Como deve ser a relação da equipe de saúde mental com a família e o paciente?

Pesquisa

O cuidado à família de portadores de transtorno mental: visão dos trabalhadores

The mentally handicapped and care to their families: from the point of view of health workers

Silvia Helena ConejoI; Luciana de Almeida ColveroII

IAcadêmica do curso de graduação da Escola de Enfermagem da USP
IIEnfermeira. Professora. Doutora do departamento de Enfermagem Materno Infantil e Psiquiátrica-ENP da Escola de Enfermagem da USP

Endereço para correspondência

Rua Oscar Freire, 1627/08
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E-mail:

Recebido em: 26/07/2005
Aprovado em: 09/09/2005

Resumo

Os transtornos mentais e comportamentais exercem considerável impacto sobre os indivíduos, famílias e comunidades, e a reinserção dos portadores de transtornos mentais na comunidade faz com que a família demande resolubilidade dos serviços para os inúmeros problemas que vivenciam no cotidiano. O objetivo do estudo foi apreender como os trabalhadores de equipamento de saúde mental cuidam da família do portador de transtorno mental. A análise das entrevistas possibilitou identificar que a maioria dos trabalhadores não reconhece em suas atividades o ato de cuidar das famílias e creditam a realização desse cuidado àqueles que são especialistas em trabalhar com famílias.

Palavras-chave: Cuidado em Enfermagem, Saúde Mental, Família

INTRODUÇÃO

Os transtornos mentais e comportamentais exercem considerável impacto sobre os indivíduos, as famílias e a comunidade. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde, uma entre quatro famílias tem pelo menos um membro mentalmente enfermo. A magnitude do problema representa um importante ônus econômico aos países desenvolvidos e em desenvolvimento.(1)

O Relatório sobre a Saúde no Mundo afirma que esses transtornos impõem aos gestores inúmeros custos e que só parte desses é possível de ser quantificada. Entre os elementos da carga econômica que podem ser medidos estão os "serviços sociais e de saúde, a perda de emprego e redução da produtividade, o impacto nas famílias e nos provedores de atenção, os níveis de criminalidade e segurança pública e o impacto da mortalidade prematura". (1)

Nesse contexto, é necessário estabelecer condições básicas de tratamento e cuidados não apenas para o paciente psiquiátrico, mas inclusive para a sua família, ajudando assim, a minorar a sobrecarga do cuidado presente na convivência com um portador de transtorno mental. (2,3) Basaglia(4) afirma que "quando é possível restituir o paciente à família, restitui-se, e que em caso de rejeição e dificuldades, esta deve ser a primeira a ser trabalhada".

No Brasil e em vários países do mundo, assistimos a uma ampliação e reestruturação da atenção no campo da saúde mental, em que os serviços especializados reorientam suas ações e tratamentos ancorados em uma nova concepção do processo saúde-doença mental, cujo enfoque está no sujeito portador do adoecimento psíquico, no contexto de sua vida cotidiana, da família e da sociedade.

A pessoa, agora no centro da ação do cuidado, exige uma movimentação no campo das práticas e políticas de saúde mental e deixa evidente que o adoecimento psíquico carece de dispositivos complexos de tratamento. Assim, para cuidar dessas pessoas e de suas famílias é necessária a ampliação dos modelos de intervenção, multiplicando e diversificando os saberes que os compõem. Segundo Sarraceno(5), isto configura o campo psicossocial, que consiste na incorporação da dimensão social à dimensão biológica e psicológica do processo saúde-doença.

Sabe-se que o adoecimento de um membro desestrutura e enfraquece a unidade familiar, o que historicamente foi intensificado pelas longas internações desses doentes em hospitais psiquiátricos. Assim, afastados de suas famílias e da comunidade, diluíam-se os laços afetivos existentes entre as partes, fazendo com que à volta ao lar, seja permeada por conflitos.

Estudos mostram que o impacto dos transtornos mentais no cotidiano dessas famílias, além de dificuldades materiais e econômicas, apresenta elementos de difícil mensuração como, por exemplo, os conflitos entre os elementos do núcleo familiar dados pela dificuldade de relacionamento com o portador em face de seu comportamento, pelo sentimento de culpa e pessimismo por não conseguirem ver uma saída para os problemas enfrentados, pela sobrecarga do cuidado que os impedem de realizar seus projetos no trabalho, na vida pessoal, nas relações sociais e no lazer.(6,7,8)

Historicamente é possível identificarmos que a família nem sempre esteve incluída no tratamento dispensado às pessoas portadoras de adoecimento psíquico. O modelo de tratamento hegemônico, centrado no hospital psiquiátrico, restringia-se ao isolamento dos portadores e medicalização dos sintomas apresentados por eles, "excluindo-os dos vínculos, das interações, de tudo que se configura como elemento e produto de seu conhecimento". (8)

Inúmeros estudos demonstram a importância da integração da família nos cuidados ao seu familiar doente, promovendo assim a estabilização clínica, a atenuação de recaídas e a diminuição do número de reinternações psiquiátricas. Para que a família seja incluída nesse plano de cuidados, transformando-se assim em agente do cuidado, é fundamental o desenvolvimento de estratégias de inclusão adequadas para essa clientela, sendo necessário o conhecimento do seu mundo, de suas vivências e expectativas, compreendendo as diferentes formas de ver e interpretar a realidade em que vivem.(9)

Com base no exposto e nos resultados obtidos nos estudos junto a familiares de portadores de transtorno mental, evidencia-se que, no projeto terapêutico dos equipamentos de saúde mental, ainda persiste a manutenção de uma abordagem individualizante que não leva em conta o núcleo familiar e as relações que os sujeitos estabelecem em seu interior e fora dele.

Diante desse panorama, começamos a indagar como a família está sendo cuidada pelos serviços de atenção à saúde mental, de acordo com a perspectiva dos trabalhadores de equipamento de saúde mental, visto que a Portaria IGM n.º 336/02 que regulamenta o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossocial em CAPS I, CAPS II e CAPS III, inclui em suas atividades as visitas domiciliares e o atendimento familiar.(10)

Atualmente a Enfermagem, considerada uma disciplina científica, vem contribuindo com estudos e discussões acerca do cuidado humano e do aprofundamento do conceito sobre cuidar/cuidado. O cuidado tem sido identificado como uma característica única e essencial da prática de enfermagem.(11,12)

Para Waldow(13), cuidar significa "comportamentos e ações que envolvem conhecimentos, valores, habilidades e atitudes, empreendidas no sentido de favorecer as potencialidades das pessoas para manter ou melhorar a condição humana no processo de viver e de morrer". Ainda,

"Como cuidado entende-se o fenômeno resultante do processo de cuidar (...) envolve uma ação interativa. Essa ação e o comportamento estão calcados em valores e no conhecimento do ser que cuida para com o ser que é cuidado, e que passa a ser cuidador (...) o cuidado é imprescindível, tanto como uma forma de viver como de se relacionar". (14)

Destacando o "aspecto relacional" como componente fundamental da assistência aos indivíduos no campo da saúde, em especial no campo da saúde mental, o cuidado à família se dá em uma seqüência de atos e parcerias orientados pela singularidade das vivências subjetivas e culturais dos membros do grupo familiar, que objetivam auxiliar os indivíduos envolvidos a superar os problemas vividos e a promover a saúde física e mental. (15)

Pelo exposto, devido a relevância de estudos na área do cuidado humano que contribuem para a formação do enfermeiro, justifica-se a importância de uma pesquisa que, ao considerar os princípios que orientam o processo da Reforma Psiquiátrica em curso no país, possibilite conhecer como a família está sendo inserida no projeto terapêutico dos equipamentos de saúde mental, ou seja, como a família está sendo cuidada pelos trabalhadores desse serviço.

METODOLOGIA

O estudo foi realizado em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS II), equipamento financiado pela Secretaria Municipal de Saúde, pertencente a um Distrito Sanitário da Região Oeste da cidade de São Paulo, cuja área de abrangência inclui seis bairros, com 270 mil habitantes.

O serviço atende adultos com quadro de neuroses graves e/ou psicoses os quais chegam espontaneamente ou encaminhados por outros serviços, entre eles Centros de Saúde, Pronto Socorro de Hospital Geral e Hospital Psiquiátrico da referida área de abrangência.

Os trabalhadores, após serem esclarecidos a respeito dos objetivos do estudo, foram convidados a participar da pesquisa. Dezenove pessoas concordaram em participar e cinco recusaram-se. As entrevistas foram realizadas no serviço, no horário de disponibilidade do trabalhador. Em conformidade com os aspectos éticos da pesquisa científica, cabe ressaltar que, antes do início das entrevistas, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado aos trabalhadores.

A primeira etapa consistiu na caracterização dos trabalhadores, quanto a sexo, escolaridade, formação profissional, tempo que trabalha na área de saúde mental, função e/ou cargo que ocupa e as atividades desenvolvidas no serviço. Dos dezenove trabalhadores entrevistados, treze eram do sexo feminino e seis do masculino e ocupavam diferentes funções como: vigia, auxiliar de enfermagem, enfermeiro, psicólogo, médico, terapeuta ocupacional, assistente social, oficial administrativo e visitador sanitário.

Os entrevistados apresentaram níveis de escolaridade variados, sendo que dez possuíam nível superior completo, quatro nível superior incompleto, três ensino médio completo, e um ensino fundamental incompleto. Aqueles que possuíam nível superior completo foram classificados como técnicos, os demais trabalhadores faziam parte da equipe de apoio. O tempo que trabalhavam na área de saúde mental variou de três meses a trinta e três anos.

A segunda etapa foi destinada à caracterização do cuidado prestado à família do portador de transtorno mental pelos trabalhadores do equipamento de saúde mental.

Os dados coletados foram analisados por meio da técnica de análise de conteúdo do tipo temática que segundo Bardin (16), consiste em "um conjunto de técnicas de análise da comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens".

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste estudo, buscamos compreender como os trabalhadores cuidam da família e, por meio da análise dos depoimentos, identificamos que a maior parte dos entrevistados compreende que esta é uma aliada importante no processo de reabilitação psicossocial do portador de enfermidade mental.

Entretanto, estes profissionais encontram dificuldades para incluí-la no seu plano de assistência por conhecerem muito pouco as famílias de seus pacientes, olharem-nas de forma idealizada e equivocada, concebendo-as sempre como um recurso terapêutico para o tratamento do portador. (17)

O reflexo dessa constatação é que a maior parte das atividades voltadas para as famílias são planejadas sem que as necessidades e demandas dos sujeitos envolvidos sejam conhecidas, tratando-os de forma homogeneizada.(18)

Para a maioria dos sujeitos do estudo, o cuidado é entendido como intervenções sobre sinais e sintomas para obtenção da cura ou melhora do prognóstico da doença. Para as autoras do trabalho, a verdadeira ação terapêutica amplia o cuidado dos aspectos biológicos englobando aspectos sociais e psicológicos.

Cuidar de modo integral do ser humano é a ação terapêutica prevalente no processo de cuidar. Portanto, o cuidado deve ser entendido como uma forma de estar e de se relacionar com o mundo e com o outro; nesse processo aquele que cuida e aquele que é cuidado vivenciam experiências que proporcionam o crescimento e o fortalecimento individual dando significados às suas existências.

Os depoimentos dos trabalhadores nos permitiram identificar a convergência das unidades de significado para dois grandes temas que respondiam como é prestado o cuidado às famílias dos portadores de transtorno mental. São eles:Atendimento não reconhecido como cuidado eFormas distintas de cuidar.

No tema "Atendimento não reconhecido como cuidado", constatamos que os trabalhadores sempre prestam algum tipo de atendimento aos familiares, mas não reconhecem esse ato como uma ação efetiva de cuidar, apresentam uma visão de cuidado como uma ação a ser desenvolvida com uma finalidade específica, isto é, uma ação orientada por uma concepção do processo saúde-doença pautada no modelo médico, centrado e estruturado em torno da caracterização da doença e da intervenção nos sinais e sintomas, com vistas a obter a estabilização do quadro. Além disso, as atividades dos trabalhadores estão organizadas pela lógica da divisão do trabalho de acordo com a especialização e formação do trabalhador.

Num primeiro momento, este cuidado, não reconhecido como tal, é prestado por meio de uma orientação pontual sobre diversos assuntos à família que comparece ou telefona para o serviço, buscando obter algum tipo de informação, como, por exemplo, saber onde fica a farmácia, se o médico está no serviço, como está o seu filho.

Como o paciente está? (...) Onde ele se encontra?

(...) O médico dele ta aí?

(...) onde é a farmácia, onde é o ambulatório? (Beta)

... eles ligam pra saber sobre a medicação... (Theta)

... elas procuram a gente pra saber do paciente, se ele ta melhor... (Epsilon)

Quando as famílias comparecem ao serviço, convocadas ou espontaneamente, esse é um momento em que o cuidado, apesar de não ser reconhecido, está presente, pois abre a possibilidade de acolher muitas das demandas das famílias por meio da escuta das suas angústias, dos medos e das dificuldades, além de detectar os sentimentos de solidão, culpa e pessimismo.

Entretanto, pelo fato de os trabalhadores não reconhecerem nessas intervenções uma ação de cuidado, os familiares se apresentam aos trabalhadores simplesmente como informantes sobre a situação do paciente, recebendo orientações que devem ser seguidas à risca. Por conseguinte, as suas demandas por ajuda muitas vezes acabam sendo ignoradas.

... eles telefonam ou eles mesmo vem aqui dizer que o paciente não estava bem... que não tomou a medicação... (Epsilon)

Foi observado, também, que entre os trabalhadores que não reconhecem como cuidado o seu atendimento dispensado à família, estão, em grande parte, aqueles sem formação de nível universitário, que compõem a equipe de apoio. Esses verbalizam que apenas os técnicos, os quais possuem nível universitário, são os que desenvolvem um cuidado.

... o pessoal [técnicos] está sempre disponível, tá sempre passando alguma coisa, ensinando alguma coisa.(Beta)

... quem acaba fazendo isso são os médicos, as psicólogas.(Gamma)

Outro aspecto observado foi que parte dos trabalhadores da equipe de apoio não se reconhecem como prestadores de cuidado e delegam esta função para aqueles que possuem formação superior, os técnicos. Por outro lado, entre esses trabalhadores, alguns também, acabam não reconhecendo em suas atividades a ação de cuidar das famílias e novamente o trabalho com as famílias é delegado; agora para aqueles que, além da formação universitária, sejam também especialistas no trabalho com as famílias.

Portanto, para esses trabalhadores, sejam técnicos ou não, o agente que presta cuidados aos parentes dos portadores de transtorno mental é ou deveria ser especialista em família.

... é quem tem a formação, seja o psicólogo, o psicanalista.(Alpha)

... alguns deles têm acompanhamento familiar também com os terapeutas daqui do HD... (Mu)

Este olhar que os sujeitos da pesquisa possuem sobre a família não leva em consideração o grupo familiar e os sentidos que o adoecimento de um membro da família provoca em cada indivíduo desse grupo. Silva (19) afirma que "é importante ter claro que o decisivo nem sempre é a doença, mas seus significados e o que esses podem provocar nos membros da família, pois, na maior parte, é justamente daí que emergem suas necessidades e não exatamente da doença, como preconiza o modelo biomédico".

No segundo tema "Formas distintas de cuidar", os trabalhadores percebem que seus trabalhos englobam o cuidado às famílias e muitos são os significados de cuidar encontrado nos seus relatos.

Assim, referem que cuidam da família quando lhe dão atenção, fornecem orientações necessárias, pedidas ou de conveniência, escutam suas queixas e dúvidas sobre os mais diversos assuntos, compreendem as dificuldades encontradas no convívio com o familiar portador de transtorno mental e também quando oferecem um atendimento específico como, por exemplo, psicoterapia, terapia de casal, orientação familiar e ainda quando os familiares são inseridos nos projetos de socialização e geração de renda da instituição.

Para esses trabalhadores "o cuidar parece deixar de ser um procedimento, uma intervenção para ser uma relação onde a ajuda é o sentido da qualidade do outro ser ou vir a ser, respeitando-o, compreendendo-o". (19)

De acordo com essa colocação, encontramos nas falas de alguns trabalhadores não técnicos que, diferentemente de seus pares, se reconhecem como agentes prestadores de cuidados e que a visão de cuidar estápautada em valores como solidariedade, honestidade e compaixão.

... dependendo da família tem que ter mais atenção, ser mais atenciosa, escutar o que ele tem que falar... (Omicron)

... eu sei que eles também tão nervosos pelos problemas do filho, né? (Omicron)

... às vezes eles vêm pedir algum favor, ver alguma coisa, ver advogado, e a gente vai atrás, né? (Rho)

Entre os trabalhadores técnicos, encontramos duas visões de cuidado. A primeira é pautada no conhecimento técnico-científico, na qual o profissional oferece informações sobre a doença, sua evolução, formas de tratamento e reabilitação, orientações para o uso correto de psicofármacos, higienização, outros problemas de saúde e dúvidas que porventura possam surgir.

Essa forma de atenção ajuda os familiares a perceber o doente como pessoa, não sendo premissa a aceitação da doença, mas a compreensão de que os delírios, as alucinações, a agressividade, o embotamento afetivo fazem parte do adoecimento. Possui, também, o intuito de que os familiares do portador de transtorno mental não se sintam tão despreparados e solitários no enfrentamento dos sintomas característicos da doença, fazendo com que a convivência entre eles seja menos marcada por conflitos e que até mesmo possam ajudar o seu familiar.

... eu venho aqui pra conversar com a família, né? Pra esclarecer tal, sobre o tratamento... (Mu)

... eu procuro dar uma retaguarda pra família em termos de informação sobre aquele paciente... (Lambda)

A outra visão de cuidado identificada é a que considera o grupo familiar, com sua dinâmica, com suas dificuldades de convívio com o portador de transtorno mental e isto é relevante, pois nos encontros com os familiares os profissionais procuram aproximar-se dessas famílias, conhecer como cuidam, reconhecer suas necessidades expressas e suas potencialidades.

É sabido que os familiares de doentes mentais privam-se de relacionamentos sociais, renunciam às atividades de prazer-lazer-divertimento e são levados a uma sobrecarga financeira, sobrecarga nas rotinas familiares e sobrecarga em forma de doença física e emocional. (3)

... a dificuldade de todo mundo é importante e não só daquele que é doente, que tem surto, que toma medicação, que já foi internado.(Nu)

... é na linha de dar suporte a algumas questões que vão surgindo aí na dinâmica de ter um filho portador de transtorno mental... (Sigma)

... então vamos conversar todos juntos, vamos falar das dificuldades de vocês juntos, eu posso ser um apoio pra gente tentar tratar dessa dificuldade... (Nu)

As atividades desenvolvidas por esses profissionais, além de trabalhar as ansiedades, fantasias, frustrações, raiva, medo e outros sentimentos provenientes do adoecimento do seu familiar portador de transtorno mental, valorizam, também, as potencialidades de cada indivíduo do grupo familiar, e não somente os aspectos relativos à doença, fazendo com que suas vidas não girem apenas em torno dela.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados nos permitiram constatar que a maioria dos trabalhadores não identifica as atividades realizadas no equipamento de saúde mental como ações de cuidado da família, apesar de considerarem esta como um fator fundamental no processo de reabilitação psicossocial do paciente. Os entrevistados afirmam, ainda, que suas atividades estão direcionadas para o tratamento do portador de transtorno mental.

Essas constatações nos levam a refletir acerca das conseqüências para o modelo assistencial proposto para esse equipamento. O olhar dos sujeitos da pesquisa sobre a família não leva em consideração o grupo familiar e as repercussões que o adoecimento de um membro da família provocam nos demais membros e menos ainda a relação desses indivíduos nos diferentes grupos sociais em que transitam.

Evidenciamos o modelo médico centrado e estruturado em torno da caracterização da doença e da intervenção nos sinais e sintomas, com vistas a obter a estabilização do quadro. Além disso, as atividades dos trabalhadores estão organizadas pela lógica da divisão do trabalho de acordo com a especialização e formação do trabalhador.

Esses fatos contribuem para que uma parcela desses trabalhadores não se reconheça como agente no cuidado às famílias. Sendo assim, esta função acaba sendo delegada a outro profissional que possua maior capacitação técnica, ou seja, especializado para o trabalho com as famílias.

Entendemos que o trabalho com os familiares dos portadores deve ser multiprofissional e interdisciplinar e, portanto, envolver todos os trabalhadores, técnicos e não técnicos, e não ficar restrito ao profissional especializado no trabalho com família. As questões importantes, como os pedidos de ajuda, ocorrem muitas vezes fora dos atendimentos formais e, assim, correm o risco de se perderem e serem, muitas vezes, ignoradas na realização de uma assistência eficiente ao portador de transtorno psíquico e ao seu grupo familiar.

Sabemos da importância que representa para as famílias que se encontram desamparadas diante do adoecimento e das manifestações da doença obterem informações sobre o transtorno mental, seus sinais e sintomas, sobre os psicofármacos, sobre seus efeitos e como obter tais medicamentos. É necessário criar alternativas de intervenções em que o processo de trabalho seja deslocado da doença para os sujeitos envolvidos, fazendo-se necessária a utilização de redes sociais de apoio de diversas naturezas.

Na instituição campo do estudo, este trabalho de expansão da rede social já começa a ser realizado, com a criação de oficinas de reciclagem, corte e costura e artesanato, que contam com a presença de familiares e pessoas da comunidade interessadas em participar. Isso favorece a oportunidade de trocas de experiências bem como a criação e o fortalecimento dos vínculos entre os participantes.

Portanto, esse é um trabalho que não deve ficar restrito apenas ao serviço de saúde mental. Alternativas que não sejam concentradas apenas no CAPS devem ser criadas para que as famílias se fortaleçam diante do quadro de adoecimento psíquico do portador de transtorno mental, possibilitando que a comunidade se envolva como um todo, por meio de parcerias com associações de bairro, Unidades Básicas de Saúde (UBS), com o Programa de Saúde da Família (PSF), a Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, entre outros.

REFERÊNCIAS

1. Organização Pan-Americana de Saúde. Organização Mundial da Saúde. Relatório sobre a Saúde no Mundo 2001 - Saúde Mental: nova concepção, nova esperança. Genebra; 2001.

2. Morgado A. Desinstitucionalização: suas bases e a experiência internacional. J. Brás. Psiquiat. 1994;43(1):19-28.

3. Koga M. Convivência com a pessoa esquizofrênica: sobrecarga familiar [dissertação]. Ribeirão Preto, SP: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 1997.

4. Basaglia F. A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da razão, o otimismo da prática. São Paulo: Brasil Debates; 1979.

5. Sarraceno B. Libertando identidades: da reabilitação psicossocial à cidadania possível. Belo Horizonte: Te Cora; 1999.

6. Moreno V. Vivência do familiar da pessoa em sofrimento psíquico [tese]. Ribeirão Preto, SP: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto; 2001.

7. Melman J. Repensando o cuidado em relação aos familiares de pacientes com transtorno mental [tese]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1998.

8. Colvero LA. Desafios da família na convivência com o doente mental: cotidiano conturbado [tese]. São Paulo: Escola de Enfermagem da USP; 2002.

9. Vianna PCM, Barros S. O processo saúde - doença mental: a exclusão social. REME- Rev. Min. Enf. 2002;6(1/2):86-90.

10. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria/GM n. 336, de 19 de fevereiro de 2002. Orientações para o funcionamento dos Centros de Atenção Psicossociais. In: Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Legislação em Saúde Mental: 1990 - 2002. 3ª ed. Brasília; 2002. p.111-7.

11. Patrício ZM. O processo de trabalho da enfermagem frente às novas concepções de saúde: repensando o cuidado/propondo o cuidado (holístico). Texto & Contexto Enf. 1993;2(1):67-81.

12. Valdow VR. Definições de cuidar e assistir: uma mera questão semântica? Rev. Gaúcha Enf 1998;19(1):20-32.

13. Valdow VR. Cuidado: uma revisão teórica. Rev Gaúcha Enferm. 1992;13(2):29-35.

14. Valdow VR. Cuidado humano e a enfermagem: ampliando sua interpretação. Esc Anna Nery Rev Enf 1997;1(2):142-53.

15. Wright LM, Leahey M. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 3ª ed. São Paulo: Roca; 2002.

16. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.

17. Ornellas CP. O paciente excluído: história e crítica das práticas médicas de confinamento. Rio de Janeiro: Revan; 1997.

18. Silva MRS. A finalidade do trabalho de enfermagem com famílias que convivem com a doença mental em seu cotidiano. Rev. Gaúcha Enf. 2000;21(1):138-151.

19. Waldow VR. Cuidado humano: o resgate necessário. Porto Alegre: Sagra/Luzzatto;1998.

Como deve ser a relação da equipe de saúde mental com a família e o paciente?

É preciso que o profissional crie condições para que o paciente possa comunicar seu sofrimento. O profissional deve dar ênfase no projeto de intervenção à saúde e reinserção social do doente, focalizando a produção da vida, de sentido, de sociabilidade (6P).

Qual o papel da equipe de saúde da família no cuidado em saúde mental?

As ESF são as equipes que conhecem as pessoas do seu território, sua realidade local. Além disso, por sua proximidade com famílias e comunidades podem realizar ações de promoção à saúde mental que possibilitem a ressocialização dos portadores de sofrimento psíquico.

Qual o papel da família na saúde mental?

Em relação à saúde mental, a família permanece como protagonista na promoção de fatores de proteção e redução dos fatores de risco às condições psicológicas de seus membros, crianças ou adultos.

Qual o papel da família no tratamento do portador de sofrimento mental?

O papel da família é cuidar, incentivar, estar presente, ser suporte seguro e confiável, pois é no âmbito familiar que os seus integrantes buscam apoio, compreensão e vislumbram possibilidades.