mieloma múltiplo, anemia aplásica grave e talassemia. Em alguns casos, o TMO é a única possibilidade de cura para o paciente.

Por quê doar medula dói
A medula óssea é um líquido-gelatinoso que está localizado no interior dos ossos. Ela é constituída de células que dão origem ao sangue, também conhecidas como células-tronco, ou células mãe. Essas células são responsáveis pela produção dos glóbulos vermelhos, brancos e plaquetas.

“A medula óssea que é retirada para doação é como se fosse a fábrica das células sanguíneas. É ela que produz todas as células do sangue”, diz o Dr. Roberto Luiz da Silva, coordenador da equipe de Hematologia e Transplante de Medula Óssea do IBCC Oncologia.

Compatibilidade de medula óssea

Assim como acontece nos transplantes de órgãos, é preciso que a medula do doador seja compatível com a do paciente. Caso contrário, a medula será rejeitada. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), a compatibilidade é determinada por um conjunto de genes localizados no cromossomo 6, que devem ser iguais entre doador e receptor.

Tanto quem é um potencial doador, quanto o paciente são submetidos ao exame de histocompatibilidade (HLA) para que os genes possam ser analisados. Se as duas medulas forem compatíveis, então o transplante pode acontecer

Como é feita doação de medula óssea?

A doação pode ser feita por dois tipos de pessoas, um doador cadastrado no REDOME ou um parente do paciente. O mais comum, é que a procura por uma medula compatível se inicie entre os familiares. O indivíduo que, por meio do HLA, demonstrar ter maior compatibilidade, realizará a doação.

Por quê doar medula dói
Artur Miranda, 21 anos, estudante de jornalismo e criador de conteúdo, conta que a primeira reação ao saber que seu meio-irmão precisaria realizar o TMO foi querer ajudar.

“O que passou, em primeiro, pela minha cabeça foi, realmente, que eu queria ser o doador e eu queria ajudar ele. Porque quando você recebe uma notícia dessa, você se sente muito impotente, não tem o que fazer para ajudar. E eu queria me sentir parte do processo de recuperação dele. ”

 O diagnóstico de leucemia mieloide aguda (LMA) aconteceu em julho de 2020. Logo em seguida, a família já recebeu a notícia que seria necessário realizar o TMO e todos se mobilizaram para fazer o teste de HLA.

“Fui eu e mais dois primos e, depois, foi o pai do meu irmão e a minha mãe também. No final, quem teve a maior compatibilidade fui eu, que era de 50%, mas a minha família inteira se mobilizou”, Artur relembra. 

O Dr. Roberto explica que os familiares são os primeiros a serem testados justamente pela maior probabilidade.

“As chances de encontrar um doador compatível entre irmãos é de 25% e aumenta quando se pensa em um transplante haploidêntico (50% compatível). Havendo um irmão totalmente compatível, este será a primeira escolha para ser o doador. ”

Caso não seja possível encontrar um familiar para realizar o procedimento, recorre-se ao REDOME. 

“Estima-se que a chance de encontrar um doador não aparentado compatível é de 1 em 100 mil”, ressalta o médico.

O que acontece com o doador de medula óssea antes da doação?

Por quê doar medula dói
Ao encontrar um possível doador, essa pessoa é submetida a uma série de avaliações para confirmar se está saudável. 

“O processo foi muito longo. Desde julho, fiquei fazendo exames sem parar. Fiz hemograma completo, vários testes que eram pedidos, e que também eram coletados pelo sangue, exame de urina e todo parecer cardiológico. Fiz um ecocardiograma, eletrocardiograma e o Holter também”, o estudante relata. 

No caso do doador não aparentado, encontrado pelo REDOME, antes desses exames há a etapa de entrar em contato com a pessoa. Isso é feito por meio do telefone ou e-mail registrado no momento do cadastro. Por isso é importante sempre atualizar o cadastro de doação de medula óssea.

“O potencial doador é convidado a realizar novos testes de compatibilidade. Sendo confirmada, uma avaliação clínica e laboratorial é realizada. No caso de bom estado-de-saúde do doador, a doação é agendada”, o Dr. Roberto informa. 

Antes do procedimento, o doador, normalmente, não precisa alterar nenhum hábito da sua rotina. Entretanto, atualmente, devido ao novo coronavírus, recomenda-se manter todos os cuidados e distanciamento social nos dias anteriores ao procedimento. Também devido à pandemia, os médicos solicitam a realização do exame do RT-PCR, para detectar a doença, no mínimo, duas vezes. 

“Os cuidados que eu tive que tomar foram me alimentar um pouco mais saudável e, principalmente, ficar em casa. Eu fiquei de quarentena rígida por, pelo menos, 14 dias. Acredito que tenha sido até um pouco mais. Eu não saí de casa por absolutamente nada por medo de pegar a COVID-19. Inclusive, o coronavírus foi uma coisa que complicou muito tudo”, Artur diz. 

O Dr. Roberto pontua que caso haja necessidade de algum cuidado específico, o doador será orientado durante a avaliação pré-coleta.  

Como é o procedimento para a doação de medula óssea?

Por quê doar medula dói

Existem dois tipos de doação de medula óssea. O primeiro é por meio de punções na região pélvica superior, no osso do quadril. E o segundo, por aférese, no qual a coleta das células é feita diretamente da corrente sanguínea.

“Ultimamente a coleta de células periféricas tem sido bastante utilizada. Porém, o médico do paciente é que deve escolher qual fonte de doação será a mais benéfica. Isso depende  de alguns fatores, como por exemplo, o tipo de diagnóstico, compatibilidade sanguínea, etc”, o especialista esclarece. 

Depois de meses fazendo exames, Artur realizou a doação por punção em novembro de 2020. Nesses casos, o procedimento ocorre em um centro cirúrgico e o doador recebe anestesia peridural ou geral. Por esse motivo, é necessário que permaneça internado durante 24 horas. A coleta das células dura cerca de 90 minutos e são realizadas de quatro a oito punções, em dois locais.

Já no caso da doação por aférese, feita diretamente na corrente sanguínea, dura cerca de três a quatro horas. Entretanto, nesse caso, há um cuidado extra no período pré-procedimento. Cinco dias antes da coleta, o doador recebe um medicamento para estimular a produção e liberação das células-tronco no sangue.

De acordo com o Dr. Roberto, o volume de sangue retirado do doador é de 10ml/kg do paciente, não podendo ultrapassar 15ml/kg do doador. Ou seja, para cada quilo do paciente é retirado 10ml do sangue de medula óssea do doador. Sendo que, para cada quilo do doador, o máximo que se pode retirar é 15ml. Dessa forma, um doador com 60kg poderia doar até 900ml de sangue.

 “Essa quantidade é recuperada pelo organismo dentro de algumas semanas, sem prejuízo para o funcionamento do organismo”, informa o médico.

Doar medula óssea doi?

Por quê doar medula dói
“Na minha experiência, o transplante de medula óssea foi muito simples. Eu tive anestesia geral e não senti nada. Aí, depois, é que vem a parte mais chata de todo o processo”, Artur comenta.

Ele descreve que, no dia seguinte ao procedimento, teve que ficar deitado o dia todo. Entretanto, no segundo dia já estava liberado para andar, mas sentia um pouco de incômodo. 

“Então são dias que você realmente precisa ter um descanso e ficar parado. Senão, é uma dor realmente chata, como se fossem pontadas na região do ilíaco, onde foram feitas as punções. Porém, ela é tranquilamente administrável com medicação. ”

Além dos analgésicos, ele também fez uso de medicações para enjôo e  reposição de ferro.

O Dr. Roberto conta que é normal precisar dessa reposição de ferro para auxiliar o organismo a se recuperar. Ele também fala que o doador deve se hidratar bastante nos dias seguintes à coleta. E, caso apresente algum sintoma inesperado, a pessoa deve procurar a equipe médica que realizou o procedimento.

 “O mais chatinho é o pós-cirúrgico, mas dura poucos dias. Na minha experiência, depois de cinco dias, eu já estava muito tranquilo. E depois de uma semana eu já estava na minha vida normal. É uma coisa que vale muito a pena, então não me desencorajou ou me fez ficar mal por nenhum momento. Eu sabia que estava fazendo uma coisa muito maior e muito grande”, Artur afirma.

Para aqueles que fazem a coleta por aférese, somente é necessário manter repouso no dia da coleta. É possível que a pessoa sinta um desconforto durante o procedimento devido à punção da veia. Em alguns casos, o doador também pode apresentar formigamentos por conta do anticoagulante utilizado.

A importância de doar medula óssea

Por quê doar medula dói

“Hoje, meu irmão está mais feliz do que nunca, agradecendo por tudo. Ele já era uma pessoa extremamente iluminada e, agora, eu acredito que seja ainda mais. Ele está recebendo muito amor dos filhos, da esposa, meu, da minha mãe e de toda a família. Está se recuperando e está cada vez melhor”, Artur revela.

Ele ainda conta que após o TMO, seu meio-irmão enfrentou algumas dificuldades. Entretanto, 15 dias após o transplante, aconteceu a pega da medula. 

“No dia 19 de novembro, meu irmão me mandou uma mensagem falando que a medula havia pegado. Foi um alívio e felicidade enorme para mim! Em dezembro, quando saiu o mielograma, ele tinha conseguido chegar a mil leucócitos, que era uma coisa que estava difícil de acontecer e a gente comemorou muito. ”

O criador de conteúdo considera ser importante a população conhecer mais sobre o transplante de medula. Assim, ele diz, será possível compreender que é um procedimento simples, que está ao alcance de todos e pode ajudar uma grande quantidade de pacientes.

“Acredito que o maior presente é saber que você, com algo do seu corpo, que vai ser reposto, vai conseguir salvar a vida de alguém. Eu recebo diversas mensagens do meu irmão, que me emocionam muito até hoje quando eu leio. É algo que eu nunca vou receber de ninguém na vida, porque o jeito que a pessoa fala com você tem uma carga emocional muito forte. Então, independente de ser da sua família ou não, eu acho que você receber o relato dessa pessoa e ela estar te agradecendo por você fazer uma coisa que é tão simples é realmente incrível! ” 

Quem pode doar medula óssea?

Por quê doar medula dói
Para se tornar um doador, a pessoa precisa:

– Ter entre 18 e 55 anos de idade;

– Estar em bom estado geral de saúde;

-Não ter doenças infecciosas ou incapacitantes;

-Não apresentar doença neoplásica (câncer), hematológica (do sangue) ou do sistema imunológico

Além das dua restrições mencionadas acima, há algumas situações nas quais a pessoa pode ficar incapacitada de doar por um certo tempo:

-Resfriado, gripe, diarréia, febre, vômitos, extração de dentes ou infecções: impede a doação nos 7 dias seguintes;

-Gravidez, parto normal, por cesária ou aborto: impede a doação entre 6 a 12 meses

-Exames de endoscopia, colonoscopia ou rinoscopia: impede a doação entre 4 a 6 meses;

-Realização de tatuagem, colocação de algum piercing ou realização de algum tratamento de acupuntura ou mesoterapia: impede a doação durante 4 meses.

Pensando nesses impeditivos temporários, Artur comenta que tem tatuagens, entretanto vai “guardar um tempo sem fazer novas para doar medula de novo, quando eu puder. ”

Como ser doador de medula?

Por quê doar medula dói
1) Procurar um hemocentro que faça o cadastro no REDOME e agendar uma consulta de esclarecimento. 

2) Comparecer ao hemocentro no dia e data marcados com um documento de identidade

3) Assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

4) Retirar uma pequena quantidade de sangue (10ml) para o teste de compatibilidade

Os dados pessoais e o tipo de HLA do doador serão incluídos no REDOME.  Quando houver um paciente com possível compatibilidade, a pessoa será contatada por meio do telefone ou e-mail disponibilizados no cadastro. Dessa forma, é essencial que, uma vez registrada como doador, a pessoa mantenha o seu cadastro atualizado.

“No caso de encontrar um doador compatível, será preciso achá-lo o mais rápido possível. Em muitos casos, o paciente realiza tratamentos quimioterápicos para diminuir a doença e realizar o transplante. Porém, algumas doenças são muito agressivas e podem reaparecer em um curto tempo após o tratamento. Daí a importância de conseguir contatar o doador e viabilizar o transplante em um curto período, na tentativa de que o paciente receba o transplante antes da doença voltar. Por isso, mantenha sempre seus dados atualizados, principalmente telefone e endereço”, o Dr. Roberto alerta.

As informações podem ser alteradas pelo próprio site do REDOME: redome.inca.gov.br/doador-atualize-seu-cadastro

Posso doar medula mais de uma vez?

Por quê doar medula dói
O Dr. Roberto conta que é possível sim e não há uma quantidade máxima de vezes que uma pessoa pode doar. Isso acontece porque as células se renovam, aproximadamente, a cada 30 dias.

“Tudo vai depender da avaliação geral do doador no momento em que for necessária a nova coleta”, ele explica.

Artur enfatiza que com certeza faria a doação de medula óssea novamente e que, inclusive, é algo que ele tem vontade de fazer.

Doação de medula óssea e paraplegia 

Por quê doar medula dói
Há uma crença que doar medula óssea pode deixar a pessoa paraplégica, porém não há chances disso acontecer. O doutor explica que o motivo disso é porque a medula espinhal e a medula óssea são totalmente diferentes. 

A medula espinhal, juntamente com o cérebro, forma o sistema nervoso central. Esse conjunto está localizado dentro da coluna vertebral e é responsável por conduzir informações de diversas regiões do organismo para o cérebro e deste para outras regiões.

Já a medula óssea preenche a cavidade interna de alguns grandes ossos, por exemplo o da bacia, esterno, fêmur. Como mencionado anteriormente, ela é responsável pela produção das células sanguíneas.

“Então a medula coletada é a medula óssea, não a medula espinhal, sem riscos de paraplegia”, o Dr. Roberto reforça.

Quarto de isolamento do TMO – Muitos cuidados são necessários!

Por que é preciso refazer a vacinação pós-transplante de medula óssea?


Como é retirado a medula do doador?

Na coleta de medula óssea, o procedimento ocorre em centro cirúrgico, sob anestesia peridural ou geral, e requer internação de 24 horas. As células serão coletadas através de punções na região pélvica posterior (osso do quadril) e dura cerca de 90 min.

Como a pessoa se sente após transplante de medula óssea?

No primeiro ano após o TMO, o corpo fica mais vulnerável a infecções. Evite contato com portadores de doenças contagiosas, plantas e animais. Germes encontrados em piscinas, lagos e praias podem transmitir infecções e devem ser evitados por, pelo menos, um ano após o tratamento.

Quanto tempo demora para a pega da medula?

Este período pode oscilar entre 14 a 21 dias. Findo este tempo, os leucócitos começam a subir e atingem contagens superiores a 1000 / mm3 no sangue periférico. Este aumento nas taxas leucocitárias recebe o nome de enxertia medular ou “ pega” da medula óssea e significa que a medula já está instalada e funcionando.

Em que parte do corpo fica a medula óssea?

A medula óssea é um tecido líquido que ocupa o interior dos ossos, sendo conhecida popularmente por 'tutano'.