A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um tratado internacional

             

Cap�tulo 14�

A Declara��o Universal dos Direitos Humanos

1948 

Sentido hist�rico 

Durante a sess�o de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econ�mico e Social das Na��es Unidas, ficou assentado que a Comiss�o de Direitos Humanos, a ser criada, deveria desenvolver seus trabalhos em tr�s etapas. Na primeira, incumbir-lhe-ia elaborar uma declara��o de direitos humanos, de acordo com o disposto no artigo 55 da Carta das Na��es Unidas. Em seguida, dever-se-ia produzir, no dizer de um dos delegados presentes �quela reuni�o, �um documento juridicamente mais vinculante do que uma mera declara��o�, documento esse que haveria de ser, obviamente, um tratado ou conven��o internacional. Finalmente, ainda nas palavras do mesmo delegado, seria preciso criar �uma maquinaria adequada para assegurar o respeito aos direitos humanos e tratar os casos de viola��o�.

A primeira etapa foi conclu�da pela Comiss�o de Direitos Humanos em 18 de junho de 1948, com um projeto de Declara��o Universal de Direitos Humanos, aprovado pela Assembl�ia Geral das Na��es Unidas em 10 de dezembro do mesmo ano. A Segunda etapa somente se completou em 1966, com a aprova��o de dois pactos, um sobre direitos civis e pol�ticos, e outro sobre direitos econ�mico, sociais e culturais. Antes disso, por�m, a Assembl�ia Geral das Na��es Unidas aprovou v�rias conven��es sobre direitos humanos, referidas mais abaixo. A terceira etapa, consistente na cria��o de mecanismos capazes de assegurar a universal observ�ncia desses direitos, ainda n�o foi completada. Por enquanto, o que se conseguiu foi instituir um processo de reclama��es junto � Comiss�o de Direitos Humanos das Na��es Unidas, objeto de um protocolo facultativo, anexo ao Pacto sobre direitos civis e pol�ticos.

A Declara��o Universal dos Direitos Humanos, como se percebe da leitura de seu pre�mbulo, foi redigida sob o impacto das atrocidades cometidas durante a 2� Guerra Mundial, e cuja revela��o s� come�ou a ser feita � e de forma muito parcial, ou seja, com omiss�o de tudo o que se referia � Uni�o Sovi�tica e de v�rios abusos cometidos pelas pot�ncias ocidentais � ap�s o encerramento das hostilidades. Al�m disso, nem todos os membros das Na��es Unidas, � �poca, partilhavam por inteiro as convic��es expressas no documento: embora aprovado por unanimidade, os pa�ses comunistas (Uni�o Sovi�tica, Ucr�nia e R�ssia Branca, Tchecoslov�quia, Pol�nia e Iugosl�via), a Ar�bia Saudita e �frica do Sul abstiveram-se de votar.

Seja como for, a Declara��o, retomando os ideais da Revolu��o Francesa, representou a manifesta��o hist�rica de que se formara, enfim, em �mbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I. A cristaliza��o desses ideais em direitos efetivos, como se disse com sabedoria na disposi��o introdut�ria da Declara��o, far-se-� progressivamente, no plano nacional, como fruto de um esfor�o sistem�tico de educa��o em direitos humanos. 

A for�a jur�dica do documento 

Tecnicamente, a Declara��o Universal dos Direitos do Homem � uma recomenda��o, que a Assembl�ia Geral das Na��es Unidas faz aos seus membros (Carta das Na��es Unidas, artigo 10). Nesta condi��o, costuma-se sustentar que o documento n�o tem for�a vinculante. Foi por essa raz�o, ali�s, que a Comiss�o de Direitos Humanos concebeu-a, originalmente, como etapa preliminar � ado��o ulterina de um pacto ou tratado internacional sobre o assunto, como lembrado acima.

Esse entendimento, por�m, peca por excesso de formalismo. Reconhece-se hoje, em toda parte, que a vig�ncia dos direito humanos independe de sua declara��o em constitui��es, leis e tratados internacional, exatamente porque se est� diante de exig�ncias de respeito � dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou n�o. A doutrina jur�dica contempor�nea, de resto, como tem sido reiteradamente assinalado nesta obra, distingue os direitos humanos fundamentais, na medida em que estes �ltimos s�o justamente os direitos humanos consagrados pelo Estado como regras constitucionais escritas. � �bvio que a mesma distin��o h� de ser admitida no �mbito do direito internacional.

J� se reconhece ali�s, de h� muito, que a par dos tratados ou conven��es, o direito internacional � tamb�m constitu�do pelos costumes e os princ�pios gerais de direito, como declara o Estatuto da Corte internacional de Justi�a (art. 38). Ora, os direitos definidos na Declara��o de 1948 correspondem, integralmente, ao que o costume e os princ�pios jur�dicos internacionais reconhecem, hoje, como exig�ncias b�sicas de respeito � dignidade humana. A pr�pria Corte Internacional de Justi�a assim tem entendido. Ao julgar, em 24 de maio de 1980, o caso de reten��o, como ref�ns, dos funcion�rios que trabalhavam na embaixada norte-americana em Teer�, a Corte declarou que �privar indevidamente seres humanos de sua liberdade, e sujeit�-los a sofrer constrangimentos f�sicos �, em si mesmo, incompat�vel com os princ�pios da Carta das Na��es Unidas e com os princ�pios fundamentais enunciados na Declara��o Universal dos Direitos Humanos�.

Inegavelmente, a Declara��o Universal de 1948 representa a culmin�ncia de um processo �tico que, iniciado com a Declara��o dos direito do Homem e do Cidad�o, da Revolu��o Francesa, levou ao reconhecimento da igualdade essencial de todo ser humano em sua dignidade de pessoa, isto �, como fonte de todos os valores, independentemente das diferen�as de ra�a, cor, sexo, l�ngua, religi�o, opini�o, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condi��o, como se diz em seu artigo II. E esse reconhecimento universal da igualdade humana s� foi poss�vel quando, ao t�rmino da mais desumanizadora guerra de toda a Hist�ria, percebeu-se que a id�ia de superioridade de uma ra�a, de uma classe social , de uma cultura ou de uma religi�o, sobre todas as demais, p�e em risco a pr�pria sobreviv�ncia da humanidade. 

O teor do documento 

A Declara��o abre-se com a proclama��o dos tr�s princ�pios axiol�gicos fundamentais em mat�ria de direitos humanos: a liberdade, a igualdade e a fraternidade.

A forma��o hist�rica dessa tr�ade sagrada remonta a Revolu��o Francesa. Mas a sua consagra��o oficial em textos jur�dicos s� se fez tardiamente. A Declara��o dos Direitos do Homem e do Cidad�o de 1789, tal como o Bill of Rights de Virg�nia de 1776, s� se referem � liberdade e � igualdade. A fraternidade veio a ser mencionada, pela primeira vez � e, ainda assim, n�o como princ�pio jur�dico, mas como virtude c�vica -, na constitui��o francesa de 1791. Foi somente no texto constitucional da Segunda rep�blica francesa, em 1848, que o tr�ptico veio a ser oficialmente declarado.

O princ�pio da igualdade essencial do ser humano, n�o obstante as m�ltiplas diferen�as de ordem biol�gica e cultural que os distinguem entre si, � afirmado no artigo II. O pecado capital contra a dignidade humana consiste, justamente, em considerar e tratar o outro � um indiv�duo, uma classe social, um povo � como um ser inferior sob pretexto da diferen�a de etnia, g�nero, costumes ou fortuna patrimonial. Algumas diferen�as humanas, ali�s, n�o s�o defici�ncias, mas bem ao contr�rio, fontes de valores positivos e, como tal, devem ser protegidas e estimuladas. Como conseq��ncias dessa igualdade de ess�ncia, o artigo VII reafirma a regra fundamental da isonomia, proclamada desde as revolu��es americana e francesa do s�culo XVIII.

Na Declara��o Universal dos Direitos do Homem, o princ�pio da liberdade compreende tanto a dimens�o pol�tica, quanto a individual. A primeira vem declarada no artigo XXI e a Segunda nos artigos VII e XVI a XX. Reconhece-se, com isto, que ambas essas dimens�es da liberdade s�o complementares e independentes. A liberdade pol�tica, sem as liberdades individuais, n�o passa de engodo demag�gico de Estados autorit�rios ou totalit�rios. E o reconhecimento das liberdades individuais, sem  efetiva participa��o pol�tica do povo no governo, mal esconde a domina��o olig�rquica dos mais ricos.

O princ�pio da solidariedade est� na base dos direitos econ�micos e sociais, que a Declara��o afirma nos artigos XXII a XXVI. Trata-se de exig�ncias elementares de prote��o �s classes ou grupos sociais mais fracos ou necessitados, a saber:

a)  o direito � seguridade social (arts. XXII e XXV);

b)  o direito ao trabalho e � prote��o contra o desemprego (art. XXIII, 1);

c)   os principais direitos ligados ao contrato de trabalho, como a remunera��o igual por trabalho igual (art. XXIII, 2), o sal�rio m�nimo (art. XXIII, 3); o repouso e o lazer, a limita��o hor�ria da jornada de trabalho, as f�rias remuneradas (art. XXIV);

d)  a livre sindicaliza��o dos trabalhadores (art. XXIII, 4);

e)  o direito � educa��o: ensino elementar obrigat�rio e gratuito, a generaliza��o da instru��o t�cnico-profissional, a igualdade de acesso ao ensino superior (art. XXVI).

A Organiza��o Internacional do Trabalho, em particular, tem desenvolvido por meio de conven��es os v�rios direitos do trabalhador declarados no artigo XXIII./p>

Ap�s enunciar, nos tr�s primeiros artigos, os valores fundamentais da liberdade, da dignidade e da fraternidade, e proclamar que todos os seres humanos t�m direito � vida, � liberdade e � seguran�a pessoal, a Declara��o assenta a proibi��o da escravid�o e do tr�fico de escravos (art. IV). Teria sido sem d�vida mais l�gico fazer preceder esse dispositivo da declara��o de princ�pios consignada no artigo VI: �todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei�. Este o princ�pio capital em mat�ria de direitos humanos. Na verdade, os escravos n�o s�o os �nicos seres humanos aos quais se denegam todos os direitos: o mesmo ocorreu com os ap�tridas durante a 2� Guerra Mundial, como ser� lembrado mais abaixo.

Em aplica��o ao dispositivo no artigo IV da Declara��o, uma confer�ncia de plenipotenci�rios, convocada pelo Conselho Econ�mico e Social das Na��es Unidas, aprovou em 7 de setembro de 1956 uma Conven��o Suplementar sobre a aboli��o da escravatura e de situa��es similares � escravid�o, bem como do tr�fico de escravos.

Com base nos dispositivos da Declara��o que consagram as liberdades individuais cl�ssicas e reconhecem os direitos pol�ticos (art. XXI), as Na��es Unidas adotaram, subseq�entemente, tr�s conven��es internacionais. A primeira em 20 de dezembro de 1952, destinada a regular os direitos pol�ticos das mulheres, segundo o princ�pio b�sico da igualdade entre os sexos. A Segunda, em 7 de novembro de 1962, sobre o consentimento para o casamento, a idade m�nima para o casamento e o registro de casamentos (art. XVI da Declara��o). A terceira, em 21 de dezembro de 1965, sobre a elimina��o de todas as formas de discrimina��o racial.

A par desses direitos e liberdades tradicionais, a Declara��o estende o sistema de prote��o universal da pessoa humana a novos setores.

A 2� Guerra Mundial engendrou uma multid�o de refugiados, em toda a Europa. Al�m disso, o Estado nazista aplicou, sistematicamente, a pol�tica de supress�o da nacionalidade alem� judaica. Logo ap�s a guerra, Hannah Arendt chamou a aten��o para a novidade perversa desse abuso, mostrando como a priva��o de nacionalidade fazia v�timas pessoais exclu�das de toda prote��o jur�dica no mundo. Ao contr�rio do que se supunha no s�culo XVIII, mostrou ela, os direitos humanos n�o s�o protegidos independentemente da nacionalidade ou cidadania. O asilado pol�tico deixa um quadro de prote��o nacional para encontrar outro. Mas aquele que foi despojado de sua nacionalidade, sem ser opositor pol�tico, pode n�o encontrar nenhum Estado disposto a receb�-lo: ele simplesmente deixa de ser considerado uma pessoa humana. Numa f�rmula tornada c�lebre, Hannah Arendt concluiu que a ess�ncia dos direitos humanos � o direito a ter direitos.

Tendo em vista esse precedente, a Declara��o, al�m de reconhecer o direito de asilo a todas as v�timas de persegui��o (art. XIV), firma o direito de todos a uma nacionalidade (art. XV). As Na��es Unidas ocuparam-se sucessivamente dessa quest�o, em tr�s ocasi�es. Em 28 de junho de 1951, em obedi�ncia � Resolu��o 429 (Voc�) da Assembl�ia Geral, datada de 14 de dezembro de 1950, uma confer�ncia de plenipotenci�rios sobre o status dos refugiados ap�tridas aprovou uma primeira Conven��o sobre a mat�ria. Em 28 de setembro de 1954, outra Conven��o internacional, invocando a Declara��o Universal de Direitos Humanos, regulou a situa��o dos ap�tridas n�o refugiados. Finalmente, em 30 de agosto de 1961, uma terceira Conven��o, tendo por objeto reduzir o n�mero de ap�tridas, foi adotada por uma confer�ncia de plenipotenci�rios, convocada por uma resolu��o da Assembl�ia Geral de 4 de dezembro de 1954.

Outro tra�o saliente da Declara��o Universal de 1948 � a afirma��o da democracia como �nico regime pol�tico compat�vel com o pleno respeito aos direitos humanos (arts. XXI e XXIX, al�nea 2). O regime democr�tico j� n�o �, pois, uma op��o pol�tica entre muitas outras, mas a �nica solu��o leg�tima para a organiza��o do Estado.

� de se assinalar, finalmente, o reconhecimento, no artigo XXVIII, do primeiro e mais fundamental dos chamados direitos da humanidade, aquele que tem por objetivo a constitui��o de uma ordem internacional respeitadora da dignidade humana.

Quais são os tratados internacionais de direitos humanos?

Quais os principais tratados internacionais de Direitos Humanos?.
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, 1966;.
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966;.
Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, 1966;.

É correto afirmar que a Declaração Universal dos Direitos Humanos possui natureza jurídica de tratado internacional?

A DUDH não possui força jurídica de um tratado (atenção ao que dispõe a primeira corrente doutrinária).

O que é a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento que delimita os direitos fundamentais do ser humano. Foi estabelecida em 10 de dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), à época composta por 58 Estados-membros, entre eles o Brasil.

Qual é a natureza jurídica da Declaração Universal dos Direitos Humanos?

Dessa forma, a DUDH está configurada no conceito de soft law, na medida em que, embora não tenha força vinculante, orienta as relações sociais no âmbito da proteção da dignidade da pessoa humana (consenso internacional dos Direitos Humanos).