O que aconteceu com a cidade de Atlântida?

O mito da Atlântida baseia-se, desde o princípio dos tempos, na existência de uma ilha chamada Atlântida, que, juntamente com todos os seus habitantes, fora engolida pelo oceano.

Situada no Oceano Atlântico, esta terra possuía uma civilização mais antiga do que a dos Árias (Arianos) e mais civilizada do que a egípcia. O império próspero de Atlântida estendia-se por uma vasta região, com bosques, montes e templos de grande beleza, rios, lagos e estradas sem fim, onde palácios maravilhosos, jardins suspensos e torres de cúpulas douradas espelhavam o orgulho de um povo.

Entre os atlântidas ou atlantes, corpo, mente e espírito eram alimentados por uma arte, religião e filosofia mais avançadas do que as dos Gregos. Os sábios estudavam o movimento dos astros e meditavam sobre os segredos do Universo enquanto os homens se fundiam nos mistérios da natureza. O homem comum tinha acesso a todo este conhecimento e vivia sabiamente na simplicidade do dia a dia, gozando da paz que o respeito pela tradição e pelas leis equilibradas gerava. A sua perfeição e felicidade eram tão grandes que os próprios deuses ficaram invejosos e resolveram seduzir os habitantes com a ambição do poder e das conquistas.

Os atlantes formaram exércitos invencíveis, só possíveis com os seus elevados conhecimentos científicos. Invadiram a Europa e a Ásia, matando e pilhando, vencendo e escravizando. Dominadores da Terra, voltaram vitoriosos a Atlântida, acompanhados de tesouros incalculáveis, belas princesas escravizadas e humilhados guerreiros algemados. Recebidos com êxtase pelo seu povo, os guerreiros atlantes, orgulhosos e arrogantes, em vez de agradecerem aos deuses dos céus, elegeram um imperador como o deus atlante na Terra. Ressentidos, os deuses fizeram tremer a terra e provocaram inundações tais, que, no dia seguinte, no lugar onde antes existia a grande Atlântida, estendia-se o oceano imenso e azul.

Esta lenda de mistério e encanto aparece pela primeira vez em Platão, que se baseia nos escritos de Sólon, legislador grego, que tinha vivido 150 anos antes de Platão, e que tinha ouvido a história de Atlântida a sacerdotes egípcios, durante a sua viagem ao Egito. Estes sacerdotes contaram-lhe a razão pela qual os Egípcios respeitavam os atenienses e lhes estavam gratos. Em tempos muitos antigos, cerca de nove mil anos antes da época de Sólon, os atenienses tinham lutado contra os guerreiros da Atlântida, vencendo-os. Os atlantes tinham invadido a Europa e a Ásia e os atenienses formaram uma coligação com os outros povos da Grécia para os combaterem. Apesar dos aliados terem desertado, os atenienses lutaram sozinhos, libertando não só Atenas como também o Egito e outros reinos do jugo da Atlântida. Pouco tempo depois desta vitória, Atlântida sofreu terríveis terramotos e inundações e, juntamente com todo o seu povo, desapareceu, engolida pelo mar.

Segundo as notas de Sólon, na partilha da Terra entre os deuses imortais, Atlântida tornou-se pertença de Poseidon. A ilha fora habitada pelos atlantes, descendentes de Atlas, filho de Poseidon. O reino foi próspero até ao momento em que as leis de Poseidon deixaram de ser respeitadas, o que originou a intervenção dos deuses, que castigaram os seus habitantes com a destruição de Atlântida.

Qualquer que seja a versão da lenda, Atlântida foi sempre considerada como símbolo da Idade de Ouro, do paraíso perdido e da cidade ideal, na qual o próprio Platão projetou os seus ideais de uma civilização perfeita.

  • Andrew Lofthouse
  • BBC Travel

11 agosto 2022

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Escavações e novas tecnologias estão revelando conhecimentos sobre a cultura dos tartessos

Mitos e mistérios rodeiam a antiga sociedade dos tartessos, que chegou a ser confundida com a lendária Atlântida.

Depois de caminhar por uma estrada de cascalho, rodeada por planícies ressecadas, chego finalmente ao sítio arqueológico de Cancho Roano, no vale do rio Guadiana, na região da Extremadura (sudoeste da Espanha).

  • A misteriosa civilização antiga que ainda fascina nos dias de hoje

Enquanto observo, fico imaginando como devia ser diferente a aparência desta terra plana, árida e empoeirada 2.500 anos atrás, quando era um centro de comércio e adoração para os tartessos — uma misteriosa sociedade que se desenvolveu na Península Ibérica entre os séculos 9 e 5 a.C., até que, repentinamente, desapareceu.

Hoje, pesquisas em andamento com novas tecnologias trazem mais revelações sobre a civilização perdida e seu papel na história ibérica.

Quem eram os tartessos?

Milênios atrás, textos gregos e romanos mencionavam Tartesso, mas descrições conflitantes — e, por muito tempo, falta de evidências arqueológicas conclusivas — impediram os arqueólogos e historiadores modernos até mesmo de definir com precisão o que seria Tartesso: uma cidade? Um reino? Um rio?

Heródoto, o historiador grego do século 5 a.C., escreveu sobre uma cidade portuária além das Colunas de Hércules (atualmente, o Estreito de Gibraltar), o que levou alguns pesquisadores a imaginar que Tartesso seria um corpo d'água e outros, que fosse um porto (possivelmente, perto da atual cidade de Huelva, no litoral sul da Espanha).

Houve também teorias de que Tartesso seria a mítica Atlântida. Inspiradas pelos textos de Aristóteles, essas teorias foram amplamente descartadas pela comunidade científica.

Nos dias atuais, os tartessos são geralmente considerados uma civilização que se formou a partir de uma mistura de habitantes locais e colonizadores gregos e fenícios na Península Ibérica. Eles eram ricos, graças aos seus grandes recursos minerais e a uma próspera economia comercial.

As primeiras descobertas levaram os historiadores a acreditar que a civilização estava concentrada em volta do vale do rio Guadalquivir, na região espanhola da Andaluzia, mas descobertas mais recentes no vale do rio Guadiana (mais a oeste, perto da fronteira entre a Espanha e Portugal) fizeram os arqueólogos repensarem a capacidade de expansão dos tartessos.

Ao todo, mais de 20 sítios tartessianos já foram identificados na Espanha. Três deles foram escavados no vale do Guadiana: Cancho Roano, Casas de Turuñuelo e La Mata.

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'A descoberta de Cancho Roano foi uma revolução na arqueologia da Península Ibérica', segundo o arqueólogo Sebastián Celestino Pérez

O sítio de Cancho Roano

Os arqueólogos descobriram Cancho Roano em 1978. O local revelou mais um pedaço da história.

Ele contém os restos de três templos tartessianos construídos em sequência, cada um sobre as ruínas do anterior, todos orientados para o nascer do Sol. Um centro de interpretação explica o que se sabe da história dos templos e dos artefatos encontrados no seu interior.

As paredes de adobe do templo mais recente (construído perto do final do século 6 a.C.) delimitam 11 cômodos, cobrindo uma área de cerca de 500 m².

Mas, por razões ainda desconhecidas pelos arqueólogos, no final do século 5 a.C., as pessoas que ali viviam conduziram um ritual no qual elas comeram animais, descartaram seus restos em uma fossa central, atearam fogo no templo, vedaram-no com argila e o abandonaram, deixando uma série de objetos queimando no seu interior, como ferramentas de ferro e joias de ouro.

"A descoberta de Cancho Roano foi uma revolução na arqueologia da Península Ibérica", afirma Sebastián Celestino Pérez, que dirigiu a escavação por 23 anos e agora é pesquisador do Instituto de Arqueologia de Mérida, na Espanha.

Ele explica que as paredes, o altar, o fosso e os artefatos do local (como joias, vidros e uma estela de guerreiro) ficaram bem preservados, apesar do fogo, e que muitos cientistas não acreditavam que um lugar como este pudesse ser encontrado fora da Andaluzia, onde haviam sido descobertas todas as evidências anteriores.

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As paredes, o altar (foto), o fosso e os artefatos de Cancho Roano foram bem preservados, apesar do fogo

Sacrifício de animais

O sítio arqueológico de Casas de Turuñuelo só foi estudado nos últimos anos, após sua descoberta em 2015.

Trata-se da construção proto-histórica (da época entre a pré-história e a história) mais bem preservada no oeste do Mediterrâneo e do maior local de sacrifício de animais da região — mais de 50 animais. O sítio está ajudando os cientistas a compreender mais sobre a cultura tartessiana.

"Turuñuelo [foi] um santuário onde os animais também foram sacrificados e atirados no fosso", afirma Celestino Perez. Ele observa que este local também foi queimado e vedado com argila, da mesma forma que Cancho Roano.

"Mas Turuñuelo tem outra funcionalidade, de maior ostentação — é como um símbolo de poder. Ele é da mesma época que Cancho Roano, mas as técnicas de construção utilizadas em Turuñuelo são muito mais avançadas e seus materiais são mais ricos, trazidos de vários pontos do Mediterrâneo", explica o pesquisador.

Usando uma nova tecnologia chamada fotogrametria, arqueólogos estão tirando fotografias das ruínas de Turuñuelo e usando software para combiná-las e criar imagens 3D que reconstroem virtualmente os edifícios.

Este processo os ajuda a compreender os tipos e técnicas de construção, além dos materiais utilizados. Com isso, agora se sabe que as ruínas de Turuñuelo são tartessianas e não romanas, como se acreditava anteriormente.

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Turuñuelo é o maior local de sacrifício de animais da região - mais de 50 animais foram mortos ali

O sítio de La Mata foi encontrado muito antes dos outros dois, em 1930. Mas as semelhanças são notáveis e a abordagem que agora está sendo adotada em Turuñuelo poderá desvendar mais dos seus segredos.

"O mais surpreendente para mim é o hábito muito peculiar [dos tartessos] de destruir suas casas, ou seja, em todos os sítios encontrados foi seguido o mesmo procedimento: esvaziar todos os vasos e ânforas, queimar a construção e enterrá-la", segundo Ana Belén Gallardo Delgado, historiadora e guia em La Mata.

"Com as novas tecnologias, espero que seja possível esclarecer muito mais sobre as origens desta civilização e analisar um pouco mais a sua forma de vida", afirma ela.

"A presença tartessiana em Extremadura está se revelando cada vez mais importante, graças aos novos avanços da arqueologia. Também se acredita que mais oito túmulos encontrados na região de Badajoz [também na Extremadura] possam ser construções tartessianas, como as já escavadas."

Crédito, AFP

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Maquete do sítio de Cancho Roano mostra os restos do último templo do local, construído perto do final do século 6 a.C.

Enquanto as pesquisas prosseguem nos sítios arqueológicos da Extremadura (Cancho Roano e La Mata estão abertos ao público), os fãs de história podem também observar ferramentas tartessianas, estatuetas de cavalos e marfim decorado no Museu Arqueológico de Badajoz.

O museu está localizado dentro da fortaleza moura de Alcazaba, construída no século 12 no topo de um morro e rodeada por jardins bem conservados, perto da fronteira com Portugal.

As primeiras escritas

Enquanto eu observava uma galeria dedicada à proto-história espanhola, a atendente do museu Celia Lozano Soto indicava uma estela (coluna de pedra) gravada com inscrições tartessianas — o primeiro registro escrito conhecido da Península Ibérica.

"O idioma ainda está sendo estudado e traduzido", afirma ela. "É uma mistura de coisas diferentes que o tornam único."

Um escrito curioso de cerca do século 8 a.C. é derivado do alfabeto fenício. É um palíndromo — ele pode ser lido da direita para a esquerda ou vice-versa, mas os sons representados por cada símbolo ainda são desconhecidos.

Além do idioma, sacrifícios em massa e incêndios, há mais um grande enigma sobre os tartessos: por que essa civilização desapareceu repentinamente cerca de 2.500 anos atrás?

Crédito, Andrew Lofthouse/BBC

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Acredita-se que as inscrições tartessianas, como as desta estela, sejam o primeiro exemplo de escrita na Península Ibérica

O fim da civilização tartessiana

Eduardo Ferrer-Albelda, professor de arqueologia da Universidade de Sevilha, na Espanha, indicou que, como a sociedade tartessiana era rica em metais, qualquer redução do comércio pode ter gerado tensões.

"Também existem registros de uma crise na mineração, mas é preciso que a violência tenha desempenhado um papel importante", explica ele.

"A cooperação entre os fenícios e as aristocracias locais pode ter terminado repentinamente, o que indica que pode ter ocorrido um movimento antifenício e antiaristocrático entre a população da região tartessiana."

Celestino Perez defende outra teoria. Para ele, "atualmente, parece que pode ter havido um terremoto em meados do século 6 a.C., seguido por um tsunami que teria atingido os principais portos tartessianos. Esta teria sido a causa da rápida queda dos tartessos".

Compreender por que a civilização desapareceu é importante, mas o impacto sociocultural dos tartessos é o foco das pesquisas atuais.

"Foi localizado o que parece ser o porto tartessiano de Huelva. Se for confirmado, pode ser um passo gigantesco para entender a rede de comércio dos tartessos. E os chamados túmulos tartessianos do vale do Guadiana [Cancho Roana, Turuñuelo e La Mata] parecem ser a chave para conhecermos melhor esta cultura", explica Celestino Perez.

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